Exclusivo: a lista dos brasileiros no HSBC suíço
Relatório do Coaf para a Receita Federal traz nomes de clientes brasileiros do HSBC com operações no exterior
27/02/2015 20:00
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Em janeiro passado, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), órgão do Ministério da Fazenda para combater a lavagem de dinheiro, recebeu uma planilha com informações de 342 nomes de clientes brasileiros do private bank do HSBC, na Suíça. A amostra foi extraída de um arsenal de quase oito mil nomes de brasileiros que aparecem no SwissLeaks, como está sendo chamado o maior escândalo de vazamentos de dados financeiros da história. Os dados estão sendo debulhados há meses pelo diário francês Le Monde, em conjunto com o ICIJ, consórcio internacional de jornalistas investigativos, e só agora começam a aparecer.
Ao cruzar os nomes recebidos com sua própria base de dados, o Coaf constatou que 60 deles já haviam aparecido nos radares de controle em 1.246 operações. Dentre os clientes, 15 já haviam sido objeto de alerta anterior por causa de suas movimentações financeiras no exterior. Com esses achados, o Coaf enviou à Receita Federal um relatório de inteligência financeira de caráter sigiloso. Obtido pela ISTOÉ DINHEIRO, o documento contém uma análise técnica do histórico de operações de cada cliente, com a quantidade de comunicações e o motivo do alerta.
Alguns nomes foram considerados muito suspeitos. Outros, nem tanto. Dentre os clientes do serviço de grandes fortunas do HSBC destacados pelo Coaf estão o megainvestidor Lírio Parisotto, dono da Videolar e acionista de grandes companhias como Usiminas, Eternit e Banco do Brasil, e os empresários Ricardo Steinbruch e Jacks Rabinovich, dos grupos Fibra e Vicunha. Nos três casos, o próprio órgão considerou que se trata de pessoas com movimentações compatíveis com o seu perfil econômico e, por conta disso, já apareciam em outros relatórios de forma secundária.
Segundo a lista, Parisotto tinha US$ 57 milhões no HSBC em 2007. Steinbruch aparecia com US$ 224 milhões e Rabinovich, US$ 229 milhões. Em princípio, eles não são fonte de preocupação das autoridades e não têm o que esconder nesse caso – muitos nomes citados no SwissLeaks são apenas pessoas muito ricas e com aplicações no exterior, o que não é crime se o dinheiro for declarado à Receita e tiver origem legal. É o caso do dono da Videolar. “Não tenho um centavo que não seja declarado”, afirma Parisotto. “Minha declaração de renda é pública, está tudo na Receita e no Banco Central.”
Segundo ele, a conta no HSBC recebe o pagamento de juros de aplicações pessoais em bônus externos e, atualmente, o valor passa de US$ 100 milhões. Na lista submetida ao Coaf pelo ICIJ, constam nomes de banqueiros, executivos do mercado financeiro, industriais, arquitetos, médicos, designers de joias, esportistas e “donas de casa” (uma delas está entre as mulheres mais ricas do País). Segundo a DINHEIRO apurou, algumas dessas pessoas já faleceram. Há casos de famílias que enviaram dinheiro limpo para fora na época da hiperinflação e dos planos econômicos e, hoje, esperam por uma anistia para repatriar os recursos (leia o artigo aqui).
No grupo dos 15 nomes do relatório do Coaf aparecem outros empresários com movimentações compatíveis com seu perfil econômico. É o caso de Elie Hamoui e Samuel Chadrycki. O destaque negativo da lista vai para Jacob Barata, empresário do grupo Guanabara, conhecido como o “rei do transporte público do Rio de Janeiro”. Líder das transações suspeitas, Barata já foi arrolado em relatórios financeiros anteriores a partir de demanda da Polícia Federal, que o investigou por lavagem de dinheiro num caso envolvendo a Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU).
O episódio envolveu também seus filhos Jacob Barata Filho e Rosane Ferreira Barata. O segundo nome na lista de alertas do Coaf é o de Mário Manela, dono de uma empresa de transportes de valores. Ele foi objeto de nove comunicações de operações em espécie, todas vinculadas a dois relatórios de inteligência. O primeiro refere-se a inquérito da PF em que Manela é acusado de evasão de divisas por meio de doleiros. O segundo cita as empresas Barenboim e MBrasil Empreendimentos, “possivelmente envolvida com desvio de recursos públicos do fundo de pensão Cibrius, dos servidores da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) e doação ilegal de recursos para campanha eleitoral”, segundo o Coaf.
A MBrasil foi acusada de captar mais de R$ 60 milhões irregularmente no mercado financeiro, dos quais R$ 13 milhões saíram do Cibrius. Em 2010, a empresa doou R$ 650 mil para campanhas do PT, sendo R$ 100 mil para o Diretório Nacional do partido, R$ 300 mil para o comitê de Agnelo Queiroz e R$ 50 mil para o deputado federal Ricardo Berzoini, atual ministro das Comunicações. Outros R$ 100 mil abasteceram as campanhas do deputado distrital Chico Vigilante (DF) e do candidato derrotado a deputado federal Guilherme Lacerda (ES), ex-presidente da Funcef, o fundo de pensão dos servidores da Caixa Econômica Federal.
Outro cliente do HSBC que chama a atenção por envolvimento em escândalos políticos é o de Dario Messer. Ele foi investigado pela Polícia Federal por formação de quadrilha, evasão de divisas e lavagem de dinheiro. Os alertas ao Coaf constaram de relatórios referentes à Operação Sexta-feira 13, no desdobramento de um inquérito de 2005 que identificou fraudes em licitações e corrupção na importação de retrovirais para o combate ao HIV pelo Ministério da Saúde. Na CPI dos Bingos, Messer foi acusado pelo doleiro Toninho da Barcelona de operar para o PT e especulou-se sobre sua relação com o ex-ministro José Dirceu.
Eles negaram as acusações. O megadoleiro foi citado ainda no livro A privataria tucana em supostas operações ligadas ao PSDB; acusações que também foram rejeitadas pelos citados. À DINHEIRO, Messer reiterou a negativa e acrescentou que não mora no Brasil desde 2003. Sua conta no HSBC ficou ativa entre fevereiro de 1997 e janeiro de 2004, logo depois do estouro do caso Banestado e pouco antes de vir à tona o mensalão. O Coaf também examinou os registros de outra cliente do HSBC ligada ao PSDB, a cientista política Evelyn Levy. Ela foi secretária de gestão do Ministério do Planejamento no final do governo FHC e depois ocupou cargos importantes na primeira gestão de Geraldo Alckmin.
A conta de Levy no HSBC esteve ativa entre 1997 e 2006, tendo recebido até US$ 404 mil em depósitos. O Coaf, porém, não identificou irregularidades. O relatório de inteligência do Coaf também ressalta que as comunicações anteriores sobre o empresário Generoso Martins das Neves, do ramo de transporte público, foram alvo de investigações por suspeita de fraude em licitações. Também já havia alertas contra Luiz Carlos Nalin Reis, ex-secretário de Planejamento do Acre na gestão de Orleir Cameli (PPR), acusado num esquema de fraude licitatória e compra de votos. Arnaldo José Cavalcanti Marques enviou recursos para pessoa suspeita de envolvimento com o narcotráfico, segundo o Coaf, e Conceição Aparecida Abrahão foi relacionada em inquérito da PF por crime contra a lei de licitações.
Já o nome de Renato Plass constava de investigação da Polícia Federal por suspeita de crimes fiscais e uso de laranjas para movimentações financeiras. José Roberto Cury e Jean Marc Schwartzenberg também foram citados no grupo dos 15. A Receita Federal, que recebeu os nomes do Coaf, já conseguiu identificar cerca de 30 brasileiros suspeitos de crimes financeiros nas contas no HSBC da Suíça. “Pelo que vimos até agora, é grande a probabilidade de irregularidades”, diz o coordenador-geral da área de inteligência da Receita, Gerson Schaan. “Há pessoas conhecidas nossas, que já foram alvo de outras investigações.”