Audiência de conciliação do novo CPC termina em acordo no Fórum João Mendes, centro de SP; fase passou a ser obrigatória e pode evitar espera de meses ou anos pela sentença do juiz (Foto: Rosanne D'Agostino/G1)
Decisões obtidas pelo G1 mostram que alguns juízes do país têm pulado a audiência prévia de conciliação nos processos. A etapa passou a ser obrigatória pelo novo Código de Processo Civil com o objetivo de desafogar o Judiciário, criando uma fase em que as próprias partes podem tentar um acordo antes que a demanda vire um processo.
Em um deles, uma juíza afirma que a audiência pode ser dispensada, pois compete ao juiz “velar pela duração razoável do processo, o que certamente não ocorreria se os autos fossem encaminhados ao Cejusc para agendamento de audiência”.Nas decisões, os juízes alegam que a conciliação obrigatória atrasa ainda mais o Judiciário e que não há conciliadores e mediadores suficientes para realizar as audiências. O
G1 teve acesso a despachos de vários estados, entre eles São Paulo, Paraná,
Espírito Santo e
Santa Catarina, e do
Distrito Federal.
Decisão de junho da 4ª Vara Cível Central do Fórum João Mendes, na capital paulista, nega a audiência de conciliação alegando possível demora (Foto: Reprodução)
Os Cejuscs (Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania) foram criados antes do CPC e passaram a ser uma incumbência dos tribunais estaduais, por determinação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2010. Com o novo código, que entrou em vigor em março (entenda no vídeo abaixo), a conciliação passa a ser feita preferencialmente nesses locais e é obrigatória em todos os processos em que é possível.
Em outra decisão que dispensou a audiência, um juiz paulista argumenta que a aplicação do novo CPC pode trazer “resultados inconstitucionais”, por isso, “a audiência de conciliação ou mediação deve ser designada apenas nas hipóteses em que, segundo a legislação, não seja possível o julgamento do mérito [final]”. Não existe essa previsão no novo código.
Em outro processo, de Itaquaquecetuba, interior paulista, o juiz deixou de designar a audiência “diante da falta de estrutura do Cejusc”, argumentando que o autor da ação não manifestou vontade expressa de conciliar.
Pelo novo CPC, a audiência acontece mesmo se o autor não manifestar vontade. Ela não se realiza só se as duas partes disserem ser contra.
Decisão de maio da Comarca de Itaquaquecetuba, interior de SP, alega falta de centros de conciliação para realizar audiências obrigatórias pela nova lei (Foto: Reprodução)
Em decisão da 6ª Vara Cível de Ribeirão Preto, interior de SP, juíza afirma que o número de acordos nas audiências é "insignificante". (Foto: Reprodução)
O G1 também teve acesso a duas decisões de Curitiba, em que juízes alegaram “ausência de conciliador ou de mediador” na Vara e falta de estrutura do Cejusc e também não designaram a audiência de conciliação ou mediação.
Levantamento feito pela Associação de Advogados de
São Paulo (AASP) traz relatos de advogados que incluíram nos pedidos a designação da audiência de conciliação, que acabou não realizada. Há também o caso em que o próprio juiz conduziu a audiência, que deveria ser feita sem intervenção do Judiciário.
Decisões argumentam ausência de conciliador ou de mediador na 18ª Vara Cível de Curitiba. Procurado, TJ-PR diz que estado possui mais Cejuscs por habitante do que São Paulo (Foto: Reprodução)
“Essa é uma grande frustração da nova lei”, afirma o advogado Ricardo Aprigliano, conselheiro da AASP. “As audiências não estão sendo marcadas. O autor entra com ação, o juiz diz que, em virtude da falta de conciliadores, do excesso de processos, da falta de estrutura física, a audiência de conciliação não vai ser marcada. Está pulando uma etapa”, diz.
Mas a questão ainda gera polêmica entre especialistas. Para o advogado Luiz Antonio Ferrari Neto, ainda “é cedo para falar se essa alteração já vai trazer bons frutos”. “Para todas as demandas, não sei se vai trazer resultados esperados. Veio a lei e não veio o aparato para dar suporte à lei e acredito que não virá tão cedo, ainda mais com a crise”, considera.
Ele defende que o juiz não marque a audiência caso o autor não tenha interesse e o réu não se manifestar. “A probabilidade de acordo nesse caso é pequena. Aquele tempo de demora da audiência beneficiou o réu. É complicado. Criar a obrigatoriedade não sei se vai mudar a cultura. Vai acabar custando mais caro esse processo”, conclui.
Conciliação x mediação
As duas são tentativas de acordo entre as partes. Enquanto o conciliador participa e oferece soluções, o mediador é neutro e só acompanha as próprias partes resolverem o conflito. Nos dois casos, não há a presença do juiz, mas o acordo final deve ser cumprido.
'Facilitador'
Rubens Cusnir, diretor de uma clínica de diagnóstico por imagem, esperava a audiência de conciliação em um processo por responsabilidade civil, mas o juiz não designou a data.
No processo, a pessoa alegou ter uma doença que não apareceu em um exame feito pela clínica. Em um segundo exame, descobriu-se que se tratava de uma doença congênita (que ocorre no nascimento ou ao nascer).
Para ele, a conciliação “seria um facilitador”, já que o acordo podia evitar que o caso demorasse de dois até oito anos no Judiciário, que é o tempo médio de uma causa como essa. “A chance de fazer acordo é relativamente pequena, mas, dependendo da situação, existe a chance. Eu vejo uma vantagem nisso”, afirma. Segundo seu advogado, se houvesse a mediação diante de uma pessoa habilitada, a questão podia ter sido resolvida sem ir ao tribunal.
Acordo na hora
O G1 acompanhou uma audiência de conciliação baseada no novo código no Fórum João Mendes, no centro da capital paulista, que terminou em acordo. A audiência ocorreu na própria sala do juiz, que aguardou as partes conversarem, com ajuda dos conciliadores, sem intervir. Em três horas, os pais de uma criança de um ano e sete meses resolveram uma briga judicial que poderia se estender por anos e já durava pelo menos um sem que o pai pudesse ver a filha. Agora, as visitas estão agendadas.
Walter Furlanete, 69, um dos mediadores
voluntários dos casos de família no Fórum João
Mendes. 'Tem juiz que não acredita muito, mas
estão mudando de ideia', afirma
(Foto: Rosanne D'Agostino/G1)
Walter Furlanete, de 69 anos, é um dos mediadores que atuam no fórum e diz ser "gratificante" o trabalho voluntário. "Nosso objetivo é fazer as partes se pacificarem, para que elas cumpram o acordo por vontade própria, e não por imposição do magistrado", afirma. "Teve o caso de um casal que, em três horas, resolvemos 5 processos. Eles até voltaram a tomar café juntos, que era um hábito do casal", conta.
Segundo ele, ainda há preconceito por parte de alguns juízes, mas isso vem mudando a partir do conhecimento de como funciona uma audiência. "No primeiro momento, eles resistem. Já ouvi um: 'Não quero saber desta porcaria'. Acham que vão perder o tempo deles, porque é uma cultura que se ensina desde a faculdade. Mas nós vamos com jeito e, quando eles veem as partes se conciliando, acabam concluindo que é uma ótima saída", diz.
Posição do CNJAndré Gomma de Azevedo, juiz auxiliar da Presidência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e membro do Comitê Gestor da Conciliação, afirma que ficou surpreso por decisões ocorrerem em São Paulo e no
Paraná. “São os estados com mais Cejuscs”, diz. Segundo ele, o que ocorre é exatamente o contrário: muitos conciliadores e mediadores têm reclamado da falta de encaminhamento dos casos pelos magistrados.
Para o juiz, implementar o novo CPC depende de uma cultura de solução de conflitos diferente. “Existe um cadastro nacional que os magistrados podem buscar, tem centenas de mediadores. Inclusive, São Paulo é o que mais tem”, afirma. “Se o juiz está com dúvida, ele deve procurar o Nupemec, que é o núcleo de conciliação do tribunal do seu estado”, orienta.
Já sobre se os magistrados estão descumprindo o código, Azevedo afirma que essa é uma questão que deve ser enfrentada pelo CNJ nos próximos meses. “Na minha opinião, é possível [não marcar a audiência] excepcionalmente, mas só se não cabe o acordo no caso concreto. Quando nada impede, por que jogar fora essa primeira oportunidade de conciliar?”
O que diz o novo CPC
Segundo o art.334, a audiência de conciliação ou mediação é a regra e deve ser marcada pelo juiz.
Só não haverá audiência se:
- as duas partes forem expressamente contra;
- se o pedido do autor pode ser negado de início;
- o tipo de demanda não admite acordo, cabendo apenas ao Judiciário decidir sobre ela
Para Azevedo, “pode haver uma preocupação com o andamento correto do procedimento por parte do juiz”. “Como tem um terceiro que é um auxiliar da Justiça, alguns têm desconforto de quem vai ser o ‘rosto’ do Judiciário no seu processo. Mas acaba sendo um zelo um pouco mais que excessivo”, completa.
O que dizem os tribunais
Ricardo Pereira Júnior, juiz coordenador do Cejusc Central e membro do Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos do Tribunal de Justiça de São Paulo, reconhece que alguns centros não dispõem de estrutura física para atendimento da demanda, mas diz que essa “não é a regra”. Segundo ele, atualmente há 173 centros no estado e mais 25 postos avançados. O central possui mais de 600 conciliadores e mediadores cadastrados. Em todo o estado, são quase 4 mil.
Em Itaquaquecetuba, cidade onde uma das decisões foi publicada, Rosângela Garcia do Nascimento, responsável pelo Cejusc, afirma que desconhece o despacho, mas que o centro vem recebendo entre 45 a 50 processos por semana e atende totalmente a demanda. “Estamos atendendo, sim. Os juízes estão mandando. Temos 25 conciliadores há três anos e meio aqui. E podemos aumentar conforme a demanda”, afirma. Segundo ela, em breve o Cejusc será transferido, inclusive, para um prédio maior.Pereira diz também que foram cadastradas 20 câmaras privadas que podem atender os juízes e que muitos deles estão cedendo o próprio espaço na Vara para a realização das audiências prévias. Afirma ainda que o Fórum João Mendes, o maior da capital, deve destinar quase um andar para a atividade e que a instalação está em andamento.
O Tribunal de Justiça do Parana afirma, no que se refere às sentenças dos juízes, que não cabe ao tribunal influenciar as decisões. Diz, no entanto, que existe uma recomendação de se realizar uma tentativa de acordo pré-processual.
Segundo o juiz Fábio Ribeiro Brandão, auxiliar da 2ª Vice-Presidência do TJ-PR, as decisões "desde que devidamente fundamentadas, encontram-se na seara da independência funcional de cada juiz (princípio do livre convencimento motivado)". "Portanto, não há falar em correção ou incorreção, até o presente momento, na interpretação pela obrigatoriedade ou não da realização das citadas audiências, vez que quem sedimentará o entendimento será o próprio Poder Judiciário, no âmbito de sua jurisdição, por seus órgãos julgadores superiores."
Quem pode ser mediador?
Qualquer pessoa formada há 2 anos no ensino superior, capacitada em curso especializado em instituições reconhecidas pela Escola Nacional de Mediação e Conciliação do Ministério da Justiça ou pelo CNJ e cadastrada no tribunal onde vai atuar
Segundo o juiz, o Paraná conta com 33 Cejuscs instalados e mais 19 extensões em universidades/faculdades (total de 52 unidades de atendimento) e prevê instalar nas 45 comarcas de entrância intermediária e nas 87 de entrância inicial até o final de 2016.
Enquanto isso, o TJ lançou a campanha "Aqui tem Cejusc" e há recomendação aos magistrados que "utilizem força de trabalho de seus próprios gabinetes ou secretarias, que podem se submeter às capacitações ofertadas pelo TJ-PR (já foram capacitados mais de 500 servidores no estado) para a realização das audiências/sessões"
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