Quando o ministro Gilmar Mendes pega um punhado de pólvora, ele consegue criar uma bomba atômica. A frase teria várias interpretações, dependendo da boca de quem ela saísse. Sendo dita pelo ministro Luiz Fux, seu colega no Supremo Tribunal Federal(STF), ela paira como uma ressalva sobre a postura de Mendes no último julgamento do qual participou, sobre o financiamento empresarial de campanhas. Na ocasião, depois de segurar o processo por um ano e cinco meses com um pedido de vista, Mendes mais criticou o PT pelo seu envolvimento nos desvios bilionários da Petrobras descobertos pela Lava Jato, do que analisou a constitucionalidade das doações de empresas para candidatos e partidos políticos.
A sua ascensão na carreira começou quando se tornou advogado-geral da União no Governo tucano deFernando Henrique Cardoso (1995-2002) e acabou indicado por ele para o Supremo no ano de 2002, quando ainda tinha cabelos negros e usava barba da mesma cor. Agora, com poucos fios de cabelos, a maioria grisalhos, e sem barba, o ministro, de 59 anos de idade, demonstra cada dia mais raiva contra o partido que há quase 13 anos governa o Brasil e que tem se envolvido em uma série escândalos. Na quarta-feira passada, quando em seu voto no caso do financiamento eleitoral ficou cinco horas criticando os petistas por serem investigados na Lava Jato, Mendes afirmou que quase se emocionava ao ver um partido que foi tão beneficiado por esquemas ilícitos pedirem a proibição da doação empresarial nas campanhas.Mendes não se intimida de expor suas posições, que por vezes transcendem a análise técnica, seja no tribunal ou em entrevistas. Por isso, nos últimos anos, Mendes tem sido visto como um bastião da oposição aos governos petistas no Judiciário, algo que é dito constantemente nos corredores do STF e do Congresso Nacional. Seu discurso é similar ao de um congressista do DEM ou do PSDB.
“O partido [PT] que mais leva vantagem, pela mais valia, para captar recursos [de campanha] agora, como madre Teresa de Calcutá, defende o encerramento das doações das empresas privadas. Quase que me emociono. Quase vou às lágrimas. É uma conversão que merece algum tipo de canonização. Será que eles nos tomam como idiotas?”, disse um Mendes irônico, durante o seu voto. E completou: “A rigor esse partido [o PT] é um partido de vanguarda. Porque instalou o financiamento público de campanha antes de sua aprovação. Recursos de estatais diretamente para o partido”. A ligação entre o público e o privado é uma das linhas de investigação da Lava Jato: se os doadores de campanha de Rousseff teriam apostado recursos na reeleição da presidenta com receio de perder negócios com a Petrobras. A tese é polêmica, pois muitos deles doaram exatamente o mesmo valor para o principal adversário da petista, Aécio Neves, do PSDB.
Um dos colegas de Corte, Marco Aurélio Mello afirmou que esses argumentos de Mendes eram “metajurídicos”, extrapolavam a legislação e quaisquer decisões já tomadas anteriormente. Em artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, o professor de direito Rubens Gleizer, da Fundação Getúlio Vargas, criticou o posicionamento do ministro anti-PT. “Ainda que juízes não sejam neutros, eles possuem deveres de imparcialidade que ancoram a sua legitimidade democrática. Desabafos políticos são importantes, mas são cabíveis em apenas em dois edifícios da Praça dos Três Poderes.”
Proximidades
Próximo do senador e ex-ministro de FHC, José Serra (PSDB-SP), Mendes também tem criado vínculos com entidades que a cada dia mais flertam com o impeachment de Dilma Rousseff. A mais recente foi a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), presidida pelo peemedebista Paulo Skaf. Na última sexta-feira, o ministro participou de um evento no qual repetiu boa parte de seu voto a favor do financiamento empresarial de campanhas. Disse que o PT tinha um projeto de se perpetuar no poder e, levando em conta os desvios da Lava Jato, já teria mais de 2 bilhões de reais para usar nas campanhas eleitorais até o ano de 2038.
Os ataques ao PT chegaram ao ponto de ele acusar a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) que entrou com a ação contra o financiamento eleitoral, de estar atuando em nome do partido de Lula e Dilma. O que tanto a entidade quanto o partido refutaram.
Os argumentos e a postura de Mendes neste último caso assustaram inclusive boa parte de seus colegas que convivem quase diariamente com ele. Em dois momentos, as expressões dos ministros que o cercavam eram de surpresa.
No primeiro episódio, na quarta-feira passada, ele tentou bater boca com o advogado que representava a OAB e disse que este não tinha direito a se manifestar. Como o defensor teve o direito à fala garantido pelo presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski, Mendes se retirou do plenário. No dia seguinte, ele também saiu da Corte antes do fim da sessão sob o argumento de que tinha uma viagem marcada, justamente em um dos poucos dias em que há sessões plenárias previamente agendadas. Os demais ministros se entreolharam assustados com a abrupta saída e disseram que, mesmo sem Mendes, o julgamento da causa terminaria e que ele não poderia se manifestar sobre o caso na outra semana, como disse que pretendia fazer.
Holofotes acessos
Mato-grossense da cidade de Diamantino, Mendes começou a ganhar os holofotes nacionais no ano 2000, quando como advogado-geral da União teve de defender o Governo FHC nos processos contra o racionamento energético. Em 2008, já na presidência da Corte, voltou a receber destaques quando soltou o banqueiro Daniel Dantas, preso no Caso Satiagraha, um dos principais escândalos de corrupção do Brasil que acabou sendo invalidado pelo Supremo por conta de irregularidades na coleta de provas.
Vaidoso, ele é um dos dois ministros do STF que possuem páginas pessoais na internet, na qual publica notícias elogiosas a ele, seus artigos e sua história profissional. O outro ministro é Luís Roberto Barroso. Além de ministro, Mendes também é professor na Universidade de Brasília e no Instituto Brasiliense de Direito Público, o qual fundou.
Para o desagrado da cúpula petista, Mendes também é ministro do Tribunal Superior Eleitoral. Nessa Corte, ele foi um dos que votou a favor de uma ação que pede a impugnação da candidatura de Dilma Rousseff e Michel Temer por suspeita de terem recebido recursos ilícitos na campanha de 2014. O processo deve voltar ao julgamento nesta terça-feira, dia 22. Neste mesmo caso, o ministro pediu que o Ministério Público aprofundasse as investigações contra o a campanha dilmista para apurar a ligação entre o financiamento privado e os interesses na Petrobras. Ele usou os depoimentos de delatores da Lava Jato, como Ricardo Pessoa, sócio da empreiteira UTC, como base para sua acusação. Pessoa teria doado recursos, segundo sua delação, por temer a perda de contratos com a Petrobras. A oposição aposta nessa linha de argumento para comprovar que o financiamento seria similar a propina.
Na semana passada, quando indagado se esperava que seus argumentos contra o PT e a sua ode à Lava Jato seriam capazes de convencer seus colegas a declararem votos a favor do financiamento empresarial de campanha ele respondeu: “O voto-vista não é apenas para o plenário. É um voto para a história. Tem o compromisso com a história de se advertir sobre essa situação e de usar o Supremo em uma questão política”. Ainda assim, ele só teve apoio de dois dos colegas do Supremo, contra 8 que derrubaram o financiamento empresarial.