segunda-feira, 2 de novembro de 2015

A luta dos 90.000 padres casados da Igreja católica Federação internacional realiza congresso em Madri e pede fim do celibato obrigatório

Imagem de arquivo de uma vista geral de um grupo de sacerdotes na Plaza del Obradoiro, em Santiago de Compostela.
Dos sacerdotes casados no último meio século (desde o Concílio Vaticano II, em 1965), se disse que eram desertores. De uma década para cá aparecem como profetas. Em todo o mundo existem cerca de 90.000, dos quais pouco mais de 6.500 são espanhóis. São muitíssimos, se considerarmos que a Igreja romana tinha 413.418 sacerdotes (19.058 na Espanha) no ano passado, além de um grave problema de vocações. Com o número de católicos que conta o Vaticano (1,214 bilhão), a relação entre pastores e ovelhas (segundo a terminologia usual) é preocupante, de acordo com estimativas do próprio papa Francisco: 2.939 paroquianos por sacerdote e 236.555 por bispo. Essa é a primeira análise do Congresso Internacional da Federação Europeia de Padres Católicos Casados, que acontece neste fim de semana no centro de congressos Fray Luis de León, Guadarrama (Madri).
A lei do celibato obrigatório (de forma que a ordenação sacerdotal se torna um impedimento ao casamento) foi promulgada no Segundo Concílio de Latrão, em 1139. Até então, os padres se casavam, e também alguns papas. Embora o Vaticano tenha parecido prestes a abrir uma porta para o celibato opcional, as regras não mudaram. Mas o fizeram dezenas de milhares de sacerdotes, em uma crise que dizimou, ou mais, os efetivos clericais. O debate agora parece inexorável. Os padres casados, no entanto, sofreram um calvário. O sacramento do sacerdócio, como o do matrimônio, é para sempre, de modo que só pode ser anulado caso se demonstre que tramitou com graves defeitos de forma e de fundo. Roma raramente aceita saídas desse tipo, de forma que muitos sacerdotes casados abandonaram o exercício de sua função sem qualquer formalidade e apenas uma minoria decidiu pedir a redução ao laicato.A Europa é o continente em que mais se vê a crise do catolicismo. “Uma vinha devastada pelos javalis do relativismo”, disse em 2010 o papa emérito Bento XVI. À diminuição das vocações sacerdotais, se junta um decréscimo de 9% dos padres ativos e o envelhecimento dos clérigos restantes (66 anos de média de idade). Os padres casados são a solução, ou melhor, a solução seria decretar o celibato opcional, não obrigatório, como fizeram outras religiões cristãs, e até mesmo abrir o sacerdócio para a mulher, como as igrejas protestantes? Francisco tem essas opções sobre a mesa. Ele mesmo reconheceu que a flexibilização das leis do celibato é uma porta aberta, descartando radicalmente, por outro lado, a ordenação de mulheres. Ele disse isso em abril de 2014, forçado por declarações prévias de seu secretário de Estado, o arcebispo Pietro Parolin, que haviam causado um curioso sobressalto midiático. “O celibato obrigatório não é um dogma da Igreja e pode ser discutido porque é uma tradição eclesiástica”, disse o primeiro-ministro do Papa.
Em casos raros, o padre casado continuou exercendo como tal, com o consentimento tácito de seu bispo

Pelo celibato opcional

É um processo que leva anos e que nem sempre termina bem. É o que dizem as normas do Vaticano, aprovadas no pontificado de Paulo VI, início da crise, sob o título de‘Sacerdotalis coelibatus’: “Antes que proponham à Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé a causa da redução ao estado laical com a dispensa das obrigações relacionadas com a ordenação sagrada, os bispos (para os padres) e os superiores maiores (para os religiosos) devem fazer todo o possível durante um tempo adequado para ajudar o solicitante (orator) a superar as dificuldades que tem, tais como, por exemplo, mediante a transferência para outro lugar onde esteja livre de perigos, com o apoio, conforme o caso, de colegas e amigos do solicitante, familiares, médicos e psicólogos. Se tudo isso não der resultado e o solicitante insistir em pedir a licença, devem ser fornecidas as informações necessárias para a questão”.
Em casos raros, o padre casado continuou exercendo como tal, com o consentimento tácito de seu bispo, sempre que houvesse uma comunidade de fiéis que o aceitasse. Há centenas de casos na Espanha. Também há cerca de quinhentos sacerdotes casados responsáveis por paróquias por encargo episcopal. Trata-se de sacerdotes vindos dos países da Europa de Leste, que em suas igrejas — ortodoxas, mas católicas — podem se casar.
O celibato obrigatório não afeta o núcleo da fé e, portanto, pode ser revogado a qualquer momento
Julio Pinillos
O congresso de padres casados, vindos de praticamente todos os países europeus, lida com esses números, mas serve principalmente aos princípios. “O celibato obrigatório é uma norma disciplinar imposta em um momento determinado. Ela não afeta o núcleo da fé e, portanto, pode ser revogada a qualquer momento pelo Papa. De fato, em todas as outras Igrejas cristãs, o celibato, quando existe, é opcional. Ou seja, os sacerdotes ortodoxos, anglicanos e protestantes podem se casar ou permanecer celibatários. Mas na Igreja católica o celibato é obrigatório, ou seja, é uma conditio sine qua non para poder ser sacerdote”, diz Julio Pinillos, casado e, no entanto, aceito como padre em uma comunidade de paroquianos em um bairro de Madri. Pinillo foi presidente da federação internacional de padres casados entre 1993 e 2003.
Na hierarquia eclesiástica manifestaram-se posições diferentes sobre esse triplo objetivo, como constatou o comitê executivo da Federação Internacional de Padres Católicos Casados, (FICCC, da sigla em espanhol) entre 1993 e 1996, quando conseguiu se reunir com bispos e cardeais de diferentes países. Muitos foram os que lhes fecharam a porta, mas foram muitos e importantes os que os “alentaram com palavras de esperança”, dizem em um documento interno. O cardeal Aloísio Lorscheider disse: “Vocês não são desertores, mas pioneiros”; outro cardeal brasileiro, Dom Luciano Mendes de Almeida, afirmou: “Por que esse desperdício de sacerdotes?”; o cardeal Hume (Inglaterra): “Falarei com Roma”; o bispo Pere Casaldáliga, em uma eucaristia em sua casa em São Félix do Araguaia: “Corresponde a vocês defender o celibato opcional, como corresponde a mim defender os pobres do Brasil. Façam isso com dignidade, perseverança e diálogo”, e o bispo Alberto Iniesta (emérito de Madri): “O Evangelho não me autoriza a dizer-lhes que o que estão tentando não seja evangélico. Será um longo caminho. Façam-no a partir e com a comunidade”.
A taxa de aceitação do padre casado, de acordo com as últimas estatísticas publicadas, atinge 80% nos Estados Unidos, 75% na Europa e 73% na Espanha. Além disso, a FICCC, que reúne 34 países de quatro continentes, debate outros princípios, que são objetivos “de importância crescente” nas palavras de Pinillos. “São a defesa do celibato opcional, além da renovação dos ministérios e a procura de uma Igreja servidora do homem de hoje”.
Além do manifesto final aprovado na tarde de domingo, o congresso termina com o lançamento do livro ‘Curas en unas comunidades adultas’, no qual o Moceop (Movimento pelo Celibato Opcional), presidido por Ramón Alario, apresenta alguns marcos de uma história de quase 40 anos. Alario diz: “Com o livro nós fechamos, por enquanto, uma etapa e mostramos o ponto a que chegamos, que não é outro senão aquele do qual, a nosso ver, a evolução dos serviços comunitários nunca deveria ter se afastado: o primado e o papel fundamental da comunidade de fieis acima e além de todas as tarefas que originalmente e teoricamente estão a seu serviço. Não se trata de que com isso renunciamos à reivindicação inicial — o caráter opcional do celibato — que está em nossas origens, mas que a colocamos na perspectiva em que adquire todo o seu sentido de serviço: a comunidade adulta. Aí reside o desafio de uma verdadeira reforma e atualização das nossas igrejas: que haja e existam autênticas comunidades adultas e maduras”.

Refugiado sírio viaja 11,3 mil km em 23 dias em jornada pela Europa

Bilail, que é de Aleppo, manteve um diário de sua jornada de mais de 11,3 mil km de Istambul, onde morava após deixar a Síria, a Oslo em 23 dias (Foto: BBC)
A jornada para fugir da guerra na Síria rumo à Europa é cheia de riscos: barcos precários para cruzar o Mediterrâneo, restrições nas fronteiras e violência de outros imigrantes.
A crise de imigrantes e refugiados na Europa é a maior desde a Segunda Guerra Mundial. Centenas de milhares de pessoas chegaram ao continente neste ano e outras milhares morreram tentando fazer esta travessia.
Bilail, que é de Aleppo, manteve um diário de sua jornada de mais de 11,3 mil km de Istambul, onde morava após deixar a Síria, a Oslo em 23 dias.

'Nossa meta é documentar nossa cultura para gerações futuras', diz cineasta indígena

O indígena Jair Kuikuro saiu cedo de sua aldeia, aos 15 anos, para se tornar cineasta, mas hoje tem mais uma profissão: locutor de rádio.
Após não conseguir uma licença para criar uma rádio comunitária em sua região no Xingu, ele recorreu ao WhatsApp e começou a Rádio FM Xingu por meio de aplicativo. Sua primeira grande cobertura são os Jogos Mundiais Indígenas, que se encerraram neste sábado em Palmas, no Tocantins.
Jair afirma já ter chegado a postar 500 áudios em um único dia desde o início do evento, além de fotos e mensagens que distribui para seus oito grupos de seguidores e assim manter informados os "parentes" indígenas que não puderam estar presentes na festa.
Enquanto as competições de arco e flecha, arremesso de lança e corrida de tora acontecem no estádio da arena, Jair se reveza entre o microfone e o telefone, já que também é um dos apresentadores do evento.
Um dos criadores do Coletivo Kuikuro de Cinema, que já produziu cinco curtas e um longa-metragem, Jair ainda está registrando tudo que vê nos Jogos para um novo documentário.
"Nosso objetivo é documentar a nossa cultura para mostrar para as novas gerações as tradições de canto, história, reza, tudo que a gente tem", diz ele.
Produção e reportagem: Luciani Gomes e Júlia Dias Carneiro

Cinegrafista: Vitor Brunoro

O faz-de-conta de Marcelo Odebrecht

Marcelo Odebrecht pede socorro ao STF/GNewsOs advogados de Marcelo Odebrecht, denunciado na Operação Lava Jato sob as acusações de participar de organização criminosa e praticar corrupção ativa e lavagem de dinheiro, escolheram uma tática bizarra para defender seu cliente. Poderia se tratar apenas uma excêntrica manobra diversionista para evitar encarar os fatos – não fosse o que ela revela, ao mesmo tempo, de arrogância e delírio paranoico. Marcelo teria, por lei, o direito de ficar calado no depoimento que prestou na última sexta-feira ao juiz Sérgio Moro, da 13.a Vara da Justiça Federal em Curitiba. O direito ao silêncio é uma prerrogativa sacrossanta da defesa, para evitar que os réus produzam declarações que depois sejam usadas para incriminá-los. Em vez de lançar mão desse direito – algo legítimo e compreensível –, a defesa de Marcelo preferiu responder por escrito às acusações do Ministério Público Federal (MPF), que constam da denúncia apresentada no final de julho.

Como num jogo de faz-de-conta, os advogados assumiram o papel de policiais, promotores e juízes. Elaboraram um questionário com 60 perguntas, intitulado “Interrogatório de Marcelo Bahia Odebrecht”. Não foi, por óbvio, um interrogatório real, mas uma elaboração dos argumentos da defesa, com perguntas fictícias atribuídas a algum interrogador. O documento – apresentado ao juiz Moro na sexta-feira e distribuído à imprensa antes do interrogatório real, para valer – vai de questões anódinas sobre a formação de Marcelo, seu conhecimento dos envolvidos na Lava Jato ou a descrição do funcionamento do Grupo Odebrecht e chega a perguntas mais específicas, formuladas e selecionadas pelos advogados, a respeito do conteúdo da denúncia.

Há explicações as mais variadas para algumas das anotações comprometedoras que estavam no iPhone de Marcelo, apreendido pela Polícia Federal por ocasião de sua prisão. Já comparei o iPhone de Marcelo a uma espécie de Pedra de Rosetta da Lava Jato – se decifrado na íntegra, ele poderia contar boa parte da história da corrupção na Petrobras. Mas, como eles mesmos elaboraram as perguntas, os advogados de Marcelo se restringiram a tentar desvendar as anotações apontadas na denúncia do MPF.

Eles tentam explicar, de modo às vezes convincente, outras não, algumas sequências enigmáticas de caracteres que intrigaram os procuradores – como “RA vs cc Sw (direção fluxo? Delação dos envolvidos?)”; “Sw (CNO vs Pessoal vs RA vs as dos BOs? PKB?)…” ou “Swiss: Pic (declarar ctas já) RA, PKB…)”. Sustentam que as três notas têm relação com o desejo de Marcelo de investigar internamente as menções na delação premiada de Rafael Ângulo, um dos portadores de dinheiro do doleiro Alberto Youssef, a documentos de operações no exterior (conhecidos como “swifts”) recolhidos na Braskem, uma empresa do Grupo Odebrecht, e ao banco suíço PKB. Afirmam que a célebre anotação “Ações B… trabalhar para parar/anular (dissidentes PF …)” não traduz a vontade de interferir nas investigações, mas apenas de saber se as divergências na PF poderiam ser aproveitadas pela defesa dos acusados para interrompê-las ou anulá-las. Dizem que “Higienizar apetrechos MF e RA” era um lembrete para necessidade de fazer uma varredura para verificar se executivos da Odebrecht eram alvo de grampos ilegais. E por aí vai.

As informações do iPhone de Marcelo são, é claro, muito mais abundantes. Não há, nas respostas dos advogados, nenhuma explicação para anotações enigmáticas como “Deixar prédios com Vaca”; “40 para vaca (parte para Feira)”; “Créditos Vaccari e pagtos diretos” e outras do tipo. Um interrogatório real teria servido para desvendá-las de modo definitivo. Poderia ter servido, em especial, para elucidar a mais comprometedora – e, surpeendetemente menos enigmática – das anotações, situada entre menções aos nomes de “Edinho”, “Haddad” e “Adams”: “MRF: dizer do risco cta suíça chegar campanha dela?”. Marcelo, infelizmente, não esclareceu, afinal, quem é "ela".

No momento em que se sentou diante de Moro para falar, ele preferiu fazer um pequeno discurso, em que proclamava sua inocência e se dizia vítima de uma prisão arbitrária, com base em provas inconsistentes. Moro tentou algumas vezes interrompê-lo, mas ele se recusou a parar sua arenga. No momento em que, finalmente, Moro pôde formular suas perguntas, Marcelo recusou-se a respondê-las, sem porém invocar seu direito ao silêncio. Dizia apenas que suas respostas haviam todas sido entregues por escrito.

Houve como que uma inversão de papeis. Marcelo se arrogou não apenas um direito que, por lei, cabe ao juiz – formular as perguntas. Também se recusou a dar qualquer resposta que não tivesse sido previamente aprovada e analisada por seus advogados. As três perguntas que Moro tentou fazer ficaram no ar. Em vez do silêncio, Marcelo adotou uma atitude que – embora disfarçada sob o manto da cooperação com a Justiça, por apresentar respostas por escrito –, desafiou a autoridade do juiz, por impedi-lo de proceder às perguntas. Uma atitude arrogante, disfaçada de cooperação. Em vez de um interrogatório real, tivemos um “interrrogatório” de faz-de-conta.

Quer se der o trabalho de ler e analisar a denúncia do Ministério Público, poderá encontrar nela diversas falhas (já escrevi sobre isso aqui). Mas as acusações centrais são inequívocas e estão embasadas num minucioso trabalho de rastramento do caminho do dinheiro, realizado com a cooperação do Ministério Público da Confederação, na Suíça. Estão lá as empresas de fachada, as contas secretas, as datas e valores das transferências e toda a complexa engenharia financeira usada para conduzir o dinheiro da Odebrecht às contas de Pedro Barusco, Renato Duque, Paulo Roberto Costa, Jorge Zelada e Nestor Cerveró. Entre aqueles que receberam o dinheiro, vários já declararam em depoimentos que se tratava de propina relativa à obtenção de contratos na Petrobras. Não há defesa contra esses fatos. Há, tão-somente, a negativa atribuída a Marcelo por seus advogados" "Jamais orientaria esse tipo de confuta ilegal. Esta acusação é profundamente injusta".

Diante de fatos semelhantes, empreiteiros de renome como Ricardo Pessôa, da UTC, ou Dalton Avancini, da Camargo Corrêa, decidiram colaborar com a Justiça e contar a verdade. A Camargo Corrêa decidiu até mesmo fechar um acordo de leniência com as autoridades reguladoras, para tentar limpar seu nome no mercado e afastar o fantasma da Lava Jato de seus negócios no futuro. Trata-se, antes de tudo, de uma questão de sobrevivência empresarial.

Qual é, em situação similar, a reação de Marcelo? Ele prefere negar os fatos, construir uma realidade paralela em que sempre será inocente, atribuir sua prisão a uma perseguição das autoridades e inventar um faz-de-conta que serve apenas para desafiar o poder da Justiça. Aparentemente, não está em seus planos admitir que errou, como fizeram os demais empreiteiros, contar a verdade e pagar o preço disso. Marcelo sempre manifestou preocupação com o futuro de sua empresa e com o exemplo que deixará às futuras gerações. Ninguém sabe o que acontecerá até o final da Lava Jato. Mas, se ele persistir em sua atitude, o preço que a empresa pagará pode ser altíssimo. Com o acúmulo de processos – até mesmo nos Estados Unidos –, é a sobevivência do Grupo Odebrecht que está em jogo. Que exemplo transmitirá então Marcelo de dentro da cadeia?

PF descobre despacho de macumba na casa de Collor contra Janot POR GUILHERME AMADO

Cavalcante
Em 1992 não deu muito certo, mas Fernando Collor ainda aposta em expedientes nada terrenos para se livrar de encrencas.
Na última vez em que esteve em sua casa, em julho, a PF encontrou um despacho de macumba endereçado a Rodrigo Janot e Fábio George da Silva, o homem-forte de Janot no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).
Numa mesa, os agentes encontraram uma foto do conselho do CNMP com os rostos de Janot e de George assinalados num círculo feito a caneta. Acima da foto, numa folha de papel com o timbre do Senado, os nomes de vários orixás: Iemanjá, Elegbara, Oxalá, Ogum, entre outros.

domingo, 1 de novembro de 2015

Merkel não consegue consenso entre aliados sobre a crise dos refugiados Os socialdemocratas rechaçam a proposta de estabelecer zonas de trânsito na fronteira

Dezenas de refugiados, neste domingo, na fronteira da Áustria com a Alemanha. / M. DALDER (REUTERS)
A chanceler Angela Merkel não conseguiu por um fim, neste domingo, às profundas diferenças que estão envenenando as relações no seio do Governo de grande coalizão por causa da chegada maciça de refugiados e a forma como enfrentar essa crise. Merkel havia convidado à sede do Governo alemão os chefes dos outros dois partidos que integram a grande coalizão, seu aliado bávaro Horst Seehofer (CSU) e o socialdemocrata Sigmar Gabriel (SPD), para buscar um consenso sobre a recepção de refugiados e, ao mesmo tempo, acabar com a perigosa rebelião que está germinando em seu próprio partido e no CSU da Baviera.
O encontro entre os três líderes políticos que aconteceu na chancelaria durou apenas duas horas e chegou ao fim quando Sigmar Gabriel abandonou a reunião, aparentemente em protesto pela insistência dos dois partidos democrata-cristãos em estabelecer zonas de trânsito para os refugiados na fronteira alemã.
“Existe um grande número de posições comuns e algumas ainda precisam ser esclarecidas”, afirmou o porta-voz do Governo, Steffen Seibert, em um breve comunicado. “Entre elas, encontram-se o tema das zonas de trânsito”, acrescentou o porta-voz, que disse que os três líderes voltarão a se reunir na próxima quinta-feira em Berlim.
A rodada de reuniões que aconteceram neste final de semana em Berlim começou no sábado à noite, quando Merkel, recém-chegada de uma visita à China, recebeu na chancelaria seu aliado bávaro Horst Seehofer, que se transformou no pior inimigo da chanceler e que ameaçou retirar os três ministros do seu partido que compõem o gabinete federal se Merkel não modificasse sua política de asilo.Mas o silêncio que Merkel, Seehofer e Gabriel mantiveram deixou escancarado que as discrepâncias podem ser ainda maiores, e vários analistas sugerem que a crise dos refugiados pode colocar em risco a grande coalizão e até mesmo a permanência no poder da própria chanceler.
O encontro entre Merkel e Seehofer durou cinco horas, e a ausência de declarações deixou implícito que as diferenças entre os dois aliados persistem. Merkel ainda se nega a fechar as fronteiras do seu país à chegada dos refugiados, enquanto Seehofer insiste que o fechamento das fronteiras é a única solução para colocar um fim à crise.
O único ponto de entendimento entre ambos é a implantação das chamadas “zonas de trânsito”, uma medida que criará centros na fronteira alemã onde as autoridades possam analisar prioritariamente os pedidos de asilo, e discriminar os que vêm de países considerados “seguros”, que seriam devolvidos aos seus países de origem sem maiores trâmites legais.
Mas as “zonas de trânsito” foram rechaçadas pelos líderes do partido Socialdemocrata, que consideram que elas acabariam virando enormes zonas de detenção em terra de ninguém. “Não podemos aceitar a criação de zonas de trânsito, que são, na realidade, centros de internação do tamanho de estádios de futebol”, disse Sigmar Gabriel, ideia compartilhada pelo ministro da Justiça, o socialdemocrata Heiko Maas.
O SPD propõe como alternativa a criação de centros de registros para os que pedem asilo, espalhados por todo o país, onde seriam coordenados os processos de avaliação e aconteceria a expulsão, quando fosse necessária, das pessoas cuja petição fosse recusada. A CSU também exige que o reagrupamento familiar seja restringido para evitar novos surtos de pedidos de asilo, uma medida que o SPD também rechaça por considerar que contraria as leis vigentes.

As crianças da guerra

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A Europa está sofrendo a maior onda de imigrantes desde a Segunda Guerra Mundial, e estima-se que mais da metade dos deslocados vêm da Síria. Milhares de refugiados e migrantes provenientes deste e de outros países em guerra estão sofrendo bloqueios perto dos postos fronteiriços na Hungria, Croácia, Sérvia e Eslovênia, devido aos contínuos fechamentos de fronteiras e também às limitações impostas por alguns desses países, segundo denúncia da organização Médicos Sem Fronteiras. Na foto, um bebê com um gorrinho que diz “Princesa Dora” chora nos braços de sua mãe. Ambas esperam um ônibus para ajudá-las a continuar sua jornada na cidade de Miratovac entre a fronteira sérvia-macedônia, em 22 de outubro.