quarta-feira, 22 de julho de 2015

O cruel treinamento militar que deforma os policiais do Brasil Para especialistas, rotina de assédio moral e abusos se reflete nos desvios nas ruas A ‘tropa de elite’ é suspeita de ter papel no assassinato de Amarildo

Treinamento físico no CFAP do Rio de Janeiro.
“Bora, bora, você é um bicho. Você é um jumento, seu gordo!” O ex-soldado Darlan Menezes Abrantes imita a fala dos oficiais que o instruíam na academia quando ingressou na Polícia Militar do Ceará, em fevereiro de 2001. “Às vezes, era hora do almoço e os superiores ficavam no meu ouvido gritando que eu era um monstro, um parasita. Parecia que tava adestrando um cachorro. O soldado é treinado pra ter medo de oficial e só. O treinamento era só mexer com o emocional, era pro cara sair do quartel igual a um pitbull, doido pra morder as pessoas. Como é que eu vou servir a sociedade desse jeito? É ridículo. O policial tem que treinar o raciocínio rápido, a capacidade de tomar decisões. Hoje se treina um policial parece que está treinando um cachorro pra uma rinha de rua”, reflete.
Darlan lembra sem saudade dos sete meses passados no extinto Curso de Formação e Aperfeiçoamento de Praças da PM cearense. “Sempre que um professor faltava, éramos obrigados a fazer faxina em todo o quartel. E o pior: quem reclamava podia ficar preso o fim de semana todo. A hierarquia fica acima de tudo no militarismo. O treinamento era só aquela coisa da ordem unida, ficar o dia inteiro marchando debaixo do sol quente. Lá dentro é um sistema feudal, você tem os oficiais que podem tudo e os soldados que abaixam a cabeça e pronto, acabou. Você é treinado só pra ter medo de oficial, só isso. O soldado que vê o oficial, mesmo de folga, se treme de medo”, diz.
“Fiquei com essa fama no quartel”, afirma. “É uma lavagem cerebral. O militarismo é uma espécie de religião que cria fanáticos. Ordem unida, leis militares, os regimentos e tal, aqueles gritos de guerra. Essas coisinhas bestas que os policiais vão aprendendo, como arrumar direito a farda. Você pode ser preso se não tiver com um gorro ou chapéu na cabeça. Essas coisas que só atrapalham a vida dos policiais. Às vezes eu pegava um ônibus superlotado, chegava com a farda amassada e ficava sexta, sábado e domingo preso. Você imagina? Por causa de uma besteira dessas? Isso é ridículo”, exclama. “E isso é antes e depois do treinamento: se você for hoje na cavalaria da PM de Fortaleza você vai ver policial capinando, pegando bosta de cavalo, varrendo chão, lavando carro de coronel, abrindo porta para os semideuses. Eu nunca concordei com isso e fiquei com fama de preguiçoso”, diz.Enquanto era policial, Darlan estudava Teologia no Seminário Teológico Batista do Ceará e Filosofia na UECE (Universidade Estadual do Ceará). O ex-soldado conta que passou a questionar algumas ordens e instruções enquanto frequentava a academia e logo ganhou um apelido: “Mazela”, uma gíria mais comum no Nordeste do Brasil para uma pessoa mole, preguiçosa. Pouco a pouco se espalhava entre a tropa a ideia de que os questionamentos do “Mazela” eram fruto de uma pura preguiça com relação aos exercícios militares.
O assédio moral é a regra na formação do PM em cursos de curta duração que tem como preocupação principal imprimir a cultura militar no futuro soldado; com pouco aprendizado teórico em temas como direito penal, constitucional e direitos humanos; além da sujeição a regulamentos disciplinares rígidos. É o que constatou a pesquisa “Opinião dos Policiais Brasileiros sobre Reformas e Modernização da Segurança Pública” publicada em 2014 pelo Centro de Pesquisas Jurídicas Aplicadas (CPJA), da Escola de Direito da FGV de São Paulo, e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (Veja o infográfico abaixo). Foram ouvidos mais de 21 mil profissionais de segurança pública (entre policiais civis, militares, rodoviários federais, agentes da polícia científica, peritos criminais e bombeiros) de todas as unidades da federação, mais da metade deles policiais militares, sobretudo praças (policiais de patentes mais baixas). Destes, 82,7% afirmaram ter formação máxima de um ano antes de exercer a função, 38,8% afirmaram que já foram vítima de tortura física ou psicológica no treinamento ou fora dele e 64,4% disseram ter sido humilhados ou desrespeitados por superiores hierárquicos. 98,2% de todos os profissionais (incluindo profissionais de outras áreas) que responderam a pesquisa afirmaram que a formação e o treinamento deficientes são fatores muito importantes para entender a dificuldade do trabalho policial.
Apesar dos números alarmantes, o tema ainda é pouco discutido dentro das corporação e fora dela. Em vários estados, os regimentos internos das polícias militares proíbem expressamente que os policiais se manifestem a respeito da própria profissão. Eles também dizem ter pouco espaço para denunciar as violações sofridas por eles no dia a dia - a estrutura fechada e hierárquica do militarismo dá pouca brechas para denúncias ou críticas dos policiais com relação à própria formação, principalmente fora dos quartéis. Mesmo que essas denúncias se refiram ao descumprimento de direitos humanos primordiais

Lição de tortura

A institucionalização de violações de direitos humanos dentro da PM na formação e treinamentos dos seus integrantes reflete-se diretamente na maneira como reagem no cotidiano com a população. Um relato exemplar está no relatório final da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo, em que o sociólogo e ex-secretário de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, Luiz Eduardo Soares, afirmou em depoimento concedido no dia 28 de novembro de 2013: “O BOPE oferecia, até 2006, aulas de tortura, 2006! Aulas de tortura! Não estou me referindo, portanto, apenas às veleidades ideológicas (...), nós estamos falando de procedimentos institucionais”, afirmou.
Foi a essa realidade que o então recruta Rodrigo Nogueira Batista, egresso da Marinha, foi apresentado ao participar das Operações Verão nas Praias dois meses depois de ingressar na PM, descritas por ele como uma espécie de estágio que os recrutas fazem com policiais mais antigos nas praias nobres da capital fluminense - Ipanema, Copacabana, Barra da Tijuca, Botafogo, Recreio.
O ex-soldado da PM Rodrigo Nogueira, preso em Bangu 6 desde 2009. / BEL PEDROSA
“A minha turma partiu pro estágio com dois meses de CFAP, dois meses dentro do CFAP tendo meio expediente e depois rua. Lá fomos nós de cassetete, shortinho e camisa da Polícia Militar, isso pra população ver aquele monte de recruta passando para poder dar o que eles chamam de 'sensação de segurança pra população'”, relembra. “Eles colocam o policial antigo armado e dois ou três ‘bolas-de-ferro’, como eles chamam os recrutas, justamente por dificultar a movimentação do policial antigo. A gente chegava e o antigo ficava angustiado com a nossa presença porque queria pegar dinheiro do flanelinha, do cara que vende mate, da padaria e quando ele ia no português comer alguma coisa tinha que dividir com os “bolas-de-ferro”’, lembra. Na rua: “a barbárie imperava: pivete roubando, maconheiro… Tudo que tu imaginar. Quando caía na mão era só porrada, porrada, porrada, gás de pimenta, muito gás de pimenta. Foi ali que eu tive contato com as técnicas de tortura que a Polícia Militar procede aí em várias ocasiões”, afirma.
Você vê agora o caso do Amarildo", comenta. "Aqueles policiais que participaram do caso Amarildo, pelo menos de acordo com o que o inquérito está investigando, estão fazendo as mesmas práticas que eu já fazia, que o meu recrutamento já fazia, que outros fizeram bem antes de mim e que já vem de muitos anos. Vem de uma cultura”, analisa.
Entrevistamos Rodrigo em Bangu 6, o presídio destinado a ex-policiais, bombeiros, milicianos, agentes penitenciários dentro do complexo penitenciário carioca. Condenado a 30 anos de reclusão, somando-se as penas recebidas na esfera civil e militar, ele falou com a Pública numa salinha apertada dentro da penitenciária. Rodrigo é autor de Como Nascem os Monstros (Editora Topbooks), um catatau de mais de 600 páginas onde descreve o que considera o processo de "perversão" a que são submetidos os jovens na corporação e que o teria levado a ser condenado por crimes como tentativa de homicídio triplamente qualificado, furto, extorsão e atentado violento ao pudor (ele nega ter cometido os crimes pelos quais foi condenado, mas afirma que não é inocente e que já cometeu outras arbitrariedades quando PM).

"Morto por "suga"

Paulo Aparecido dos Santos. / REPRODUÇÃO JORNAL EXTRA
A ênfase excessiva na preparação física nos cursos de formação já resultou até em mortes. O caso mais recente talvez tenha sido o do ex-recruta da PM Paulo Aparecido dos Santos, de 27 anos, morto em novembro de 2013 após uma sessão de treinamentos no CFAP (Centro de Aperfeiçoamento de Praças da Polícia Militar) do Rio de Janeiro. Paulo morreu após uma “suga”, gíria dos policiais cariocas para as sessões de treinamentos físicos que levam os recrutas até o esgotamento físico.
Durante a sessão, segundo os relatos de outros recrutas ouvidos pelo repórter Rafael Soares do jornal Extra, quem não conseguia acompanhar o ritmo da sessão de treinamentos físicos era obrigado a sentar no asfalto quente - naquele dia fez mais de 40 graus no bairro de Sulacap, zona oeste do Rio, onde está localizado o CFAP - ou submetido a choques térmicos com água gelada.
No mesmo dia em que Paulo morreu, outros 32 alunos precisaram de atendimento médico - 18 com queimaduras nas nádegas ou nas mãos. Oito oficiais foram denunciados pelo Ministério Público pela morte de Paulo. O caso ainda tramita na Justiça Militar.
Em 2012, três batalhões de Curitiba foram denunciados por excessos relacionados à formação dos recrutas. O roteiro é o mesmo: verdadeiras sessões de tortura física e psicológica, castigos, punições rigorosas. Há até uma acusação de assédio sexual (segundo a denúncia, um cabo teria beijado uma recruta à força).
“Por exemplo, um pivete roubou uma coisa de um turista e correu. O policial corre atrás do pivete e pega o pivete. Quando ele consegue chegar no pivete, ele já jogou o que ele roubou fora, e ele é menor de idade, não pode ser encaminhado para a delegacia. Porra, mas o policial sabe que ele roubou. Aí entra o revanchismo, a hora da vingança. Primeiro lugarzinho separado que tiver (cabine, atrás de um prédio, dentro dos postos do guarda-vidas) é a hora da válvula de escape”, resume. E como é orientado o recruta antes de ir para rua? “Uma das instruções que os oficiais davam antes do efetivo sair pro policiamento era: ‘olha, vocês podem fazer o que vocês quiserem, pega o pivete, bate, quebra o cassetete, dá porrada no flanelinha. Só não deixa ninguém filmar e nem tirar foto. O resto é com a gente. Cuidado em quem vocês vão bater, cuidado com o que vocês vão fazer e tchau e benção’”, relata. "O camarada começa a ver um pivete levando choque, spray de pimenta no ânus, no escroto, dentro da boca e não sente pena nenhuma. Pelo contrário, ele ri, acha engraçado. E tem um motivo: se nesse momento que o mais antigo pegou o pivete e começa a fazer isso, se você ficar sentido, comovido por aquela prática, pode ter certeza que vai virar comédia no batalhão, vai ser tido como fraco. Vai ser tido como inapto para o serviço policial”, afirma.
Segundo ele, quem demonstra “fraqueza” ou “covardia” num momento como esse começa lentamente a ser destacado e afastado das funções de “linha de frente” da corporação. “Se você é duro, você vai trabalhar na patrulha, no GAT (Grupamento de Ações Táticas), na Patamo (Patrulhamento Tático Móvel)…Agora você que é mais sensato, que não vai se permitir determinadas coisas, não tem condições de você trabalhar nos serviços mais importantes. Não tem como o camarada sentar no GAT se não estiver disposto a matar ninguém. Não tem como. E não é matar só o cara que tá com a arma na mão ali, é matar alguém porque a guarnição chega a essa conclusão: ‘Não, aquele cara ali a gente tem que matar’. Aí é cerol mesmo”, garante.
Essa disposição pra matar na “linha de frente” relatada por Rodrigo se traduz em casos reais ocorridos com as PMs. Em um áudio revelado pelo repórter Luís Adorno, da Ponte, o 1º tenente da Rota - as Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar, tropa de elite da PM paulista - Guilherme Derrite afirma: “A polícia tá como sempre, né, querendo reduzir a letalidade policial. Então os tenentes, principalmente os oficiais, mas também cabos e soldados que nos últimos cinco anos se envolveram em três ocorrências ou mais que tenham resultado em evento morte do criminoso estão sendo movimentados. Até eu que estou fora da rua há dois anos me encaixo nessa lista. Porque pro camarada trabalhar cinco anos na rua e não ter ma… três ocorrências, na minha opinião, é vergonhoso né?”

Sim senhor, Não senhor

A cultura de violência nasce com a desumanização do próprio PM já na formação, relatam os entrevistados. “O soldado da polícia militar não tem direito nenhum. A gente tem que dormir em alojamentos sujos, caindo aos pedaços. Cada um tinha que trazer a sua rede pra dormir no alojamento. Os colegas casados que fizeram o treinamento passaram muita dificuldades porque passamos três meses sem receber salário. O soldado só tem direito de dizer sim senhor e não senhor e de marchar o tempo todo”, resume o ex-soldado Darlan Menezes Abrantes. “Como uma polícia antidemocrática vai cuidar de uma sociedade democrática?”, pergunta.
Darlan Menezes Abrantes.
Autor de um livro intituladoMilitarismo: um sistema arcaico de segurança pública (Editora Premius), Darlan foi expulso da polícia cearense em janeiro de 2014, após 13 anos de PM. O que causou a expulsão, segundo ele, foi o livro. “Eu fui pra algumas universidades aqui de Fortaleza distribuir o livro e fiquei do lado de fora da Academia, eu fui interrogado e eu fiquei impedido de trabalhar na rua”, conta.
No capítulo 11 do livro de Darlan, há algumas frases anônimas ditas por seus colegas a respeito da PM. “Os oficiais são uns sanguessugas”, diz uma das frases; “a PM é a polícia mais covarde que existe, pois só prende pobre”, afirma outra. “No meu interrogatório, eles queriam que eu dissesse o nome de cada policial que falou as frases, pra cada policial ser punido. A minha advogada alegou sigilo da fonte, igual vocês jornalistas têm. Em outra sessão, nessa época que eu tava respondendo o processo, eu tentei argumentar com um capitão. ‘Não, capitão, é meu direito escrever o livro’. Ele ironicamente pegou uma folha de papel em branco e jogou na minha frente, dizendo: ‘Aqui, os seus direitos’”, diz.
A PM cearense alegou que a expulsão se baseava em vários artigos do Código Disciplinar e do Código Penal Militar e que a conduta do ex-soldado iam de encontro ao pudor e decoro da classe. Em São Paulo e no Ceará, é proibido ao policial “publicar, divulgar ou contribuir para a divulgação irrestrita de fatos, documentos ou assuntos administrativos ou técnicos de natureza policial, militar ou judiciária que possam concorrer para o desprestígio da Corporação Militar”. Darlan denunciou sua expulsão ao Ministério Público do Ceará e entrou com uma ação de reintegração na Justiça ainda não julgada. Procurada pela Pública, a PM cearense não quis explicar o motivo da expulsão de Darlan nem comentar as declarações dele.

Regulamentos "obsoletos e antidemocráticos”

"Imagina um professor que não pode falar de educação ou um médico que não pode falar de saúde. Em muitos estados, o policial não pode falar de segurança pública”, afirma o sociólogo Ignacio Cano, do Laboratório de Análise da Violência da UERJ. Ele é autor de um estudo que analisou os "manuais de conduta" dos PMs com o objetivo de comparar os códigos e legislações disciplinares das corporações de segurança pública no Brasil.
“Os regulamentos disciplinares da PM são obsoletos, antidemocráticos, muitos deles pré-constitucionais", define o sociólogo. "Eles foram criados para garantir a hierarquia e a disciplina dentro da corporação e a imagem da corporação, não foram feitos para proteger nem a população e nem o policial”, afirma o professor. "A maior parte da formação na PM é para o policial aprender normas, tanto as leis quanto as normas internas da corporação, e correr pra cima e pra baixo pra ficar em forma. A educação física não é dada com um propósito de saúde do trabalho, ela também está nessa lógica da disciplina. O que alguns especialistas e membros da polícia dizem que, implicitamente, esses artigos abusivos foram derrubados com a Constituição. O fato é que o diploma legal continua vigente”, diz.
Segundo seu estudo, ao menos dez unidades da federação possuem regulamentos anteriores à Constituição, inspirados no Regulamento Disciplinar do Exército (RDE). Alguns Estados até adotam diretamente o RDE como regulamento nas polícias militares. Isso foi determinado à partir de um decreto da ditadura, o Decreto-Lei 667, de 2 de julho de 1969. O artigo 18 do decreto estabelece que: “As Polícias Militares serão regidas por Regulamento Disciplinar redigido à semelhança do Regulamento Disciplinar do Exército e adaptado às condições especiais de cada Corporação”.
“Nos regulamentos que nós analisamos, nós vimos casos extremos neste estudo, como regulamentos que estipulam que, se um policial em posição superior bater num policial de nível inferior para obrigar a cumprir uma ordem, então não tem problema, é uma coisa normal. Esse é um dos casos mais extremos”, afirma Ignacio Cano. Ele cita outros abusos, decorrentes do excesso de regulação. “Há todo um moralismo especial sobre o policial que regula até a vida privada dele. Ele não pode fazer coisas que a maioria dos mortais fazem: se embebedar, contar uma mentira, contrair dívidas. Ele pode ser punido por essas coisas. Isso cria uma visão de super-homem moral que não existe, isso sujeita os policiais a riscos permanentes de punição por condutas que a maioria dos brasileiros fazem”, explica.
Há vários exemplos dessa regulação da vida privada dos policiais. No Espírito Santo, segundo o regulamento, é proibido aos policiais “manter relacionamento íntimo não recomendável ou socialmente reprovável, com superiores, pares, subordinados ou civis”. No Amazonas, é vedado ao policial “falar, habitualmente, língua estrangeira, em estacionamento ou organização policial militar, exceto quando o cargo ocupado pelo policial militar o exigir”. Em nove Estados, constitui uma transgressão disciplinar o policial “contrair dívidas ou assumir compromissos superiores às suas possibilidades, comprometendo o bom nome da classe”.
A hierarquia é o valor supremo nos manuais das PMs. Os regulamentos disciplinares das polícias de Alagoas e Mato Grossoproíbem: “sentar-se a praça, em público, à mesa em que estiver oficial ou vice-versa, salvo em solenidades, festividades, ou reuniões sociais”. Em outros sete Estados, é uma transgressão disciplinar o policial que está sentado deixar de oferecer seu lugar a um superior. Só nove Estados classificam as transgressões tipificadas nas categorias comuns (Leve, Média, Grave e Gravíssima); nos demais fica a cargo do superior estipular a gravidade da transgressão.
“Os direitos humanos dos policiais são lesados frequentemente com esses regulamentos. E aí nós queremos que eles respeitem os direitos humanos dos cidadãos quando eles como seres humanos e trabalhadores não têm os seus direitos respeitados”, observa Cano. “Quando você trata o policial de uma forma autoritária e arbitrária, o que você está promovendo é que ele trate o cidadão da mesma forma. Ele tende a descontar no cidadão a repressão que ele sofre no quartel. Ele tende a ser autoritário, arbitrário, impositivo. Ele não tem diálogo no quartel, por que ele vai dar espaço pra isso com o cidadão? Ele tende a esperar do cidadão a mesma moral que a dele”, argumenta o sociólogo.
Os policiais mais estressados são os que mais usam a força:https://youtu.be/NxiX-xwomNk
Principal nome à frente do site Rede Democrática PM BM, o primeiro sargento da Polícia Militar do Distrito Federal Roner Gama é um exemplo da restrição da corporação à liberdade de expressão de seus integrantes. “Essa carga negativa da ditadura se reflete em procedimentos internos punitivos que existem ainda hoje. O policial, por exemplo, não pode manifestar na rede social sobre certos aspectos internos da corporação sob o risco de responder. Eu mesmo estou respondendo a diversos inquéritos e sindicâncias por me expressar ali naquele site. Hoje mesmo eu vou na Corregedoria responder por um comentário que alguém fez no site. É uma coisa chata, constrangedora. A PM é a única instituição do país em que o agente não pode questionar o seu superior. Um servidor público não pode questionar procedimentos internos? É algo fora do contexto que vivemos. É totalmente absurdo”, afirma.
Com mais de 20 anos de experiência dentro das academias de polícia brasileiras e latinoamericanas, a antropóloga e professora do Departamento de Segurança Pública da Universidade Federal Fluminense (UFF), Jacqueline Muniz, afirma: "No Brasil, nós temos uma lógica aristocrática pautada em privilégios que perverte o sentido da hierarquia e da disciplina. É um abuso de poder continuado, como acontece com regulamentos disciplinares caducos e inconstitucionais”, analisa.
“Os próprios policiais dizem nas ruas e nas minhas pesquisas que a motivação deles é a punição. Isso reflete ambientes de pouca cidadania, transparência, de poucos reconhecimentos dos direitos constitucionais de um dos principais atores da democracia. O policial é quem faz valer a Constituição na esquina, não é o Rex que late e abana o rabo. Ele não tem que cortar grama do superior hierárquico, virar motorista da esposa do coronel, servir cafezinho, ceder lugar na fila do cinema pro superior. Essa cultura faz com que o policial se sinta inseguro na rua justamente por uma insegurança institucional e um policial inseguro é pior do que um policial mal pago. Ele se vê o tempo todo com medo de ser punido. Os policiais sempre dizem: ‘se eu faço demais eu sou punido, se eu faço de menos eu sou punido, se eu não faço, eu sou punido’. Faltam parâmetros de aferição qualificada para o trabalho policial e isso ainda depende de nós instituirmos um processo formativo profissional pras polícias”, analisa.
“Polícia não se improvisa. Um policial experiente custa muito caro à sociedade, ele não pode ser substituído porque morreu ou porque se acidentou”, conclui a antropóloga.

‘Eu já cai no chão paraplégico’

Em 1989, Saul Humberto Martins, hoje beirando os 50 anos, sonhava em entrar na Polícia Militar do Distrito Federal. Ele diz que achava a profissão bonita, que via muitas coisas ruins nas ruas e achava que podia contribuir como policial. Saul entrou na corporação por concurso, tornou-se cabo da PM e trabalhou como policial por 18 anos até ser atingido por um tiro acidental durante uma instrução, em abril de 2008, que o fez ficar paraplégico.
Imagem do treinamento de abordagem que deixou Saul Humberto Martins paraplégico.
“Aquele dia estava tendo um curso de Radiopatrulhamento que tinha começado. Eu não fazia parte do curso, tava em outra área, mas me pediram pra dar um apoio. E eu fui”, relembra. No curso, voltado a policiais com mais de dez anos de polícia, Saul deveria simular que era um criminoso e, em várias situações, tentar tomar a arma das mãos de outro policial. Ele então tirou o colete balístico que usava para ter mais mobilidade e para representar o papel de “meliante”.
Antes do treinamento, todos os participantes eram orientados a descarregar suas armas. Porém, durante a instrução, um soldado participante do curso disse que estava com dor de cabeça e quis deixar o quartel para ir à farmácia. Ele saiu do local, carregou a arma e colocou na cintura e foi de viatura comprar remédio. Quando retornou, o soldado esqueceu da arma carregada. “Assim que ele chegou, um oficial entrou na parte de trás do carro e falou pro soldado: ‘vamo que agora é a vez de vocês fazerem a abordagem’. Eles entraram no local da instrução, que era um local fechado. Quando eles entraram, o oficial orientou: ‘aborda aquele pessoal lá’”, afirma. Na simulação, Saul foi orientado a reagir à abordagem. Quando ele reagiu, o soldado que tinha saído disparou a arma carregada.
“O tiro pegou na minha omoplata, perfurou o pulmão, a coluna e se alojou na minha medula. Eu já cai no chão paraplégico”, diz. Saul ficou um mês internado no Hospital Regional de Taguatinga. A corregedoria da PM do Distrito Federal condenou o oficial instrutor do curso e o soldado que disparou a arma a nove meses de prisão (convertidos em serviços comunitários), mas seguem na corporação. Saul, que hoje é pastor evangélico, ainda pleiteia sua indenização na Justiça.
“Quem tava dando a instrução no dia do meu acidente não era instrutor. Simplesmente porque ele era oficial ele tava lá dando a instrução, mas ele não tinha preparo pra dar aquela instrução. Depois do meu acidente houve vários outros casos. Teve um colega meu que não foi bem orientado numa instrução de tiro, ele disparou, a cápsula bateu no olho dele e ele saiu de lá cego. Teve outro que levou um tiro no joelho e teve que amputar a perna. Teve o caso do sargento Silva Barros que morreu lá no Guará, que recebeu um tiro dentro do Quarto Batalhão de Polícia Militar. Teve até um instrutor do Bope que morreu também.”, relembra. “Nós precisamos de instrutores mais bem preparados. Temos bons instrutores, mas o problema é que eles querem colocar os oficiais piás na instrução só porque são oficiais. Tem muito sargento bom de instrução que não pode virar instrutor, porque eles querem ter esse privilégio. Puramente pela hierarquia”, reflete.
Sobre o treinamento em si, Saul critica o foco excessivo nos treinamentos de ordem unida. “O cara fica dentro da academia e 50% do curso é pra aprender militarismo. Precisamos de um treinamento mais técnico e profissional. O policial tem que ter mais treinamento de tiro, pra ele saber atirar, não pra matar ninguém, mas pra saber atirar quando for necessário”, opina.
A Pública tentou contato com alguns dos policiais acidentados no Distrito Federal, mas eles se recusaram a falar. Em nota, a PMDF afirmou que “faz treinamentos constantes com o objetivo de cada vez mais aprimorar e atualizar o seu pessoal, e esses treinamentos são realizados com armamento de fogo para simular reais situações de perigo e ação dos policiais”. "Todas as medidas de cuidado são tomadas, mas infelizmente acidentes acontecem, não só aqui, mas em qualquer lugar do mundo, e além do mais, a PMDF tem um dos menores índices de acidentes que causem graves lesões ao até mesmo a morte de nossos policiais”, conclui a nota.

Cultura da ditadura

“Nosso sistema de segurança pública traz ainda muita coisa da época da ditadura, inclusive a formação”, afirma o cabo da PM de Santa Catarina Elisandro Lotin, presidente da Associação Nacional de Praças da Polícia Militar (Anaspra). "Nós já fizemos inúmeras denúncias. Recentemente, aqui em Santa Catarina tinha uma academia de polícia com 200 mulheres e elas foram obrigadas a ficar em posição de apoio e fazer flexões no asfalto quente às três horas da tarde, várias delas ficaram com queimaduras nas mãos. Aí você vai chegar nelas e dizer pra elas defenderem a sociedade?”, questiona.“Vanderlei Ribeiro, presidente da Associação de Praças da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro (Aspra) desde 2008, atribui o "amadorismo" da formação à "cultura" da PM. “Nós somos mal formados, mal preparados e induzidos a erro pela cultura militarista que existe nas polícias militares de todo o Brasil. A formação impõe desde o início um comportamento autoritário que vai se refletir na população. A cultura militar é perversa, ela não prepara o PM para compreender que ele tem um compromisso social com a sociedade. A escola de polícia não tem qualificação nenhuma e não prepara ninguém pra atuar na rua. A formação é agressiva, não respeita os direitos humanos, é arrogante, autoritária e o policial só sabe agir da mesma forma quando sai da academia”, avalia.
Para o sargento Leonel Lucas, membro da Brigada Militar do Rio Grande do Sul e presidente da Associação Beneficente Antônio Mendes Filho, entidade dos praças da Brigada gaúcha (Abamf), não só o treinamento dos praças precisa melhorar. “Infelizmente, nós temos ainda alguns capitães Nascimento dando instrução nos cursos de formação dos praças. É por isso que eu acho que a primeira coisa que tem que ser mudada é a formação acadêmica dos oficiais superiores, quando a gente mudar a cabeça de quem tá nos formando lá em cima e os oficiais superiores começarem a receber uma formação mais humanista, isso vai se refletir pra quem está nas patentes mais baixas.”

Academia não forma para direitos humanos

Autor de uma tese de mestrado em Direitos Humanos pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, o tenente-coronel Adilson Paes de Souza - 30 anos de serviço, hoje na reservar - analisou o peso da disciplina de Direitos Humanos no currículo da Academia de Polícia Militar do Barro Branco, escola de oficiais da PM paulista.
Segundo a dissertação de Adilson, só em 1994 a disciplina de Direitos Humanos apareceu no currículo do Barro Branco e, desde a sua inclusão, a disciplina nunca passou dos 2% do total de horas-aula oferecido nos cursos de formação. Em 2013, último ano coberto pela pesquisa de Adilson, a disciplina de Direitos Humanos representou só 1,4% do total de horas-aula do curso (90 horas aula em um total de mais de 6.000 horas de curso); hoje é ainda menor, foi reduzida para 41 horas-aula.
Adilson critica também o conteúdo geral dos cursos de formação. “Não é dada sequer uma pincelada do quadro social que nós vivemos de desigualdade, pobreza, exclusão. É nessa realidade que o policial vai trabalhar. Quando se fala da questão racial, o policial tem que entender o mecanismo histórico que produz a desigualdade racial até mesmo para que ele não reproduza de maneira inconsciente essas mesmas opressões no dia a dia. E essa é a queixa feita sobre a Polícia Militar na periferia: o viés extremamente racista”, exemplifica.
Para a antropóloga Jacqueline Muniz, da UFF, a partir do final dos anos 1980 algumas academias se abriram para outras áreas de forma positiva o que inspirou a criação da Rede Nacional de Altos Estudos em Segurança Pública (Renaesp), em 2003, que repassa recursos para cursos de especialização para as polícias em universidades de todo o país. "Qualificando os gestores e operadores de segurança pública e pesquisadores foi possível dar um salto de qualidade na elaboração de diagnósticos e iniciativas que subsidiassem políticas públicas”, destaca. Ela também considera importante a criação daMatriz Curricular do Ministério da Justiça (um documento de referência às polícias militares e civis brasileiras para a elaboração das grades curriculares de cada Estado), e a criação do Fundo Nacional de Segurança Pública, com recursos vinculados ao planejamento das atividades. “Antes do Fundo a tradição era só de compra de armamento, viatura e munição. Então o policial ganhava um armamento novo, mas desconhecia completamente o que é a logística policial e o diálogo entre os armamentos para fazer uso gradual, qualificado e comedido da força.”
Os avanços, porém, estão restritos a alguns Estados, observa Jaqueline Muniz. "Ainda não produzimos uma espécie de ‘esperanto’, de linguagem comum entre as polícias que favoreça a transparência, a profissionalização, a integração e o controle social sobre as práticas de ensino na polícia”, conclui.
A mudança não é fácil como experimentou na prática César Barreira, professor titular de Sociologia da Universidade Federal do Ceará e coordenador do Laboratório de Estudos da Violência (LEV). Em 2011 o sociólogo implantou a Academia Estadual de Segurança Pública do Ceará, com uma proposta de formação integrada de todos os profissionais de segurança pública - à exceção dos agentes penitenciários. “Eu avalio essa experiência como muito positiva. Houve uma mistura do ambiente policial com o acadêmico, a parte técnica era dada pelos especialistas em segurança pública e a parte humanística era ensinada por professores doutores”, exemplifica. Ele usa os verbos no passado porque um ano e três meses depois do início da experiência, ele foi exonerado pelo secretário de Segurança Pública e Defesa Social, coronel Francisco Bezerra. "Claramente essa minha proposta não foi muito bem recebida por todos. Os soldados, os policiais da Polícia Civil e a Polícia Forense receberam bem, parte dos oficiais da PM é que não receberam. Não sei se essas ideias vão continuar porque você sabe que um sociólogo à frente de uma academia de polícia é diferente de um tenente-coronel”, finaliza.
Outra tentativa é o Instituto Superior de Ciências Policiais (ISCP), uma instituição de ensino superior credenciada no MEC, criada pela Polícia Militar do Distrito Federal que oferece dois cursos de graduação (bacharelado em Ciências Policiais e tecnólogo em Segurança Pública) e cursos de pós-graduação lato sensu. “A ideia é oferecer um curso amplo para formar profissionais de gestão em segurança pública. Aqui no Brasil é o primeiro instituto desse tipo. No Chile, pra você ter uma ideia, existe um instituto semelhante desde 1939”, diz o coronel Sousa Lima, coordenador do Departamento de Educação da PMDF e reitor do ISCP. “Também temos uma pró-reitoria de pesquisa para fornecer apoio acadêmico à realidade do policial. Quem vai estudar qual o melhor equipamento pro policial não se aposentar com problemas na coluna? Quem vai estudar que arma o policial usa pra fazer menos dano? Quem vai estudar que munição ele vai estudar? A gente resolveu estudar a gente mesmo porque ninguém tá preocupado com a polícia”, alfineta.

Desmilitarizar é preciso?

Uma questão divide opiniões de policiais e especialistas em segurança pública: é possível oferecer uma formação mais humana e eficiente aos policiais militares sem mexer na natureza militar da PM? Em quase todas as entrevistas feitas para esta reportagem, o tema da desmilitarização das polícias apareceu reanimado pela PEC 51/2013,de autoria do senador Lindbergh Farias (PT-RJ).
A antropóloga Jacqueline Muniz acha que sim. “A estrutura militar em si não limita o efeito do processo formativo para os policiais, o que impede o policial aplicar o que ele aprendeu é o abuso de poder. Há polícias de inspiração militar, como a Gendarmarie, da França, os Carabineri, da Itália, e a Guarda Civil Espanhola que foram democratizadas, têm grau elevado de formação e os direitos e deveres dos policiais são garantidos como cidadãos plenos. E essas polícias são muito bem avaliadas por suas sociedades e têm, inclusive, baixo índice de violência, corrupção e violação”, afirma. O cabo Elisandro Lotin, presidente da Anaspra, vai na mesma linha. “Você pode ter uma polícia militar desde que a atuação dela na rua seja focada na dignidade da pessoa humana, cidadania, desde que desvincule de toda aquela lógica que o Exército ainda insiste em ter de controle das polícias militares: do armamento até a formação, o número de efetivo. A partir dessa desvinculação [do Exército], que não significa desmilitarização, nós podemos ter uma matriz nacional de atuação das polícias militares no Brasil focados em dignidade da pessoa humana, em direitos trabalhistas para os profissionais de segurança pública, códigos de ética e conduta adequados à democracia”, defende.
Já Vanderlei Ribeiro, presidente da associação de praças carioca, discorda. “A estrutura militarista é incompatível com o policiamento ostensivo. Militarismo é pro Exército. Primeiro você tem que mexer na estrutura pra depois você falar em alterar a formação. Não tem outro caminho. Você pode pegar o melhor especialista do país para dar aula para os policiais, só que o que ele vai fazer na rua vai ser diferente do que ele aprendeu lá porque a cultura enraizada não permite outro tipo de comportamento. Aqui no Rio de Janeiro teve vários convênios com ONGs, vários professores universitários foram dar aula lá nos cursos e não mudou em nada porque a questão toda é mi-li-tar. Não adianta o camarada ter aula de sociologia se ele vai chegar na rua e vai matar, se ele é treinado nesse conceito militarista”, avalia. “Não adianta você fazer aula de direitos humanos se a polícia é militar. Quando você vai pra rua o que predomina é a ideia militar, é a lógica militar”, opina o ex-soldado Darlan Menezes Abrantes.
“Nas entrevistas com os policiais para a minha dissertação, uma fala me chamou a atenção. Eles diziam: ‘Nós entramos em serviço e ao entrar em serviço nós entramos em território inimigo. No território inimigo, eu mato ou eu morro. Não me peça para interceder pela vida do inimigo.’ Estudando depois sobre essa fala, eu fui estudar a Doutrina de Segurança Nacional e ela necessita de um inimigo para se fazer presente. Na ditadura, o inimigo era quem? Quem contestava a ditadura. Terminou a redemocratização e essa ideia persiste, hoje o inimigo é quem enfrenta a polícia, quem pratica um delito ou quem vive em determinadas áreas. O discurso de muitas autoridades é o discurso da guerra, de retomar o território do inimigo, de ocupar o morro e devolver para o Estado. É o discurso da Doutrina de Segurança Nacional. Na ponta da linha, o recado chega assim: ‘Lá tem um inimigo, então o aniquile’. Talvez isso explique a letalidade da polícia”, conclui o tenente-coronel Adilson Paes de Souza.
“Quando você vê um soldado policiando, algo já está errado. Ou o camarada é soldado, ou policial. O soldado tem uma premissa que é o quê? Matar o inimigo. Isso aí é o principal. O soldado é formado para eliminar o inimigo e o policial não, pelo menos não deveria”, afirma o ex-soldado da PM Rodrigo Nogueira Batista. “Essa confusão de atribuições entre soldado e policial, elas não se resolvem de maneira fácil. As coisas continuam acontecendo aos olhos de todo mundo e ninguém faz nada. Por exemplo, aquele pessoal que tava voltando de uma festa dentro do HB20 branco e que foram perseguidos por uma patrulha. Não teve um estalinho, uma bombinha, nada que viesse do HB20 pra patrulha e o cara deu 15 tiros de fuzil no carro. Isso só pode acontecer na cabeça de um soldado, na cabeça de um policial não aconteceria nunca. Um policial iria correr atrás, cercar. Mas ele não ia dar tiro em quem não tá dando tiro nele. Só na cabeça do soldado, que acha que tá na guerra e acha que se não atirar primeiro vai levar tiro. O cara foi lá, deu a sirene e o carro acelerou pra fugir da polícia. ‘Ah, é bandido, vou dar tiro’. Podia ser alguém bêbado, podia estar todo mundo fazendo uma suruba dentro do carro, podia ter uma cachaça no carro e o cara estar com medo de ser pego, o cara podia não ter habilitação, o cara podia ser surdo… São milhões de coisas, mas o cara não para pra analisar essas coisas porque ele não foi condicionado pra pensar, a contextualizar o tipo de serviço que ele tá fazendo. Ele foi treinado pra quê? Acelerou, correu, bala!”, analisa o ex-PM, hoje na prisão.

Chile prende sete militares por morte de fotógrafo na ditadura


Grupo de fotógrafos homanegeia Rodrigo Rojas Denegri, queimado vivo durante a ditadura chilena, em Santiago, em 23 de agosto de 2003
Um juiz chileno decretou nesta terça-feira a prisão de sete militares reformados do Exército por seu envolvimento no assassinato de um fotógrafo em 1986, durante uma manifestação contra a ditadura do general Augusto Pinochet (1973-1990).
"O juiz Mario Carroza decretou a prisão de sete oficiais e suboficiais reformados do Exército pela morte do fotógrafo Rodrigo Rojas Denegri, em 2 de julho de 1986", disse um funcionário do Poder Judiciário à AFP.
As ordens de prisão envolvem os militares Luis Zúñiga, Francisco Vásquez, Sergio Hernández, Julio Castañen, Iván Figueroa, Nélson Medina e Jorge Astengo, e quatro dos sete já estão detidos.
Rojas Denegri morreu aos 19 anos, durante um protesto contra o regime de Pinochet em Santiago, após ser detido por uma patrulha militar quando fotografava ao lado da estudante Carmen Quintana, 18.
Os militares bateram, jogaram gasolina e atearam fogo aos jovens. Denegri morreu quatro dias depois, enquanto a estudante sobreviveu, apesar de ter 62% do corpo queimado, após ser tratada no Canadá.
O caso ficou conhecido internacionalmente devido à crueldade dos militares e os dois jovens se transformaram em um símbolo dos direitos humanos e da luta contra a ditadura.
A Corte Suprema do Chile condenou em 1993 o oficial Pedro Fernández, chefe da patrulha, a 600 dias de prisão pela morte do fotógrafo. No ano 2000, um tribunal impôs ao militar uma indenização de 500 mil dólares em favor de Carmen Quintana.
A ditadura de Pinochet deixou 3.200 mortos e mais de 38 mil detidos e torturados, segundo números oficias.

Extremistas islâmicos ensinam crianças a serem soldados na jihad

Foto: YouTube

Fundação Ajuda à Igreja que Sofre tem informações de que milhares de crianças, entre os nove e os 15 anos, recebem treino militar no Uganda e no Congo.

Centenas de crianças estão a ser recrutadas pelos grupos jihadistas para receberem treino militar no Uganda e na República Democrática do Congo, denuncia a Fundação Ajuda à Igreja que Sofre (AIS). 

Citando fontes que "não podem ser identificadas por questões de segurança", a fundação dependente da Santa Sé diz que há cerca 1.500 crianças nestes campos, a maioria provenientes da República Democrática do Congo. 

"Estas crianças, muito pobres, estão a ser conduzidas para estes campos de treino militar onde 'são brutalizadas e doutrinadas' pelas milícias islâmicas", refere a AIS em comunicado. 

A fundação acrescenta que existirão pelo menos "três acampamentos nas montanhas Ruwenzori, situadas entre o Uganda e a República Democrática do Congo, onde foram avistados rapazes, alguns com apenas nove anos de idade, fazendo exercícios militares debaixo da vigilância de homens armados". 

A AIS refere ainda que há relatos sobre a existência, nestes campos, de "jovens raparigas, vestidas com burkas e que estariam alegadamente a ser preparadas para casarem com combatentes islâmicos". 

Maria Lozano, vice-directora de comunicação internacional da Ajuda à Igreja que Sofre, refere que "estes campos de treino militar envolvem rapazes de idades compreendidas entre os 9 e os 15 anos de idade, tendo afirmado tratar-se de algo muito perturbador". 

"Algumas destas crianças são órfãs, mas outros deixaram as suas famílias depois de terem sido enganadas pelos recrutadores que as aliciaram com a possibilidade de estudarem no Médio Oriente, na Europa ou no Canadá", acrescenta Lozano. 

A AIS recebeu a informação de que "as meninas estão a ser forçadas a casar e que serão tratadas como escravas sexuais".

Presidente da Toshiba se demite por falsificar resultados do grupo Relatório detectou irregularidades contábeis de 151,8 bilhões de ienes (1,1 bilhão de euros)

Tóquio, Japão - O presidente do conglomerado japonês Toshiba, Hisao Tanaka, pediu demissão nesta terça-feira (21/7) por irregularidades na apresentação da contabilidade do grupo. Dois antecessores, Norio Sasaki, atualmente vice-presidente do conselho de administração, e Atsutoshi Nishida, conselheiro especial, também deixaram seus cargos pelo mesmo motivo, assim como outros cinco membros do conselho de administração.

Kazuhiro Nogi/AFP


"Pedimos desculpas aos acionistas e aos investidores pelas irregularidades contábeis de 151,8 bilhões de ienes [1,1 bilhão de euros] dos anos 2008/2009 até 2013/2014 detectadas em um relatório de um comitê de especialistas independentes", afirmou a Toshiba em um comunicado publicado meia hora depois do fechamento da bolsa de Tóquio.

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A companhia também pediu desculpas por não ter apresentado ainda as contas do período 2014/2015. "Levando em conta tudo isso, o presidente, o vice-presidente do conselho de administração e outros cinco administradores apresentaram nesta terça-feira sua demissão, assim como o senhor Nishida, conselheiro especial", explicou a companhia.

Estas demissões implicam a metade do conselho de administração, presidido por Masashi Muromachi, que assumirá temporariamente a direção do grupo até a nomeação de um novo presidente. A Toshiba tem de apresentar em setembro suas contas 2014/2015 ante uma assembleia geral extraordinária de acionistas, que terá também de aprovar a nomeação do novo presidente.

Supremo informa que Dilma vetou reajuste para servidores do Judiciário Congresso aprovou aumento de 53% a 78,5%, de acordo com o cargo. Categoria diz que não tem reajuste há 8 anos e que percentual repõe perda.

A assessoria do Supremo Tribunal Federal (STF) informou na noite desta terça-feira (21) que a presidente Dilma Rousseff decidiu vetar o reajuste aprovado pelo Congresso Nacional para os servidores do Judiciário. O veto ao projeto deverá ser publicado na edição desta quarta-feira (22) do “Diário Oficial da União”.
Até a última atualização desta reportagem, a informação não tinha sido confirmada pelo governo, mas no último dia 1º o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, havia adiantado que o reajuste era "incompatível" e a tendência era que fosse vetado. No mesmo dia, a presidente classificou a proposta de reajuste de "insustentável".  
A assessoria do Ministério do Planejamento, não confirmou o veto, mas informou que o governo avalia conceder aos servidores do Judiciário reajuste de 21,3% a ser pago pelos próximos quatro anos, assim como oferecido aos servidores do Executivo. Conforme a assessoria, as negociações com a categoria continuarão nos próximos dias.De acordo com a assessoria do STF, o secretário-executivo do Ministério do Planejamento, Dyogo Henrique de Oliveira, telefonou para o Supremo e informou sobre o veto ao diretor-geral do STF, Amarildo Vieira.
Confirmada decisão da presidente, caberá ao Congresso Nacional decidir, em sessão  conjunta de deputados e senadores, se mantém ou se derruba o veto.
Em 30 de junho, o Senado aprovou reajuste que varia de 53% a 78,5%, de acordo com o cargo, a ser pago em seis parcelas até 2017. O governo se posicionou contra o projeto porque, segundo o Ministério do Planejamento, os percentuais representariam aumento de R$ 25,7 bilhões nos gastos nos próximos quatro anos. O impacto será de R$ 1,5 bilhão, em 2015; em R$ 5,3 bilhões, em 2016; R$ 8,4 bilhões, em 2017; e R$ 10,5 bilhões, em 2018.
Desde que o Congresso aprovou o reajuste, os servidores do Judiciário fizeram protestos (veja o desta terça no vídeo ao lado) em frente ao Palácio do Planalto com o objetivo de pressionar a presidente Dilma a não vetar o aumento. A categoria diz que o último reajuste ocorreu em 2006 e que o percentual médio de 59% repõe a inflação acumulada no período.
Lewandowski não comenta
Por meio da assessoria do STF, o presidente do tribunal, ministro Ricardo Lewandowski, informou que aguardará a apreciação do veto da presidente da República pelo Congresso Nacional.

Durante a negociação, o Supremo chegou a propor veto parcial, para suprimir as primeiras parcelas do reajuste médio de 59%, mas a hipótese já havia sido descartada.
O governo propôs ao Judiciário aumento de 21,3% que já propôs aos servidores do Executivo, escalonado entre 2016 e 2019. Os servidores do Judiciário, no entanto, não aceitam a proposta e querem uma nova negociação.

O Supremo deve voltar à mesa de negociações depois da publicação do veto. No STF, não há expectativa de que o Congresso derrube o veto, uma vez que dirigentes do tribunal avaliam que a aprovação foi somente para desgastar Dilma.

Governo cortará meta de superávit mediante impacto da desaceleração

Por Alonso Soto
BRASÍLIA (Reuters) - O governo federal vai reduzir a meta de superávit primário para 2015 diante da queda na receita tributária, mas planeja anunciar novos cortes no Orçamento para mostrar compromisso com a austeridade, disseram à Reuters duas autoridades familiarizadas com a decisão nesta quarta-feira.
A redução da meta de superávit primário de 66,3 bilhões de reais, o equivalente a 1,1 por cento do Produto Interno Bruto (PIB), será anunciada nesta quarta-feira, segundo as autoridades.
O corte da meta mostra o quanto será difícil para o governo da presidente Dilma Rousseff fortalecer as finanças do país depois de anos de excessos e em meio a uma dolorosa desaceleração econômica.

Tesoureiro da Conmebol é preso na Bolívia


O presidente da Federação Boliviana de Futebol (FBF), Carlos Chávez, em entrevista coletiva, em 27 de junho de 2007, em San Cristóbal
A justiça da Bolívia ordenou nesta terça-feira a prisão preventiva do tesoureiro da Conmebol e presidente da Federação Boliviana de Futebol (FBF), Carlos Chávez, detido na sexta-feira por suposta corrupção, informou a Procuradoria Geral do país.
O procurador geral, Ramiro Gerrero, informou em comunicado enviado à AFP que recomendou à justiça boliviana que "determine a prisão preventiva (...) na prisão de Palmasola, em Santa Cruz", uma das prisões mais perigosas do país.
O juiz Roberto Valdivieso também determinou a prisão domiciliar do secretário executivo da FBF, Alberto Lozada, braço direito de Chávez.
Chávez foi preso inicialmente na sexta-feira a pedido da Procuradoria Geral e, nesta terça-feira, numa audiência cautelar, o juiz Roberto Valdivieso determinou que seja mandado à prisão de Palmasola.
Em conversas com jornalistas da cidade de Sucre, onde aconteceu a audiência, Chávez afirmou que o processo "não tem pé nem cabeça" e que "não foi provado absolutamente nada".
Seu advogado, Jaime Tapia, afirmou que apelará da decisão judicial e pedirá que o cliente responda ao processo em liberdade.
Depois de recolher testemunhos de cerca de 40 pessoas, a procuradoria decidiu acusar Chávez e Lozada de corrupção. Em especial, a justiça investigou um suposto desvio de dinheiro na renda de uma partida entre Bolívia e Brasil, em 2013.
A princípio, a renda desta partida seria doada à família de Kevin Beltrán, jovem que morreu ao ser atingido na cabeça por um sinalizador num jogo contra o Corinthians, em 2013.