segunda-feira, 21 de maio de 2012

Há milhões de anos o Homem primitivo já dividia seu território com os cães selvagens. Naquela época os cães permaneciam à frente da caverna, pela oferta de carne fresca, caçada pelos homens. Essa relação, possibilitava ao ser humano uma segurança territorial contra qualquer invasor. Hoje, a relação entre Homem e animal já adiciona outras necessidades psicológicas, além da segurança. Nestas últimas décadas os animais começaram a ser investigados quanto a sua sensibilidade, percepção, emoção e inteligência. Estes estudos permitiram a alguns cientistas concluir que o animal é muito mais que uma máquina movida a instinto. No Brasil, a psicóloga Nise da Silveira foi uma das pioneiras a introduzir o animal como co-terapeuta no tratamento de doentes mentais. É neste contexto, de procura da significação do animal de estimação, enquanto possibilidade de um desenvolvimento mais saudável, que se apoia a justificativa desta pesquisa.

Partindo-se do pressuposto que os seres humanos desenvolvem vínculos afetivos não apenas com outros seres humanos, mas também com os animais, decidiu-se investigar qual o significado do animal de estimação na família e mais especificamente: os motivos da adoção do animal, a relação do animal com a família, qual o tipo de vínculo que o animal estabelece com cada membro da família e como a "perda" do animal, pode compor o processo de luto na família.

Por animal de estimação, entendemos todo animal que está presente no cotidiano do homem, sem que a ele lhe forneça, obrigatoriamente, algum benefício produtivo. O animal de estimação caracteriza-se para nós como mais um componente da dinâmica familiar; um "indivíduo" que apesar da inferioridade biológica participa, de alguma forma, da vida emocional de pelo menos um dos integrantes da família.

Entendendo por família "... um sistema ativo em constante transformação, ou seja, um organismo complexo que se altera com o passar do tempo para assegurar a continuidade e o crescimento psicossocial de seus membros componentes." (Andolfi, 1984, p.18) e considerando que a família constrói sua realidade a partir da história compartilhada por seus membros e assim, segundo Cerveny (1994) "... cada membro do sistema influencia os outros sendo ao mesmo tempo influenciado. ..." (p.26), veremos de fato o quanto o animal de estimação atua na família, exigindo dela um significado próprio.

Ao estudar o significado do animal de estimação na família, buscamos saber, quais os valores, as interpretações e as opiniões que a família tem em relação ao animal. Significar, neste sentido, sugere a maneira subjetiva de como o indivíduo e a família como um todo, pensa o animal de estimação.

Grande parte do material teórico que trata sobre a relação entre Homem e animal, ainda surge como um sinal de protesto ao pensamento positivista, onde nesse contexto o animal é simples símbolo do passado instintivo do homem, uma "coisa inferior", que só serve para ser usado em experiências ou finalidades específicas de adestramento. Assim, grande parte dos autores que escrevem sobre a relação afetiva entre Homens e animais ainda são acusados de praticar antropomorfismo e por isso antes de dirigirmo-nos ao foco principal que seria a família, temos que compreender qual a "visão de animal" (em vez de visão de Homem) que estes cientistas mais ousados, têm, quando falam do animal afetivo e emocional.

Fora dos âmbitos científicos, é comum se falar dos pensamentos e sentimentos de animais domésticos, selvagens e cativos. Apesar das barreiras da linguagem, os seres humanos provavelmente compartilham com os animais a grande maioria dos sentimentos de que são capazes. Uma das autoras que defendem essa opinião, é Prada (1997) que em seu livro "A alma dos animais" usa de argumentos com base na fisiologia cerebral para comprovar a existência de emoção no comportamento animal. Segundo ela, a estrutura neurológica responsável pela manifestação do comportamento emocional (sistema límbico e área pré-frontal), está presente em todas as espécies.

Contudo, a tarefa de levantar dados que comprovem empiricamente manifestações emocionais e sentimentais dos animais ainda está longe de ser aceita pelos meios mais convencionais, mas muitas investidas a estes estados psíquicos já permitem classificar prováveis hipóteses, distinguindo no animal a presença de alegria, tristeza, medo, ciúme, vergonha e ódio. Alguns pesquisadores ainda afirmam que os animais podem conter emoções exclusivas de difícil entendimento por parte de nós humanos. Até mesmo a depressão, considerada como impotência no agir e o zoomorfismo, considerado uma espécie de projeção, já foram comprovadas em experiências de laboratório.

Sentimentos de alegria e mesmo de tristeza, podem transformar as várias expectativas que o ser humano tem durante seu desenvolvimento. A morte de um animal de estimação, por exemplo, representa, na grande maioria das vezes, a oportunidade da criança ou mesmo adulto vivenciar a finitude de seu ser e assim compreender melhor as emoções que emergem deste fenômeno. O luto por uma morte ou separação poderá até seguir um curso atípico, se o tipo de vínculo instalado for por demais ansiógeno a qualquer um dos integrantes.

O biólogo de campo Schaller (Apud Masson, 1997) escreve que "um amoroso dono de cão pode lhe dizer mais a respeito da consciência animal do que alguns cientistas que estudam comportamento em laboratório". (p.29). Segundo o autor somos também animais domesticados; domesticados por nossa moral e nosso senso de responsabilidade. Dizer que isto é prejudicial seria contestar todo processo evolutivo, mas dizer que isto agrava em essência nossa condição animal, é por certo dizer que até hoje negamos a resolução afetiva de nossas relações, pois impomos a nós mesmos uma estrutura baseada na racionalização onde o frenesi emocional, tão presente nos animais, é brutalmente massacrado pela nossa forma de viver. Adotar um animal de estimação pode em alguns casos justificar o próprio "sufoco" que algumas pessoas sentem em relação ao mundo que estão vivendo; o animal nestes termos, representa um retorno as origens, um retorno aquilo que foi deliberadamente esquecido pelo projeto da sociedade moderna: a emoção, a afetividade o vínculo sentimental com a natureza.

Tendo, portanto, como ponto de partida, que o animal detém um canal de comunicação afetiva com o ser humano, resta saber com que intensidade e qualidade este caminho é traçado pelas famílias que adotam um animal de estimação. E ainda que existam distinções evolutivas entre os animais adotados (mamíferos, peixes, répteis, aves...) parece ser intrínseca e indistinguível a relação afetiva que o dono tem para com seu animal. O instinto selvagem de algumas espécies, ditas exóticas, podem compor uma relação mais unilateral do que bilateral (mais de homem para animal do que de animal para homem) no que diz respeito ao vínculo afetivo, mas de qualquer forma é impossível dizer que qualquer pessoa que adote um animal não direcione a ele algum tipo de significado (minimamente afetivo).

Observar e compartilhar a alegria dos animais é um dos grandes prazeres que as pessoas têm com os animais. Até mesmo, Freud, o criador da Psicanálise, lança elogios a relação Homem-animal, dizendo que ela é mais agradável e autentica que as relações entre os seres humanos. Também continua, em outra oportunidade, relatando o quanto o Homem se afastou desta relação, por temer seu lado instintivo.

Os importantes esclarecimentos de Freud, permitem delimitar de maneira ampla, o quanto, já naquela época, procurava-se investigar esta singular relação.

Nos últimos dez anos, a convicção de que a companhia de animais é benéfica para o homem, adquiriu fundamento científico e é com base em um trabalho pioneiro, realizado nesta área, pela doutora Fuchs (1987), que pretendemos a partir de agora, caracterizar as particularidades desta singular afetividade entre homens e animais.

Fuchs (1987) desenvolveu uma pesquisa (até onde conhecemos, pioneira) que tratava de levantar dados a respeito da interação entre o homem e o animal doméstico. Estes dados, podem, na necessidade desta pesquisa, pode ser observados da seguinte forma:

  • Existência de um animal biológico e um animal psicológico
  • Critérios singulares da relação afetiva homem-animal
  • Benefícios da interação homem-animal

Em conclusão à sua pesquisa, Fuchs (1987) determina a existência de um animal biológico, que seria aquele com que o dono se relaciona de maneira prática, alimentando-o, dando-lhe banho, levando-o ao veterinário, exigindo resultados de adestramento, enfim tomando o animal pelos seu processos fisiológicos e de condicionamento; e um animal psicológico, que seria toda a imagem que o dono faz de seu animal, a partir, ou não, de gestos, posturas e comportamentos personalizados deste.

Na relação entre homens e animais um fator preponderante, que se observa na maioria das vezes, é a condição de superioridade e de posse que o homem tem sobre o animal. Fuchs (1987) chama a atenção para a relação de poder, onde cabe ao animal a posição de dependência. Este é um tópico de difícil contestação pois a todo momento o "tutor" do animal designa-se responsável pelos tratos fisiológicos e portanto seu dono vitalício. Aparentemente a relação de posse, parece acomodar o narcisismo primário do homem, mas mesmo estas conclusões podem ser rebatidas se levarmos em conta o ponto de vista dos animais que oportunamente abandonam seus donos (ainda que reconheçam sua fonte de subsistência) ou, na fala de Fuchs em resposta a um programa de televisão: "os animais machos que em companhia de suas ‘donas’ tornam-se muito mais controladores do que controlados". O conceito restrito de "dono" evidencia muito mais uma condição psíquica do homem para o animal do que verdadeiramente uma condição representada na relação.

Outros critérios que também singularizam a relação entre os homens e os animais tem origem na participação especial que o animais divulgam ao compartilhar com o homem uma troca de afetos, isto é , são os animais, com seus elementos emocionais "puros" que dignificam ao homem uma visão mais clara do viver emocional. Basicamente, segundo Fuchs (1987), os animais são acolhidos pelos seres humanos porque; o relacionamento com animal e mais fácil do que com outro ser humano, o animal está sempre disponível , o animal é tolerante e expressa uma amizade incondicional, o animal supre a carência de afeto da pessoa desinteressadamente e o animal é acrítico, enfim o animal é fonte segura e previsível de afetos.

A descrição destes benefícios pode parecer ampla, mas outras pesquisas também mostram que os animais podem ser "usados" para recuperar a esperança do ser humano em viver se por exemplo utilizado em dinâmicas dentro de um hospital.. Projetos no mundo inteiro mostram que a companhia do animal favorece crianças deficientes mentais, pois estimulam o desenvolvimento afetivo, desencadeando outras melhoras.

A ausência da racionalidade parece não abater em nada a importância dos animais para com os seres humanos, haja visto que a peculiaridade afetiva do animal está, a todo momento, sendo valorizada, por alguns cientistas (aqui declarados) e por grande parte das pessoas que convivem com ele. Compreender o animal na relação com ser humano é entender não só o animal, mas também, aspectos particulares que emergem do Homem a partir desta relação singular.

MÉTODO

A pesquisa teve como objetivo caraterizar a relação que a família tem com o animal de estimação. Foi utilizado como instrumento o formulário. O roteiro foi construído com base nos diversos relatos que acompanharam a leitura do material teórico.

Foram investigadas um total de 24 famílias, residentes nas cidades de Campos do Jordão, Taubaté e São José dos Campos.

A característica básica que orientou a seleção dos participantes foi a presença de algum animal de estimação na família. Não se considerou como critério de seleção da amostra, o número de animais ou o número de integrantes na família, portanto, participaram da pesquisa casais sem filhos e casais com filhos, com número variado de animais. As famílias foram contatadas segundo a acessibilidade do entrevistador, e a disponibilidade do entrevistado. Neste sentido grande parte das respostas foram dadas por um membro da família, ainda que houvessem outros presentes. O comportamento dos outros, certamente era levado em consideração em atitudes como interesse ou desinteresse, mas fica destacado sempre aquele que responde as perguntas. As características desta amostra, foram se modelando no decorrer da pesquisa, como veremos nos resultados e na discussão.

Com os formulários aplicados, foram criadas categorias de respostas relativas aos seguintes temas: tipo de animal, tempo de aquisição, processo de adoção, papel e relacionamento do animal na família, perdas e ganhos com o animal de estimação e processo de luto frente a perda do animal.

A análise integral das respostas possibilitou que os objetivos fossem atingidos, mediante um estudo sobre o que era geral e o que era específico, na dinâmica das famílias pesquisadas.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Caracterização da amostra

Participaram da pesquisa , 24 famílias que invariavelmente possuíam, pelo menos, um animal de estimação. Embora tivéssemos trabalhado com um número pequeno de famílias isso não nos impediu de construir graficamente os resultados que guiaram nossa discussão. Assim o sentido que determinamos como maioria não tem o valor estatístico devido, mesmo porque não era este o objetivo da pesquisa, mas identifica na amostra a recorrência de uma determinada forma de relação para como o animal e por isso mereceu destaque. Tendo em vista que a amostra foi composta por acessibilidade, esta ficou caracterizada da seguinte forma:

  • Idade- mínima: 20 anos, máxima: 63 anos, média:
  • 32 anos;
  • Sexo- feminino: 15, masculino: 9;
  • Escolaridade- maioria (18) cursou ou esta cursando 3o grau;
  • Parentesco: maioria mãe (9) e pai (6); seguida de esposa(3) e filha(3)
  • Profissão- variada, desde estudante até empresário;
  • Tipo de animal- grande maioria cachorro (diferentes raças);
  • Idade do animal- mínimo: 1 mês, máximo: 10 anos, média: 3 anos;
  • Tempo de convívio: grande parte esta com o animal desde que ele nasceu, ou iniciou convívio após no máximo 2 anos;
  • Como foi adquirido o animal: maioria comprou ou ganhou.

Ao analisar cada um desses fatores, destacamos aqueles que consideramos mais relevantes, com base no critério de repetição dos casos. Isso surgiu como um "pré-resultado" da amostra que estávamos analisando.

Com relação ao sexo, por exemplo, o que surge como evidência de análise é a consideração afetiva indistinta que os gêneros prestam ao animal. Ambos expressam carinho, amizade e alegria para com o animal de estimação. Esta consideração afetiva, se excessiva para com o animal, pode, inclusive, compor um "triângulo amoroso" onde alguém sente-se traído(a) porque seu companheiro(a) dispensa mais carinho ao animal que a ele(a). Este fato foi observado com destaque em casais sem filhos, mas também foi verificado em famílias com filhos. Neste último o ciúme pode atingir até a família extensa:

"... devo reconhecer que me preocupo mais com eles do que com meu marido ..." (entrevistado 12)

Relacionando o papel familiar de cada membro, vemos que o maior número de respondentes eram mães, pais e esposas. Neste contexto pode-se afirmar que para as mães e os pais, falar do animal era estar falando de "alguém" que compartilha de toda rotina familiar e, portanto, pode ser considerado membro vitalício da família:

"... por favor eu gostaria que não chamasse de cachorra e sim de filhinha, ... é como eu a chamo ..." (entrevistado 14)

Já as esposas, sentiam o animal de estimação como primeiro filho, inclusive algumas delas se reportaram à adoção do animal justamente como um treino para a vinda de um filho.

O tipo de animal que mais se possuía era o cachorro. Quando interrogados pelo motivo da escolha todos responderam de forma superficial. Mesmo sendo a primeira adoção, a escolha era por um cachorro. Essa causa parece ter origem na maior disponibilidade deste animal para adoção e também na imagem de "melhor amigo do homem" construída socialmente.

Sobre a idade do animal e o tempo de convívio, grande parte dos entrevistados adotava o animal logo após seu nascimento, mas isto parece não distinguir o grau de afetividade da família para o animal. Grande parte dos animais é tratada como uma eterna criança, ou no caso de animais de grande porte (cavalo) como um grande e leal companheiro.

Ao responder sobre a adoção do animal, isto é, como foi adquirido, constatamos que grande parte dos entrevistados, ou compraram o animal, ou ganharam de alguém (presente, herança...). O ato de comprar o animal permite dizer que existia um desejo da família (ou de alguém da família) em adquirir um animal de estimação, ou seja o assunto da adoção foi provavelmente debatido. Quando falamos que outra grande parte dos entrevistados ganhou o animal, falamos de um animal que é dado de presente para a família, portanto esse animal também foi escolhido por alguém que conhece esta família e achou que o animal seria um bom presente. Muitas vezes este animal não é entregue para "a família" , mas para um aniversariante (geralmente criança), ou homenageado; mas certamente as tarefas com relação aos tratos do animal acabam interferindo, posteriormente, em todo complexo familiar. A aparição brusca do animal de estimação, no caso de ter sido ganho sem expectativa nenhuma, ou de herança, pode alterar a dinâmica familiar também no sentido negativo, se algum membro sentir o animal como intruso e "ladrão de afetos".

Vejamos agora como a família constrói o significado do animal de estimação, através da análise das categorias construídas :

Adoção do animal

A vinda, ou a permanência do animal de estimação no lar da família, geralmente tem um motivo sentimental. A representação emocional do animal parece ser o principal motivo para a adoção ou fator que justifica os pais a autorizarem a permanência do animal em casa.

As vezes a função do animal torna-se mais direta, quando por exemplo certos casais querem treinar a responsabilidade de ter um filho ou substituir o filho perdido.

Outro dado interessante é que a adoção pode ter uma causa saudosista dos membros adultos que não tiveram a chance na infância ou na adolescência de adotar um animal.

Grande parte das famílias expressou muito carinho e amizade pelo animal considerando-o ou como amigo, ou como companheiro, ou como membro da família. O oposto também foi relatado, ou seja, existem alguns membros que ou ignoram o animal ou deixam claro, aos outros, sua revolta contra o animal.

Para que tivéssemos mais dados sobre a relação dos membros com o animal, perguntamos se existiria alguém da família que relacionava-se de modo diferente. Assim todos aqueles que expressavam um carinho especial, um apego maior para com o animal de estimação foram apontados. Isso mostra que de alguma forma, a pessoa que respondeu ao formulário nota que alguém na família trata o animal de forma diferente dos demais. Embora fosse nossa intenção, considerar tanto os aspectos positivos como os negativos, todos entenderam esta pergunta como considerando apenas os aspectos positivos; isso parece mostrar o quanto a raiva isolada de um membro, parece não ter efeito sobre o vínculo afetivo daqueles que adoram o animal.

Analisando pela perspectiva do animal, pudemos constatar que quando alguém estabelece um tratamento diferenciado para com o animal, este acaba retribuindo este afeto. Se por exemplo, era o irmão mais velho que dispensa mais atenção ao animal é a ele que o animal também retribui a atenção. Neste raciocínio inferimos também que o tratamento que o animal dispensa àquele que o odeia também é recíproco.

As mudanças na rotina familiar, causadas pela presença do animal de estimação

As grandes mudanças giram em torno:

  • de uma reorganização da rotina,
  • de maiores dívidas (os gastos que aumentaram) e
  • de uma presença afetiva maior na família.

Outras questões citadas dizem respeito a falta de liberdade da família para viajar e passear.

Embora seja evidente que qualquer novo integrante sempre interfere na dinâmica de um grupo, as respostas obtidas vem a comprovar o quanto o animal de estimação, desorganiza a estrutura familiar e o quanto esta família trabalha para reorganizar-se atribuindo (adicionando) novas tarefas à cada membro (até para os filhos pequenos). Pensar o aumento dos gastos neste sentido, é perceber que os pais, ou casais, dispensam um tratamento específico aos seus animais, ou seja, compram alimentos ideais, levam no veterinário, compram roupas específicas, pagam adestramento, etc, fazendo com que este membro tenha uma qualidade de vida igual a da família.

Quando ouvimos que o animal provocou uma mudança afetiva na família, retornamos ao fato de que o animal de estimação tem uma representação emocional para todos que convivem com ele, servindo geralmente para deixar o ambiente mais alegre, tranquilo e mesmo tolerante. As vezes a expectativa sobre o animal compõem-se de responsabilidades maiores, como servir de elo para o relacionamento de um casal, ou para acolher algum membro da família, nos momentos de solidão.

A opinião do animal de estimação, enquanto imagem familiar

Para registrarmos a opinião indireta do animal de estimação perguntamos aos entrevistados como a família gostaria de ser vista aos olhos do animal de estimação. A resposta unânime foi como membro da família. Isto mostra o quanto esta família deseja que o animal à considere como um grupo íntimo e dedicado, no qual todos os apreços tem valor humano.

Ganhos e/ou perdas da família com a presença do animal de estimação

Comparando os resultados dos ganhos e das perdas constatamos que metade das famílias tem um forte envolvimento emocional para com o animal, enquanto a outra metade, formando opiniões mais realistas, equilibram a relação custo/ benefício do animal de estimação. O objetivo não é observar quem está certo, mas sabemos que formas extremadas de amor e dedicação podem esconder certos problemas de independência afetiva. Nesta perspectiva procuramos alertar que a dependência exagerada de qualquer membro da família ao animal de estimação pode propiciar o desenvolvimento de comportamentos rígidos e estereotipados, resultado até em transtornos psíquicos (ex: depressão) caso o animal venha a morrer.

A experiência de morte do animal de estimação, para a família

Este foi um dos assuntos mais omitidos em nossas entrevistas. Primeiro porque grande parte não havia passado pela experiência deste tipo de luto, segundo porque o assunto morte, mesmo sendo do animal parece configurar um tabu familiar.

As famílias que já presenciaram o luto de algum animal de estimação disseram que foi como perder uma pessoa, perder alguém da família, foi como se uma parte deles morressem com o animal. Interessante notar que as famílias que idealizaram mais o animal de estimação (observaram somente ganhos), são as que não viveram a experiência desse luto e as pessoas que corresponderam equilibradamente à relação custo/benefício do animal já tinham presenciado esta espécie de luto. Deste modo parece que a vivência de um luto, coloca a família num estado mais realista para com o animal.

Um pouco mais sobre os animais de estimação

Nesta análise final observamos que toda forma de descrever o animal, revelou o lado sentimental da família. Se por um momento esquecêssemos que as qualidades descritas fossem dirigidas a um animal e pensássemos num ser humano as características descritas se encaixariam da mesma forma. Nesta perspectiva vemos o quanto cada membro da família pode projetar no animal um amigo ou inimigo ideal, e exercer nesta relação fictícia, a autenticidade de seus sentimentos, sem o perigo de ferir o outro (membro da família). Quando ou de que forma uma mãe chegaria à seu filho e diria que ele é "feioso", bravo, isolado, bagunceiro, sem a intenção de magoá-lo, como diz ao animal? Ou mesmo de que forma, aqueles filhos mais reservados, pela própria rigidez familiar diriam a seus pais, sobre amor, carinho e ressentimentos? Neste sentido o animal se presta ao exercício de um afeto, muitas vezes bloqueado na relação com os membros da família. Mas, Antes de considerar o animal uma tela onde se projetam os sentimentos bloqueados é preciso lembrar que este animal também reage a estes sentimentos. Ele pode não compreender os termos de nossa comunicação mas certamente compreende os sinais das expressões corporais e assim distingue-se à cada um por comportamentos diferentes. Assumindo um papel afetivo dentro da família, o animal está a mercê de todos os ideais e conflitos desta família e corresponderá de forma adequada ou patológica, dependendo de como a família se organiza internamente. Neste exercício que os humanos fazem sobre os animais de estimação, parece ocorrer em paralelo uma estimulação para que o animal aguce sua percepção emocional, desenvolvendo certas comportamentos, antes inexistentes.

CONCLUSÕES

Observando os resultados, pudemos concluir que, nas famílias pesquisadas:

  • O animal de estimação, enquanto fonte de representação emocional, assume um papel afetivo dentro da família, possibilitando a ela o exercício de relações autênticas, sem o risco da perda.
  • Quando alguém se relaciona com o animal, existe uma idealização deste animal (positiva ou negativa). Geralmente, esta idealização é construída a partir do momento que se delega ao animal o poder de suprir as carências afetivas da família.
  • O animal é, geralmente, considerado um eterno bebê, que conforta e aumenta o sentimento de tolerância do ambiente.
  • Cada membro da família se relaciona de maneira particular com o animal de estimação, mas os graus variados de carinho e dedicação, ou mesmo de raiva e ódio, fazem com que o animal haja reciprocamente à relação estabelecida.
  • Os sentimentos que surgem quando algum membro da família dirige ao animal um tratamento diferenciado, pode, provocar sentimentos contrários de outros membros para o animal (Ex: se alguém ama demais o animal, pode existir alguém na família que sentindo-se traído, odeie o animal; ou se alguém odeia o animal isso pode fazer surgir na família um "herói" que vai salvar o "pobre bichinho").
  • Se algum membro da família admira excessivamente o animal, isso pode indicar um grau de dependência afetiva, onde a fonte é o animal. Estando preso a esta fonte, o membro pode apresentar sentimentos fortes de solidão, caso este animal morra ou abandone a família.

Orientados por estes pontos, conseguimos sustentar a idéia de que a família significa o animal de estimação partindo de pressupostos sociais (qual animal adotar) e considerações afetivas (relacionamento com animal). Este significado é construído por cada membro, nos diversos contextos familiares, e é na dinâmica interna desta família que o animal vai ocupar seu(s) papel(is) (amigo, criança, vilão, herói, ouvinte, ...), correspondendo a algumas expectativas que é solicitado. Estas expectativas, integram o desejo particular de cada membro da família e assim o animal se insere na rede de relações familiares.

Os estudos da influência psíquica dos animais de estimação nas pessoas é algo que desencadeia cada vez mais a curiosidade científica de alguns pesquisadores. O papel terapêutico dos animais, constatado por Silveira (1992), mostra que o doente mental ao considerar afetivamente o animal, apresenta uma tendência maior em aproximar-se da realidade exterior. Além disso, práticas como equoterapia (terapia com ajuda do cavalo), visando auxiliar o desenvolvimento de deficientes mentais, já são bastantes conhecidas neste plano da psicologia (ainda sem denominação específica).

Utilizar dos meios científicos para descobrir de que forma o animal interfere nas pessoas talvez seja o primeiro passo para entendermos melhor o comportamento animal, que acreditamos, vai muito além do condicionamento. O trabalho original que Fuchs realiza como terapeuta de animais, mostram também que este animal pode apresentar "distúrbios" psíquicos, quando vive em um contexto desestruturado. O quanto o animal reflete, através de comportamentos inadequados, o conflito de uma família.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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CERVENY, Ceneide Maria de Oliveira. A Família como Modelo: desconstruindo a patologia. Campinas, Psy, 1994.
FUCHS, Hannelore. O Animal em Casa. Dissertação (Doutorado em Ciências - Psicologia) – Instituto de Psicologia. São Paulo, Universidade de São Paulo, 1987.
KOPEZLY, Waldyr. Iguana a Estrela dos Répteis. Cães e Cia, São Paulo, n.218, p. 32-38, jul. 1997.
LOPES, Cláudio Fragata. Homens e Animais, Relações Delicadas. Galileu, Rio de Janeiro, n.91, p. 42-47, fev. 1999.
MASSON, Jeffrey Moussaieff e McCARTHY, Susan. Quando os Elefantes Choram. São Paulo, Geração, 1997.
PRADA, Irvênia. A alma dos animais. Campos do Jordão: Mantiqueira, 1997.
SILVEIRA, Nise da. O Mundo das Imagens. São Paulo: Ática, 1992.

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