Brasília – Na eleição que determinou o afastamento definitivo de Dilma Rousseff hoje (31), os senadores pró-impeachment ganharam dois apoios. Um deles foi o do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que preferiu não se abster e se posicionou pelo impeachment. Outro foi do senador Telmário Mota (PDT-RR), adversário feroz de Romero Jucá (PMDB-RR), mas que manteve entendimentos com o Planalto para conseguir cargos de segundo escalão no seu estado e virou de última hora. Jucá, ontem, dizia que não queria calcular um último voto, mas eram grandes as possibilidades de puxar mais um parlamentar para o lado de Michel Temer.
O senador, ex-ministro do Planejamento – que teve de deixar o governo provisório por conta de ter sido flagrado em gravações divulgadas durante delação premiada do ex-senador e ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado – é bastante próximo de Michel Temer e estava falando de Oto Alencar (PSB-BA), que se dizia indeciso. Mas neste caso não conseguiu êxito.
Informações de bastidores são de que foram negociados cargos para evitar que mudassem de lado Hélio José (PMDB-DF), João Alberto Souza (PMDB-MA), Roberto Rocha (PSB-MA), Romário (PSB-RJ), Edison Lobão (PMDB-MA) e Fernando Collor (PTB-AL). Os ministérios que poderão ceder estas vagas negociadas, por meio de cargos em agências e lotados nos estados de cada senador, estariam pré-definidos: seriam Transportes, Agricultura, Turismo, Esporte, Ciência e Tecnologia e Agricultura.
“Não conseguimos barrar o golpe, mas ficou claro que pesou entre os senadores o fato de terem levado em conta questões regionais e alianças nos seus estados. O que prova que houve, sim, uma conscientização dos colegas de que não houve crime por parte da presidenta Dilma e uma grande preocupação do governo até então provisório com o aumento das articulações feitas nos últimos dias com vários senadores, pelo ex-presidente Lula e ministros de governos do PT”, afirmou o líder do partido no Senado, Humberto Costa (PE).
“Valeu foi o peso da caneta. Foi o que falou mais alto. Quanto ao PMDB, soube ser o PMDB de sempre e já mostra que Temer assumirá sem governabilidade, porque os integrantes do partido fizeram questão de cravar sua posição dúbia livrando a presidenta da proibição de exercer direitos políticos”, disse, por outro lado, um deputado do DEM. Este deputado não conseguiu esconder a contrariedade com o fato de os peemedebistas terem votado, na segunda votação do dia, com os aliados de Dilma.
Na prática, o recado do grupo aliado ao governo que assume hoje foi claro para Michel Temer. Quem estava na dúvida e resolveu apoiar o impeachment não abrirá mão das barganhas e compromissos assumidos. Mas por outro lado mostrou que não está integrando a ferro e fogo a base aliada do seu governo, mesmo fazendo parte dele. Também vai lhe dar trabalho para construir coalizões e garantir consensos, no sentido de obter a aprovação de matérias importantes no Congresso.
Para se ter ideia, enquanto 20 senadores votaram contrários ao afastamento de Dilma Rousseff, 32 votaram contra a perda dos seus direitos políticos. Fazem parte da lista desta segunda votação ex-ministros e parlamentares que tiveram presença forte nos governos do PT. E que quiseram passar um recado de que não poderiam ser infiéis com a sigla que integram, mas não deixariam os petistas totalmente na mão.
Fazem parte desta posição Jader Barbalho (PMDB-PA), Eduardo Braga (PMDB-AM), Edison Lobão (PMDB-MA), João Alberto Souza (PMDB-MA) e Roberto Rocha (PMDB-MA). No caso de Barbalho, ele ensaiou nos últimos dias que tinha sido bem tratado pelo PT e só seguiu com o PMDB por ter ligações históricas com a sigla que integra. Seu filho, Helder Barbalho, saiu do ministério dos Portos, no governo Dilma, para ocupar a pasta de Integração Nacional, no governo Temer.
Mas Barbalho chegou a receber a visita de Lula em casa e teria dito ao ex-presidente que a questão que interferiu no seu voto foi “regional” e tem como pano de fundo uma ambição pessoal. Barbalho acha que está saindo da política e está numa idade em que, tem dito aos mais próximos, “não teme mais nada, nem deve nada a ninguém”. Mas gostaria de, antes disso acontecer, deixar o caminho traçado para Helder ser governador do Pará. E considera as articulações com o governo de Michel Temer, por conta dos arranjos de peemedebistas em municípios paraenses, vitais para isso.
No caso dos senadores do Maranhão, as questões foram mais intrínsecas. Eles questionaram vários pontos com representantes do PT, incluindo o próprio Lula e, no caso de alguns, até com o governador do estado, Flávio Dino, que é do PCdoB. Também falaram, por outro lado, com integrantes da articulação política do governo Temer. Foram prometidos a eles pelo governo até então interino, ministérios e cargos de diretoria em bancos públicos.
Mas teria pesado mesmo nessas tratativas que terminaram culminando na decisão de continuarem a favor do impeachment, o impacto da família Sarney sobre este apoio e a formalização de algum tipo de comprometimento conjunto diante das eleições majoritárias em 2018 no estado, o que não conseguiu ser objeto de um acordo.
Sendo assim, os maranhenses preferiram se manter como estavam, embora fazendo o “carinho” de não votar pela perda de direitos para Dilma.
Rivalidades estaduais
Outra prova de fogo disse respeito a estados onde o PMDB enfrenta divergências com o PSDB, dois partidos que estão juntos na base aliada do governo Temer. Destacam-se, entre esses casos, o Amazonas, onde a briga é entre o ex-governador Eduardo Braga (PMDB) e o prefeito de Manaus, Arthur Virgílio (PSDB), e o Paraná, onde têm interesses eleitorais para os mesmos cargos, posteriormente, o atual governador Beto Richa (PSDB) e o senador Álvaro Dias (PV).
“O dia de hoje ficará para a história não apenas pela consolidação dos atos de covardia, traição e confirmação de mau caratismo por parte de tanta gente neste Congresso, mas também pelas tenebrosas transações firmadas, como diz a música do Chico Buarque”, comentou Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM).
Em relação a Fernando Collor, não houve propriamente uma mudança de votos, mas uma esperança por conta da conversa que ele teve no sábado com Dilma Rousseff, desfeita pouco depois. E uma expectativa observada por trocas intensas de olhares do ex-presidente e hoje senador com dois aliados fiéis do seu governo em 1992: Romero Jucá e Renan Calheiros.
Collor abriu seu discurso dizendo que já passou por isso, que votaria pelo afastamento da presidenta e que embora fosse contrário à divisão de votações entre o impeachment e a perda de direitos políticos, no seu caso não houve tal divisão. Demonstrou, com a fala, certa resignação ao fazer uma comparação entre o que houve com ele e Dilma, mas contou com um apoio implícito dos dois senadores, como se dissessem: "Estamos lembrados de tudo e estamos aqui", conforme afirmaram deputados que assistiram à sessão.
Já Renan Calheiros, que é dado a um estilo de "morde e assopra" e tem procurado, ao longo de sua história política, ficar de bem com todos, deu a deixa sobre o fato de que iria votar pelo impeachment e contra a perda de direitos da presidenta em meio a trocas semelhantes de olhares e acenos com petistas. Calheiros, antes de se pronunciar pela segunda vez, ouviu a defesa feita pelo senador Jorge Viana (PT-AC), que discursou olhando para ele num clima de entendimento.
Para muitos observadores, estava sendo selado ali, um pacto prévio, firmado entre eles provavelmente na tarde ou noite de ontem, que foi o que definiu, de vez, a manutenção dos direitos políticos de Dilma com o aval dos outros peemedebistas.
A votação terminou sendo marcada por tons emocionados, como se esperava. E discursos buscando mais conciliação, como o de Renan e acusações aos favoráveis ao impeachment de “canalhas” por Lindbergh Farias (PT-RJ), que lembrou a fala do então ministro Tancredo Neves em 1964, quando o Senado considerou vago o cargo de João Goulart.
Passou, ainda, por respostas do neto de Tancredo, Aécio Neves (PSDB-MG), que disse que se o avô estivesse vivo votaria pelo impeachment, sem dar mais explicações, bem como por novas argumentações irritadas de senadores como Aloysio Nunes (PSDB-SP) e Ronaldo Caiado (DEM-GO) tentando desconstruir a ideia de que houve um golpe no país.
“Agora é dar continuidade à luta. A história dos que estão do lado correto não terminou”, acrescentou Lindbergh. No íntimo, para parlamentares tucanos, os senadores contrários ao impeachment, que já previam o resultado do afastamento da presidenta havia semanas, terminaram sendo mais bem sucedidos do que esperaram. E, em reservado, estão comemorando o bom resultado que conseguiram obter assegurando os direitos políticos da presidenta.
Os petistas negam esse entendimento dos tucanos. E Dilma já deixou claro, do Palácio da Alvorada, que a luta continua e que a oposição ao que chamou de "governo de corruptos" será ferrenha.
Quanto a Temer, que segue esta noite para China como presidente do Brasil, terá de pensar nos remanejamentos que fará nos ministérios e nos consensos que terá de buscar para manter uma base com a qual atue em sintonia.