O governo Michel Temer defende a revisão da possibilidade de prisão após condenação em segunda instância. Em manifestação enviada ao Supremo Tribunal Federal, a Advocacia-Geral da União (AGU) argumentou que a pena somente deve ser executada depois de esgotados todos os recursos da defesa, o chamado trânsito em julgado.
Em outubro do ano passado, por seis votos a cinco, o Supremo decidiu pela admissibilidade da prisão após o recurso em segundo grau, ao negar liminar em ações ajuizadas pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e pelo PEN. O tema voltará a ser analisado no plenário em breve, uma vez que o relator Marco Aurélio Mello pretende liberar os processos para julgamento de mérito. Além da Presidência, o ministro solicitou informações ao Senado e à Câmara.
O tema é alvo de polêmica e ainda divide a Corte. A decisão é criticada por advogados e defendida por integrantes do Ministério Público e do Judiciário, como o juiz Sérgio Moro, da Operação Lava Jato. Ministros já sinalizaram que podem rever seus votos. Investigadores dizem que uma eventual mudança pode desestimular delações premiadas – uma colaboração pode ser fechada mesmo após a condenação e a prisão.
A decisão de outubro passado, segundo a AGU, “flexibilizou o princípio da presunção de inocência”. “Em nosso regime constitucional, a presunção de inocência é direito fundamental e seus conteúdo e alcance influenciam todo o arcabouço jurídico criminal”, escreveu o órgão do governo.
A manifestação, obtida pelo Estado, foi entregue pela AGU ao Supremo nesta quarta-feira, 11. O documento é elaborado pelo advogado da União Rodrigo Pereira Martins Ribeiro. O despacho é da ministra Grace Mendonça.
De acordo com a AGU, “a norma constitucional que consagra o postulado da presunção de inocência (artigo 5.º, LVII, da Constituição) deve ser compreendida como o princípio reitor do processo penal. Essa dimensão de regra de tratamento da presunção de inocência impõe a liberdade do acusado, como regra geral, no decorrer da persecução penal”.
Instabilidade. A possibilidade de revisão do entendimento sobre o tema no STF agora deve depender do posicionamento de Alexandre de Moraes, sucessor de Teori Zavascki, morto em janeiro, e indicado por Temer. A corrente vencedora teve votos de Teori e Gilmar Mendes. No entanto, posteriormente, Gilmar passou a concordar com o voto de Dias Toffoli naquele julgamento, no sentido de que a pena deveria aguardar recurso especial no Superior Tribunal de Justiça (STJ) para ser executada.
É possível, porém, que Rosa Weber faça uma mudança na direção contrária à de Gilmar, aderindo à visão de que é possível a prisão após condenação em segunda instância. Ela já afirmou que “continua refletindo” sobre o tema. Se essas duas alterações ocorrerem, o placar estaria empatado, e o peso do voto decisivo estaria com Moraes.
A incerteza sobre o tema preocupa o governo. “Tal julgamento gera uma grande instabilidade, tendo em vista que possivelmente diversos tribunais passarão a adotar esse entendimento (de cumprimento imediato da pena), afastando o disposto no artigo 283 do CPP (Código de Processo Penal)”, escreveu a AGU.
O CPP determina que a execução da pena resulta de sentença condenatória transitada em julgado – ou seja, quando não cabem mais recursos. “O trânsito em julgado da sentença penal condenatória ocorre no momento em que a sentença ou o acórdão torna-se imutável, surgindo a coisa julgada material. Não se verifica margem para que a expressão seja interpretada no sentido de que o acusado é presumido inocente, até o julgamento condenatório em segunda instância, ainda que interposto recurso para o Supremo Tribunal Federal ou Superior Tribunal de Justiça”, afirmou a AGU.
Entendimento. Moraes, em sua obra como professor de Direito, já se posicionou a favor do entendimento que norteou o julgamento que permitiu a execução antecipada da pena, o de que a prisão após condenação em segunda instância não viola o princípio da presunção de inocência. No Supremo, ele se manifestou pela primeira vez sobre o tema em um julgamento de um habeas corpus na Primeira Turma em 19 de setembro, quando afirmou ser “absolutamente necessário” o plenário discutir o tema “para pacificar uma vez mais esta questão”.
Nem mesmo no Supremo há coesão sobre a questão. Também em setembro, Ricardo Lewandowski suspendeu a execução da pena de um condenado em segunda instância, afirmando que, naquele habeas corpus específico, havia constrangimento do réu.
Diante dos impasses, a AGU afirmou que “resta concluir que o artigo 283 do CPP é claramente constitucional, até mesmo porque, à toda evidência, estamos diante de ‘norma espelhada’ que busca harmonizar o direito processual penal ao ordenamento constitucional”.