quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Acordo entre Colômbia e Farc pode pôr fim ao mais longo conflito interno do Ocidente

Aperto de mão que selou acordo (Foto: Yamil Lage/AFP/Getty Images)Image copyrightAFP
Image captionRaúl Castro (ao centro) intermediou aperto de mão entre Juan Manuel Santos (à esq.) e Timochenko
Em encontro intermediado pelo presidente de Cuba, Raúl Castro, o governo da Colômbia e as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) anunciaram que a paz será firmada em um prazo de seis meses.
As negociações estão ocorrendo em Havana desde 2012. Juan Manuel Santos, presidente colombiano, viajou nesta quarta à capital cubana para o anúncio, durante o qual ficou lado a lado com Rodrigo Londoño Echeverri, o "Timochenko", o mais importante comandante das Farc.
O acordo, lido pelo porta-voz do governo de Cuba, Rodolfo Benitez, prevê a criação de uma jurisdição especial para a paz, formada por magistrados colombianos e estrangeiros, para “acabar com a impunidade” e julgar crimes tanto de integrantes das Farc como do Exército do país.
O governo colombiano outorgará uma ampla anistia que, porém, não incluirá violações graves aos direitos humanos. As penas para delitos mais graves serão de 5 a 8 anos, em “condições especiais de restrição”, para aqueles que reconheçam culpa.
Para ter direito às condições especiais, os guerrilheiros deverão abandonar as armas em um período de 60 dias após o acordo ser firmado.
“Nós acordamos que em no máximo seis meses a negociação deve ser concluída e firmada em um acordo final”, disse o presidente colombiano, que defendeu a reparação às vitimas do conflito.
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"É o fim da guerra mais longa do nosso continente. Um acordo que deve sentar as bases de uma paz estável e duradoura”, continuou Santos, que agradeceu as Farc pelo passo dado. “Somos adversários. Estamos em extremos diferentes. Mas hoje avançamos na mesma direção.”
Conheça abaixo os principais eventos deste que é considerado o mais longo conflito interno do Hemisfério Ocidental.

Guerra civil

1899-1902 - "A Guerra dos Mil Dias" entre liberais (que governaram entre 1861 e 1885) e conservadores, que assumiram o poder em 1885.
1948-1957 - Entre 250 mil e 300 mil pessoas mortas na guerra civil.
1958 - Conservadores e liberais chegam a um acordo e formam a Frente Nacional para acabar com a guerra civil.

Formação das guerrilhas

1964 - Exército Nacional de Libertação (ELN), de esquerda, e o Exército Maoista da Libertação do Povo (EPL) são fundados.
1965 - Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc, atualmente o maior grupo de guerrilha) é estabelecida.
1970 - Aliança Nacional do Povo é formada como um movimento de esquerda para enfrentar a Frente Nacional.
1971 - Surge o grupo guerrilheiro de esquerda M19.
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Image captionSão muitos os desaparecidos na luta entre governo e das Farc
1978 - O presidente Julio Turbay (liberal) inicia o combate intensivo contra traficantes de drogas.

Os cartéis

1985 - Onze juízes e outras 90 pessoas são mortas depois que guerrilheiros do M19 invadem o Palácio da Justiça. Partido da União Patriota (UP) é formado.
1986 - Grupos paramilitares de direita iniciam uma série de assassinatos tendo como alvo políticos do UP em meio à violência de grupos de esquerda e de esquadrões da morte liderados por cartéis de traficantes de drogas.
BBC
Image captionPablo Escobar foi morto pela polícia em 1993
1989 - O M19 se transforma em um partido legalizado depois de um acordo de paz com o governo. Candidatos à presidência dos liberais e do UP são assassinados durante a campanha eleitoral, supostamente a mando dos cartéis de tráfico drogas; Cesar Gaviria é eleito graças ao seu programa eleitoral contra as drogas.
1993 - Pabro Escobar, líder do cartel de Medellin, é morto a tiros pela polícia enquanto tentava evitar a prisão.

Negociações e um plano

1998 - Andres Pastrana (conservador) é eleito presidente e inicia negociações de paz com os guerrilheiros. Ele garante às Farc um território seguro do tamanho da Suíça no sudeste do país para ajudar no progresso das negociações.
1999 - As negociações de paz são lançadas formalmente, mas o progresso é cheio de idas e vindas. Pastrana e o líder das Farc, Manuel Marulanda, se encontram.
2000 - O "Plano Colômbia" de Pastrana consegue uma verba de quase US$ 1 bilhão, principalmente em ajuda militar dos Estados Unidos, para combater o tráfico de drogas e os rebeldes que lucram com o tráfico.
2001 - Rebeldes das Farc libertam 359 policiais e soldados em troca de 14 rebeldes capturados. Depois, o governo e as Farc assinam o acordo de San Francisco, se comprometendo com um cessar-fogo.

Negociações fracassam

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Image captionNegociações de paz com as Farc foram interrompidas e retomadas várias vezes
2002 - Pastrana interrompe três anos difíceis de negociações de paz com as Farc, depois do sequestro de um avião. Ele ordena que os rebeldes deixem a zona desmilitarizada e determina que o sul é zona de guerra depois que os rebeldes aumentam o número de ataques.
2002 - O candidato independente Alvaro Uribe vence as eleições presidenciais; ele intensifica o combate aos grupos rebeldes.
2003 - Combatentes do grupo de direita Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC) começam o processo de desarmamento.
2004 - Ricardo Palmera, membro das Farc e mais importante guerrilheiro colombiano já capturado, é condenado a 35 anos de prisão. A AUC e o governo iniciam negociações de paz.
2005 - Uma nova lei oferece penas mais curtas e proteção contra extradição para paramilitares que entregam as armas. Grupos de direita afirmam que a legislação é muito complacente.
2006 - Líderes paramilitares detidos afirmam que se retiram do processo de paz. O governo diz que a desmobilização dos grupos de direita vai continuar.
2007 - Governo liberta dezenas de guerrilheiros das Farc na esperança de que os rebeldes libertem reféns. As Farc, entretanto, rejeitam a medida e dizem que só libertarão reféns se o governo retirar seus solados e estabelecer uma zona desmilitarizada.

Libertação de reféns

2007 - Em seu papel como mediador, o presidente venezuelano Hugo Chavez, concorda em convidar rebeldes para negociações para troca de prisioneiros. Como resultado, as Farc libertam duas reféns famosos, Clara Rojas e Consuelo Gonzalez, meses depois.
2008 - Um ataque no qual colombianos ultrapassaram a fronteira e foram até o Equador mata um importante líder das Farc, Raul Reyes, e desencadeia uma crise diplomática com o Equador e a Venezuela.
BBCImage copyrightBBC Ronachan Films
Image captionIngrid Betancourt foi libertada pelas Farc depois de seis anos de cativeiro
2008 - As Farc anunciam a morte de seu líder e fundador, Manuel Marulanda. O Exército colombiano resgata 15 reféns, incluindo a mais famosa do país, a política Ingrid Betancourt, prisioneira das Farc há seis anos.
2009 - Mais reféns famosos são libertados, incluindo um ex-governador de província e um cidadão sueco que seria o último refém estrangeiro do grupo. O presidente Alvaro Uribe afirma que retoma negociações de paz com o grupo se os rebeldes suspenderem suas "atividades criminosas".

Causa comum

2008 - Os grupos rebeldes marxistas (as Farc e o grupo menor, Exército Nacional de Libertação, ou ELN) anunciam que vão parar os combates entre eles e se concentrar em atacar as forças armadas da Colômbia.
2010 - Juan Manuel Santos assume a presidência; ele responde a uma oferta das Farc, de negociações de paz, insistindo que o grupo rebelde deve primeiro libertar todos os reféns que ainda tenha. Mas as Farc intensificam a campanha de violência. Um importante líder do grupo, Mono Jojoy, é morto por um ataque aéreo do governo.
2011 - As Farc libertam vários reféns no que descreve como um "gesto de paz" unilateral.
Image copyrightAlto Comisionado para la Paz de Colombia
Image captionNegociações de paz em Havana começaram ainda em 2012
2012 - Governo tem negociações preliminares com as Farc. O Congresso aprova em junho uma lei para facilitar o processo e os rebeldes das Farc declaram um cessar-fogo de dois meses, enquanto as negociações de paz formais com o governo começam em Cuba.
2013 - Um acordo é fechado entre as duas partes a respeito de reforma agrária, uma das questões mais polêmica do conflito. Eles também concordam com a futura participação polícia das Farc se o acordo de paz for realmente fechado.

Últimos passos

2014 - O presidente Santos vence outra eleição e conquista mais quatro anos no poder. Ele afirma que espera assinar um acordo de paz dentro de um ano.
Maio: É fechado em Havana um acordo sobre um dos pontos das negociações de paz, a eliminação da produção de drogas ilegais no país.
ReutersImage copyrightReuters
Image captionFarc e governo colombianos retomaram combates em 2015
Novembro: As Farc sequestram o general Rubén Dario Alzate junto com um civil. O governo suspende as negociações de paz, que são retomadas depois da libertação dos dois.
Dezembro: As Farc declaram cessar-fogo unilateral.
2015 - Março: Os dois lados concordam em trabalhar juntos para remover minas terrestres. A Colômbia é um dos países do mundo que mais tem minas terrestres.
Abril: O governo retoma ataques aéreos depois que as Farc matam 11 soldados em emboscada.
Maio: As Farc suspendem o cessar-fogo unilateral depois de alguns de seus membros morrerem em uma ofensiva aérea e terrestre do governo. Mas o grupo afirma que quer continuar as negociações de paz.
Julho: As Farc declaram outro cessar-fogo de um mês, que depois foi estendido sem um prazo final específico. O governo responde anunciando uma diminuição progressiva das hostilidades.
Setembro: Analistas relatam que julho e agosto tiveram os níveis mais baixos dos últimos 40 anos de violência relacionada ao conflito.

Por que os EUA são país-chave para finanças da Igreja BBC Mundo

Barack Obama e papa Francisco na Casa Branca (Foto: Tony Gentile/Pool Photo/AP)Image copyrightAP
Image captionAlém da importância política, país de Obama tem hoje a 4ª maior população de súditos de Francisco
Ao pisar nos Estados Unidos, o papa Francisco chegou não apenas a uma das nações com as maiores populações de católicos no mundo, mas também àquela que desempenha um papel crucial no caixa da Igreja.
O país tem mais de 70 milhões de católicos, número superado apenas por Brasil, México e Filipinas – o músculo financeiro do Vaticano é fortalecido, em parte importante, pelas pequenas contribuições pessoais desses milhões de devotos.
Uma família católica norte-americana doa, em média, cerca de US$ 10 (R$ 41,40) por semana, muitas vezes colaborando com o dízimo espontâneo aos domingos em cada uma das 17.958 paróquias espalhadas pelos EUA.
Os números foram publicados pelo CARA (centro para pesquisas aplicadas no apostolado, na sigla em inglês), ligado à Universidade de Georgetown. Segundo os dados, essas paróquias recolhem anualmente US$ 8,5 bilhões (R$ 34,88 bilhões) em doações dos fiéis, valor 23% maior em relação ao que era arrecadado uma década atrás.
Os recursos vindos dos católicos norte-americanos são parte importante da renda de toda a Igreja, afirmou Jack Ruhl, professor da Universidade Western Michigan que estuda as finanças das dioceses do país, à BBC Mundo, serviço em espanhol da BBC.
(Foto: AFP)Image copyrightAFP
Image captionSegundo pesquisadores, paróquias dos EUA arrecadam nada menos que US$ 8,5 bilhões anuais
A relevância financeira dos EUA no contexto global da Igreja é sublinhada pela revista britânica The Economist, que em 2012 estimava em 60% o percentual da riqueza da instituição originado no país.

Na paróquia

É importante lembrar, porém, que a maioria do valor recolhido dos fiéis nos Estados Unidos não vai para os cofres do Vaticano. Esse dinheiro fica nas próprias paróquias, que têm grande autonomia administrativa.
"Com cerca de 3 mil dioceses distribuídas em todos os continentes, o princípio da subsidiariedade, ou seja, o manejo local das finanças das dioceses e ordens religiosas, é a única opção", advertiu em dezembro passado o cardeal George Pell, religioso que está à frente da recém-criada Secretaria Econômica do Vaticano, em declarações à publicação britânica Catholic Herald.
"As instituições são incrivelmente descentralizadas, operam como entidades individuais sob o guarda-chuva pastoral da Igreja. O papa não é um executivo sentado no Vaticano, com um grande mapa, dizendo: construam uma paróquia aqui, um hospital lá e fechem essa escola acolá", afirmou em seu blog Mark Gray, um dos pesquisadores do CARA.
Além dessa autonomia administrativa, não há sistemas financeiros centralizados, o que torna difícil estimar quanto exatamente é movimentado pela Igreja Católica norte-americana – e quanto chega ao Vaticano.

Uma Igreja, uma missão

As estimativas, sem dúvida, mostram a importância dos fiéis dos EUA dentro do conjunto dos seguidores do catolicismo no mundo.
Para o CARA, a maioria das paróquias do país usa sua renda apenas para cobrir seus próprios gastos – mais de 90% do valor arrecadado acaba ficando na própria comunidade, avalia.
Religiosos em cerimônia com o papa em Washington (Foto: Brendan Smialowski/AFP/Getty Images)Image copyrightAFP
Image captionParóquias doa EUA ficam com 90% do que arrecadam, segundo pesquisadores
Porém, como sustenta artigo publicado em 2014 na revista americana Salon, se apenas 10% desses recursos paroquiais forem destinados à administração central da Igreja, isso representaria a nada desprezível quantia de US$ 800 milhões (R$ 3,3 bilhões) anuais para ajudar a financiar o catolicismo no restante do país e no mundo.
Um documento disponível no site da Conferência de Bispos Católicos dos Estados Unidos, intitulado One Church, One Mission (Uma Igreja, uma missão), indica que em 2011 foram realizadas coletas no país inteiro para ajudar os trabalhos católicos na América Latina, na Europa Central e Oriental e na África, entre outras regiões.

Desafios internos

Não são só os valores recolhidos pelas paróquias que pesam. O dinheiro que chega diretamente ao Vaticano via instituições de caridade também vem, em boa parte, de fontes norte-americanas.
Essa é a conclusão da revista Forbes, cujas estimativas apontam que, em 2011, um terço das doações diretas à Santa Sé partiram dos Estados Unidos, fatia que soma US$ 70 milhões (R$ 287 milhões).
Não dá para esquecer, no entanto, que a Igreja Católica também enfrenta múltiplos desafios financeiros no país, incluindo o pagamento de substanciais indenizações a vítimas de escândalos de abusos sexuais e o alto custo com as pensões do clero.

Estado brasileiro é Robin Hood ao contrário: tira dos pobres e dá aos ricos, diz líder dos sem-teto Mariana Schreiber Da BBC Brasil em Brasília

Guilherme Boulos discursa em protesto (Foto: Oswaldo Corneti/Fotos Públicas)Image copyrightOswaldo Corneti l Fotos Publicas
Image captionMTST, liderado por Guilherme Boulos (foto), irá às ruas em mais de dez capitais nesta quarta
Em meio à instabilidade política e econômica que cerca o governo Dilma Rousseff, a presidente enfrenta desgaste também junto aos movimentos sociais, tradicional base de apoio do PT.
O Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) realizou na manhã desta quarta-feira manifestações em mais de dez capitais – entre elas São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília – contra os cortes dos gastos sociais, especialmente a redução de recursos para o Minha Casa, Minha Vida.
As contratações para construção de novas moradias na faixa 1 do programa – a que atende as famílias de menor renda e exige subsídios maiores do governo – estão paralisadas e sem previsão de retomada.
Em entrevista à BBC Brasil, Guilherme Boulos, principal liderança do MTST, diz que os mais pobres não aceitam pagar a conta da crise e cobra mais impostos sobre os segmentos de maior renda da sociedade.
Image copyrightAg Brasil
Image captionMTST realizou nesta quarta-feira protestos em mais de dez capitais; acima, grupo diante do Ministério da Fazenda, em Brasília
Ele defende, por exemplo, a taxação de grandes fortunas e dos lucros e dividendos das empresas. Por outro lado, critica os gastos do governo com a dívida pública, que consomem mais de 40% do Orçamento.
"A carga (tributária) é ridícula em relação a quem de fato pode pagar. O grande problema é a má distribuição (da cobrança de impostos). O Estado brasileiro funciona como um Robin Hood ao contrário: tira dos pobres pelos impostos e dá aos ricos pelos juros da dívida pública", afirma.
Segundo Boulos, o movimento repudia as tentativas de impeachment da presidente, não vê ganhos em um eventual governo do atual vice Michel Temer, mas nem por isso deixará de criticar a política econômica.
"O MTST não aceita esta política, independentemente de quem esteja aplicando seja o governo liderado pelo PT, na esfera federal, ou pelo PSDB em Estados como São Paulo. Pau que bate em Chico bate em Francisco", disse.
"Se o governo quer ser defendido, ele precisaria primeiro tornar-se defensável", acrescentou.
Os protestos desta quarta-feira contam com o apoio de funcionários públicos, que convocaram uma paralisação nacional por meio do Fórum das Entidades Nacionais dos Servidores Públicos Federais.
O MTST não deve voltar às ruas no dia 2 de outubro, quando outros movimentos estão convocando uma manifestação "contra o golpe" para retirar Dilma da Presidência.
Leia abaixo a entrevista concedida à BBC Brasil por email e telefone.
Dilma em reunião com movimentos de moradia (Foto: Ichiro Guerra/PR)Image copyrightIchiro Guerra l PR
Image captionDilma recebeu movimentos de moradia na semana passada, mas isso não impediu protesto
BBC Brasil - Qual a motivação dos protestos?
Guilherme Boulos - As mobilizações desta quarta ocorrem pela opção do governo em cortar mais investimentos sociais, particularmente em moradia, como forma de responder à crise.
O orçamento do Minha Casa, Minha Vida enviado para o Congresso, de R$ 15,6 bilhões em 2016, já seria muito insuficiente. Os novos cortes (anunciados em R$ 4,8 bilhões) comprometem ainda mais. Já dissemos e repetimos: não aceitamos pagar a conta da crise. Há outras saídas possíveis.
Foto: PRImage copyrightPR
Image captionCorte de recursos no Minha Casa, Minha Vida levará sem-teto à rua, afirma Boulos, do MTST
BBC Brasil - Os protestos são contra o governo? Por quê?
Boulos - São contra a política de austeridade e cortes, que está sendo implementada pelo governo Dilma e também pelos governos estaduais.
O MTST não aceita essa política, independentemente de quem esteja aplicando - seja o governo liderado pelo PT, na esfera federal, ou pelo PSDB em Estados como São Paulo. Pau que bate em Chico bate em Francisco.
BBC Brasil - Em meio à instabilidade política e às tentativas de impeachment contra a presidente, o movimento não teme enfraquecer mais o governo com os protestos?
Boulos - Veja, achamos que o que enfraquece este governo é sua definição de aplicar um programa oposto em relação ao que foi eleito pela maioria.
O que enfraquece este governo é, a cada grito da banca (mercado financeiro), da mídia ou do PMDB, anunciar novas medidas de austeridade. Fica refém e perde base de apoio na sociedade. Se o governo quer ser defendido, ele precisaria primeiro tornar-se defensável.
BBC Brasil - O governo parece cada vez mais fraco. Os processos contra a presidente têm avançado no TCU e no TSE. O movimento está preocupado com uma possível queda da presidente?
Boulos - O MTST repudia qualquer saída à direita para a crise política. Acreditar que (o vice-presidente Michel) Temer representaria algum avanço para os interesses populares é de uma cegueira impressionante. Surfar na onda do impeachment achando que os trabalhadores podem ganhar com isso é tolice ou oportunismo.
Não caímos nessa e vemos que a tentativa do PSDB e de setores amplos do PMDB, articulados com figuras como (o ministro do STF) Gilmar Mendes no Judiciário, querem derrubar Dilma para implantar algo ainda mais agressivo à maioria popular.
Mas, ao mesmo tempo, isso não vai nos deixar imobilizados ante os ataques que têm vindo do governo. O governo tem tomado a opção de repactuar com o PMDB e setores da direita a qualquer custo. Essa opção tem um preço.
(Foto: TSE)Image copyrightTSE
Image captionPara Boulos, o PSDB e setores do PMDB estão articulados com o ministro Gilmar Mendes, do STF
BBC Brasil - Como o movimento vai reagir no caso de um impeachment?
Boulos - O MTST está e estará mobilizado contra os ataques aos direitos sociais e também contra qualquer saída mais à direita para a crise.
BBC Brasil - A terceira fase do Minha Casa, Minha Vida aumentou o valor das prestações para as famílias mais pobres. Além disso, as concessões para faixa 1, destinadas aos mais pobres, estão paralisadas. Qual a avaliação do movimento sobre o MCMV 3?
Boulos - O anúncio do Minha Casa, Minha Vida 3 no dia 10 pela presidenta incorporou pautas importantes do MTST e dos movimentos de luta por moradia, como maior prioridade ao Entidades (modalidade em que as moradias subsidiadas no programas são erguidas pelos movimentos sociais, e não por construtoras), aumento do limite da faixa 1 (teto da renda familiar nesta faixa subiu de R$ 1.600 para R$ 1.800), recurso para equipamentos públicos (escolas, postos de saúde, etc), entre outros pontos.
Houve essa redução do subsídio, que de fato prejudica a capacidade de pagamento das famílias que ganham entre R$ 800 e R$ 1.800 (ao elevar as prestações). Mas, além disso, o que é pior é que criou-se uma situação de "ganhar e não levar". Não adianta melhorar pontos no programa e não dar orçamento, não ter meta de contratação. Esse é o principal problema e é por isso que estaremos nas ruas nesta quarta.
BBC Brasil - Como foi a reunião com a presidente para discutir o programa na semana passada?
Boulos - A reunião em si, como disse, atendeu pautas dos movimentos. Mas quatro dias depois lá estava o governo em cadeia nacional anunciando novos cortes. Aí não dá!
BBC Brasil - Já que o movimento se opõe aos cortes de gastos, quais medidas o MTST defende para resolver o problema do Orçamento?
Boulos - O movimento defende que quem pague a conta da crise seja o andar de cima, não o andar de baixo. Você não tem imposto sobre grandes fortunas, você não tem imposto sobre distribuição de lucros e dividendos.
(Foto: Agência Brasil)Image copyrightAg. Brasil
Image captionCortes anunciados por Joaquim Levy (à esq.) e Nelson Barbosa desagradaram movimentos sociais
Um recurso inacreditável da União é destinado a juros e amortizações da dívida pública (mais de 40% do Orçamento). A Constituição de 88 prevê uma auditoria da dívida pública que nunca foi feita nesses quase 30 anos. O movimento defende esse tipo de medida para equacionar o preço da crise.
BBC Brasil - O movimento não entende que a carga tributária no Brasil já é alta, como dizem muitas pessoas?
Boulos - Alta para quem, né? Mais de 50% da carga incide sobre consumo. Imposto sobre a renda é 20% no total, imposto sobre propriedade é 4%. Então, a carga é ridícula em relação a quem de fato pode pagar.
Você pode inclusive reduzir imposto sobre consumo e aumentar a taxação sobre capital financeiro, especulativo e sobre propriedade, sobre imóveis, tanto rurais quanto urbanos.
A carga do Brasil é alta para os mais pobres e até para os setores médios. Quem ganha até dois salários mínimos deixa 54% de seus gastos em impostos. Já quem ganha mais de 30 salários deixa 29%.
Ou seja, o grande problema é a má distribuição. O Estado brasileiro funciona como um Robin Hood ao contrário: tira dos pobres pelos impostos e dá aos ricos pelos juros da dívida pública.
BBC Brasil - Qual balanço faz do Minha Casa, Minha Vida?
Boulos - O programa Minha Casa, Minha Vida é importante na medida em que o Brasil ficou 20 anos, desde o BNH (Banco Nacional da Habitação, extinto em 1986), sem programa habitacional. Mas é um programa cheio de contradições. Ele precisa ser alterado, precisa ser modificado.
Boulos com Lula, em dezembro (Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula)Image copyrightRicardo Stuckert l Instituto Lula
Image captionBoulos, na foto com Lula, diz que Minha Casa, Minha Vida é importante, mas precisa melhorar
A questão do papel das empreiteiras em produzir habitação de baixa qualidade e tamanho ruim precisa ser revisto. Quem ganha mais hoje com o programa são as empreiteiras.
Agora, mais do que isso, precisamos de uma política urbana de combate à especulação imobiliária. Combater essa lógica de cidade que na prática é uma máquina de criar novos sem-teto.
Você constrói novas habitações pelo Minha Casa, Minha Vida, mas tem novos despejos a cada dia, especulação imobiliária crescendo, as pessoas sendo expulsas das regiões por conta do valor proibitivo do aluguel e da especulação imobiliária.
BBC Brasil - A Câmara dos Deputados aprovou na semana passada uma Medida Provisória que permite que unidades do Minha Casa, Minha Vida sejam disponibilizadas para profissionais envolvidos na Olimpíada antes da entrega para os usuários. Agora, segue para votação no Senado. O movimento vê algum problema?
Boulos - Achamos que deveriam utilizar os imóveis novos de alto padrão na Barra da Tijuca para isso..

Câmara aprova dobrar pena de alcoolizado que provoca acidente fatal Pena máxima passa de 4 para 8 anos de prisão, o que dá regime fechado. Foi aumentada pena para lesão corporal causada por motorista bêbado.

Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (23) projeto de lei que dobra a pena para o motorista alcoolizado que provocar acidente com morte. Atualmente, a punição para quem dirigir embriagado e provocar acidente fatal é de 2 a 4 anos de detenção, além da suspensão da permissão para dirigir veículo automotor.

Pela proposta aprovada pelos deputados, a pena para o homicídio culposo (sem intenção de matar) cometido por motorista embriagado passará a ser de 4 a 8 anos de reclusão. Assim, quem pegar a pena máxima terá que cumprir a punição na cadeia, em regime fechado. O texto agora segue para o Senado antes de ir à sanção presidencial.
“Se o agente conduz veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência: Penas reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor”, diz o projeto.

Para os defensores da proposta, a pena máxima de 4 anos é muito branda para a gravidade do crime, já que pode ser convertida em prestação de serviços à comunidade.

O texto aprovado pelos deputados também prevê pena mais alta para motorista bêbado que provocar acidente que resulte em lesão corporal grave. Hoje a pena é de 2 a 4 anos de prisão. Com a proposta, a pena será de 2 a 5 anos prisão
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Supremo tira das mãos de Sérgio Moro parte da Operação Lava Jato Decisão abre precedente para que outros processos do caso saiam de Curitiba STF autoriza investigação de tucano e Mercadante fora da Lava Jato

O juiz Sergio Moro, responsável pela Operação Lava Jato. / FÁBIO MOTTA (AE)
A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal decidiu, nesta quarta-feira (23), que parte dos inquéritos da Operação Lava Jatoseja retirado das mãos do juiz Sérgio Moro, da Justiça Federal do Paraná. A decisão, tomada em caso ligado a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), é uma derrota para os procuradores que atuam no caso e para Moro, que defendem que os crimes investigados em Curitiba fazem parte de um mesmo esquema que se ramifica em diversas frentes. A sentença foi comemorada por advogados dos acusados, que desde o início da operação atacam Moro por supostamente agir em sintonia com a Polícia Federal e o Ministério Público e conduzir o processo com mão de ferro.
Com a sentença, abre-se o precedente para que defensores de envolvidos no esquema de corrupção da Petrobras peçam que os processos sejam remetidos a outros juízes em outros Estados, ou até mesmo anulados. Tendo como base a presente decisão do Supremo, eles, poderiam, por exemplo, questionar a legalidade de o juiz paranaense analisar casos ocorridos no Distrito Federal ou no Rio de Janeiro, que sedia a Petrobras e foi palco de parte dos crimes investigados. Ou São Paulo, onde ficam algumas empreiteiras envolvidas.A decisão foi tomada após Moro enviar à corte provas contra Hoffmann e outros envolvidos nos desvios do Fundo Consist. O caso em questão não tem ligação direta com a corrupção na Petrobras, mas foi revelado por delatores que já colaboram com o Ministério Público Federal do Paraná. Os supostos crimes teriam ocorrido em São Paulo, por seis votos a três os ministros defenderam que o processo seja enviado à Justiça paulista.

Esquema tentacular

O Moro julgava ter jurisdição nacional"
Nos últimos dias, um dos procuradores do caso, Carlos Fernando dos Santos Lima, disse ao jornal Folha de S.Paulo que a medida do Supremo poderia significar "o fim da Lava Jato tal qual conhecemos". Com a descentralização de alguns processos da operação, novas equipes de procuradores da República em outros Estados entrariam no caso, sem conhecimento profundo dos autos, o que poderia atrasar o ritmo da apuração. Em entrevista ao EL PAÍS, Deltan Dallagnol, um dos responsáveis pela operação no Ministério Público Federal no Paraná, afirmou que a experiência da equipe formada em Curitiba e "o alinhamento de vários juízes altamente eficientes, técnicos e firmes, da primeira à última instância neste caso" foram determinantes no sucesso da Lava Jato até então.
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, se manifestou contra o desmembramento. "Esta investigação se dirige a uma organização criminosa com vários ramos, que opera de maneira uniforme (...) quase com os mesmos atores e que opera em diversas frentes", afirmou, ao defender a permanência do caso de Gleisi Hoffmann com Moro.
O advogado Kakay, que defende alguns dos envolvidos no caso, comemorou a decisão do STF. “O Moro julgava ter jurisdição nacional. Grande parte de seus processos não deveriam estar com ele”, afirmou. De acordo com ele, a tendência é que agora vários outros defensores entrem com pedido de suspeição de competência, o que desmembraria ainda mais a Lava Jato. “A decisão da corte foi importante, perdemos essa sensação de que existia um código de processo penal do Paraná”, disse.
Na sessão desta quarta, apenas Gilmar Mendes, Celso de Mello e Roberto Barroso foram contra o desmembramento da operação. O ministro Celso de Mello criticou a medida, alegando que isso abrirá brechas para que juízes federais deem “visões contraditórias” sobre fatos relacionados “em função dessa fragmentação de competências”. “Não é possível que o Judiciário possa expor-se a uma situação como essa”, disse, referindo-se ainda ao esquema investigado como uma “organização criminosa de projeção tentacular”. “No fundo, o que se espera é que os processos saiam de Curitiba, e não tenham a devida sequência em outros lugares. É bom que se diga, em português claro!”, disse Gilmar Mendes.
Além de investigar o caso de pagamento de propina em troca de contratos envolvendo empreiteiras e a Petrobras, a Lava Jato já chegou a esquemas semelhantes envolvendo a Eletrobras, a Eletronuclear e outras empresas menores. Os procuradores insistem que trata-se de uma investigação compra de apoio político partidário, e não apenas corrupção na estatal petrolífera.
Foi um segundo revés para Sérgio Moro na operação. Anteriormente o ministro do Superior Tribunal de Justiça Luiz Salomão já havia retirado de sua competência o caso envolvendo Roseana Sarney. O processo agora tramita no Maranhão.