A primeira frente do novo presidente na região será a evolução da crise da Venezuela
Bogotá / Buenos Aires
Grupo de brasileiros faz ato em defesa de Trump em São Paulo, no final de outubro. NELSON ALMEIDAAFP
A América do Sul passa por uma nítida virada política depois dos anos dourados da esquerda. Surge um novo jogo de equilíbrio, que uma vitória de Donald Trump, cuja política externa ainda é uma incógnita, alteraria. Seu primeiro foco seria a evolução da crise política, econômica e social da Venezuela. A Administração de Obama apostou, e estimulou, a via do diálogo aberto entre o Governo de Maduroe a maior parte da oposição. Três dias depois de o nome do novo inquilino da Casa Branca ser conhecido, em 11 de novembro, os dois lados voltarão a se sentar, em Caracas.
Diante da gravidade da situação da Venezuela, os Estados Unidos decidiram abrir também um caminho para o diálogo com Nicolás Maduro. Para a tarefa, foi designado Thomas Shannon, um dos funcionários do Departamento de Estado que mais conhece a região. Apesar de serem constantes os ataques contra a Administração norte-americana por parte dos dirigentes venezuelanos, da porta para dentro o diálogo flui, como informam diferentes fontes conhecedoras dessas conversações. Shannon foi um dos que estimularam a ideia de que os três chefes de governo ibero-americanos –Zapatero, Torrijos e Fernández— inaugurassem um processo de mediação entre Governo e oposição. O contato de Shannon com o ex-primeiro-ministro espanhol é permanente.
A Administração de Obama foi categórica ao exigir uma saída eleitoral para a crise política e a libertação dos presos políticos da Venezuela. Com sua aposta no diálogo, porém, os EUA procuram evitar uma implosão social nos últimos meses da gestão de Obama. A chagada de Hillary Clinton à presidência garantiria uma continuidade na posição dos Estados Unidos de apostar na via diplomática para se chegar a uma solução na Venezuela. Se Donald Trump vencer, encherá de mais incertezas ainda a relação entre os dois países. Sua proximidade com o presidente da Rússia, Vladimir Putin, aliado incondicional de Maduro, levanta todo tipo de suspeitas.
A eleição de Clinton ou Trump será também crucial para o futuro do pós-conflito na Colômbia. Os Estados Unidos foram um aliado-chave na luta contra o narcotráfico e o enfraquecimento das FARC por intermédio do Plano Colômbia. Sem o apoio econômico e de inteligência militar que proporcionaram é difícil pensar que a guerrilha teria se sentado para negociar em Havana com o Governo colombiano. Os Estados Unidos contam com um enviado especial para o processo de paz, Bernie Aronson, decisivo na hora de destravar alguns dos temas mais delicados das conversações, como é o caso das extradições.
Durante a visita oficial que o presidente Juan Manuel Santos realizou este ano a Washington, a Colômbia obteve o compromisso da Administração de Obama de que os Estados Unidos colaborariam com uma espécie de Plano Colômbia 2 no pós-conflito. A intenção de Obama é que o Congresso aprove uma soma inicial de 450 milhões de dólares (1,45 bilhão de reais) no orçamento do próximo ano. A chegada de Clinton à Casa Branca garantiria, sem dúvida nenhuma, a continuidade do respaldo norte-americano. Trump não se posicionou sobre o conflito colombiano.
Mais ao sul a eleição também é acompanhada com inquietação. Mauricio Macri é um dos presidentes que melhor conhecem Trump. Mas não pela política. Ambos mantiveram uma relação intensa e conflituosa quando quiseram fazer negócios imobiliários juntos em Nova York, em meados dos anos 80. Viram-se em inúmeras ocasiões, compartilharam o golfe e diversões, mas a relação não se consolidou e os Macri acabaram vendendo sua parte aos Trump. Talvez por esse passado, ou porque sabe da má fama que Trump tem na América Latina, Macri se distanciou a todo o momento do candidato republicano e apostou claramente em uma vitória de Hillary Clinton. Para a Argentina, os Estados Unidos são cruciais porque depois do giro de 180 graus de Macri sobre os Kirchner o apoio das empresas e, sobretudo, do mundo financeiro norte-americano é fundamental. Macri e seu Governo firmaram pactos com Wall Street e com a Administração Obama e esperam que tenham continuidade com Clinton. Mas se Trump vence, terá de começar do zero. O paradoxo é que enquanto Trump está apostando em limitar o livre comércio, na América Latina presidentes como Macri, Michel Temer ou o peruano Pedro Pablo Kuczynski encabeçam uma onda em favor da abertura comercial e da aproximação com os EUA que não se via fazia muitos anos na região.
O momento mais pró-EUA poderia coincidir, assim, com um presidente distanciado da América do Sul, apesar de ter interesses econômicos importantes na região e estar a ponto de inaugurar uma torre de superluxo em Punta del Este (Uruguai), que é um de seus principais projetos no mundo.