Charge: Wuerker/ Politico
É BEM MAIS COMPLEXO DO QUE UMA BRIGA ENTRE ESQUERDA E DIREITA, SENHORES “JORNALISTAS”
É estarrecedor o primarismo de alguns "jornalistas" ao reduzir o que ocorre no Brasil e no mundo a velha, mofada e ultrapassada peleja de esquerda vs direita. Se não for primarismo, é má fé mesmo.
O Comunismo teve seu fim decretado em 1989, com a queda do muro de Berlim. A partir dali a podre União Soviética ruiu e explodiu em dezenas de pedaços, jogando na lata do lixo tudo o que tinha aprendido em geografia.
O Capitalismo cantou vitória até 2008, quando uma fraude financeira espetacular nos USA quebrou o mundo e quase o trouxe à falência global. A partir dali as agências de rating mostraram a sua cara de serviçais dos interesses financeiros e a falta de regulamentação no mercado provou ser um dos maiores erros do berço do capitalismo.
A Esquerda extrema morreu. A Direita extrema se ridicularizou e faliu. Ambos jazem em covas não muito profundas, mas estão enterrados enquanto modelos econômicos de valia no mundo moderno.
Hoje em dia, o comunismo da China compra bancos e tem 4 deles entre os 10 maiores do mundo. Esse mesmo comunismo tem Bolsa de Valores e dança a ciranda do mercado financeiro como gente grande. Seu PIB rivaliza o dos USA e cresce a taxas invejáveis, independente dos problemas que possam ser apontados na sustentação desse crescimento. Os índices financeiros da comunista China determinam a economia mundial.
Nos USA, o prejuízo do desastre capitalista da fraude de 2008 foi socializado. O governo socorreu fartamente a iniciativa privada incompetente e criminosa com bilionárias verbas públicas, fazendo inveja ao nosso BNDES. De olho no aumento da pobreza USA, a administração Obama lançou o maior dos programas de medicina socializada do mundo: o Obamacare. Esse programa está estimado em US$1,3 trilhões (segundo a Money) para a próxima década - o PIB do Brasil vai ser gasto em saúde pública (nosso SUS) nos próximos 10 anos.
Eis a falência da discussão reduzida a esquerda vs direita. Dói ler artigos de "jornalistas" de ambos os extremos rebaixarem os problemas atuais a esta disputa bolorenta.
A discussão hoje é bem mais profunda, mas o tema central é muito simples de ser identificado. Diz respeito ao fracasso do Neoliberalismo como política econômica de distribuição de riquezas.
O Neoliberalismo, implantado com vigor nas eras Reagan e Thatcher, trabalhou na premissa de que ao incentivar o setor privado, sem qualquer ou com mínima interferência do governo, este criaria um ambiente econômico de fartura e crescimento para todos.
A transferência de dinheiro público (nossos impostos) ao setor privado sem qualquer regulamentação se provou um equívoco, pois os donos da iniciativa privada o usaram para aumentar suas fortunas pessoais. Descobriram que com a globalização (outra falácia), os mercados financeiros do mundo estavam à disposição para uma lucrativa especulação. Ficaram mais ricos as custas dos mais pobres.
O resultado do Neoliberalismo está disponível em números: nunca a concentração de riqueza foi tão acentuada na história do mundo. A organização não-governamental britânica Oxfam, baseado em dados do banco Credit Suisse relativos a outubro de 2015, mostrou que a riqueza acumulada pelo 1% mais abastado da população mundial agora equivale, pela primeira vez, à riqueza dos 99% restantes. Eis o resultado prático de décadas de neoliberalismo.
Recentemente, o Neoliberalismo recebeu críticas de um de seus maiores defensores, o Fundo Monetário Internacional (FMI), em artigo publicado por três economistas da instituição. "Em vez de gerar crescimento, algumas políticas neoliberais aumentaram a desigualdade, colocando em risco uma expansão duradoura", argumentaram seus autores. O artigo pode ser lido
aqui.
Com o aumento da desigualdade social, passamos a conviver com mais pobreza, menos educação, menos saúde, mais violência, menos moradia, mais miséria, mais protestos, mais manifestações, mais crise e todos aqueles problemas sociais que estamos fartos de saber. O mundo se tornou um lugar mais injusto e perigoso. E os 99% vivem isso na pele em menor ou maior grau, enquanto o 1% desfruta de suas regalias conquistadas com as verbas públicas – dinheiro dos 99%.
Portanto, senhores “jornalistas”, a discussão a ser abordada hoje em dia é sobre distribuição de riquezas – não é sobre esquerda e direita. O tema central é: que tipo de Economia precisamos ter para redistribuir as riquezas de forma mais justa.
Redistribuir riquezas de forma mais justa significa reduzir muito a política neoliberal que encheu o setor privado de dinheiro sem cobrar resultados econômicos. O problema aqui reside mais uma vez no setor financeiro. Este setor pegou as benesses do Neoliberalismo e saiu emprestando aos governos de diversos países para com esse dinheiro público (de graça) gerar mais dinheiro ainda e aumentarem absurdamente seus lucros. E saiu emprestando para todo mundo – e os governos saíram gastando em programas sociais diversos para combater o aumento da desigualdade social.
Os programas de combate à desigualdade social incluíam desde obras de infraestrutura, programas de empréstimos para Educação, programas de auxílio à aposentadoria, de moradia, de saúde socializada, etc. São dívidas contraídas juntos as entidades financeiras do mundo e aplicadas em programas que, na sua maioria, visam a sanar problemas do passado e agora. Muitos desses programas ignoraram o futuro ou simplesmente deram errado e aumentaram sobremaneira a dívida pública dos países.
A Trading Economics, no seu banco de dados, afirma que o quadro de dívida pública dos países do G7 chegou em 2015 ao seguinte:
- Japão – 229% do PIB
- Italia – 132 % do PIB
- USA – 104% do PIB
- Espanha – 99% do PIB
- França – 98% do PIB
- Canadá – 92% do PIB
- Região do Euro – 91% do PIB
- Reino Unido – 90% do PIB
- Alemanha – 72% do PIB
- Índia – 67% do PIB
Ao ultrapassar 100% do seu PIB, um país atesta que a sua capacidade de gerar riquezas é inferior à sua capacidade de honrar compromissos. Não há como sua Economia pagar o que pegou emprestado para melhorar a sua Economia, salvo a exceção em que o dinheiro foi gasto em programas que permitirão o aumento de seu PIB mais à frente – o que não corresponde ao caso dos países mais endividados. A dívida do Japão, por exemplo, tem um componente pesado de previdência social para atender uma população envelhecida que não se renova.
Observem que o G7, considerados os países mais ricos do mundo, formado por Canadá, França, Alemanha, Itália, Espanha, Reino Unido e Estados Unidos, estão todos endividados de forma avassaladora, com a exceção a Alemanha. Esses países não dispõem de uma Economia capaz de saldar essas dívidas e a perspectiva é que não tenham como no futuro.
Reparem também que os países do recém-criado BRICS não compartilham essa inadimplência toda com o G7. Brasil, Índia, China e Rússia estão com dívidas públicas administráveis. No momento, suas respectivas Economias têm capacidade de honrar compromissos e suas respectivas dívidas são em prol de programas que visam o crescimento de seus PIBs – por exemplo, o programa de Pré-sal no Brasil.
E para quem esses países devem essa impagável dívida? Para o setor financeiro (Bancos e Fundos) e para outros governos, em diferentes moedas. Essa generalização toda desemboca nos maiores bancos do mundo, os quais estão por trás do setor financeiro credor, e representam a maioria dos que são classificados no 1% acima já mencionado.
Segundo a consultoria Brand Finance e a revista especializada The Banker, os maiores Bancos do mundo em 2015 são:
- Wells Fargo – USA
- ICBC – China
- HSBC – UK
- Banco da Construção da China – China
- Citi – USA
- Bank of America – USA
- Chase – USA
- Banco da Agricultura da China – China
- Bank of China – China
- Santander – Espanha
Sem capacidade para aumentar suas respectivas Economias, os governos dos países endividados colocam em risco a riqueza do 1% tão generosamente aumentada pelos anos de ouro do Neoliberalismo. E esse pessoal de forma alguma aceita reduzir sua criminosa margem de lucro (?) para redistribuir a riqueza do mundo.
O que fazer? Resposta: avançar sobre a capacidade de geração de riqueza de países/continentes economicamente em ascensão.
Tomando foco no Brasil, ao final de 2015, meses antes do dia da consumação do golpe no país, a economia brasileira era descrita pelos seguintes dados (fontes: PNAD, IPEA, IBGE, BC):
1) as reservas internacionais líquidas do Brasil são de US$ 377 bilhões (eram de apenas US$ 16 bilhões em 2002). Elas superam, com folga, toda a dívida externa do país, que é de US$ 333,6 bilhões, sendo que apenas 30% disso a curto prazo;
2) o Brasil é credor do FMI - o Brasil é credor externo líquido em US$ 42,7 bilhões;
3) a dívida pública líquida era 36% do PIB e a bruta 66% do PIB (em 2002 a dívida líquida era de 60% do PIB);
4) os investimentos externos produtivos (IED) no Brasil foram de US$ 75 bilhões em 2015, sendo equivalentes a 4,5% do PIB;
5) o Brasil tem o 7o. maior PIB mundial (era o 13o. em 2002);
6) o PIB per capita fechou em US$8.670 (era de US$2.800 em 2002);
7) a taxa de inflação está caindo e deverá fechar o ano, segundo o Banco Central, perto do teto da meta em 2016, ficando próxima de 6,5% no acumulado do ano. Para 2017, já se prevê uma taxa de inflação perto do centro da meta (de 4,5%);
8) o salário mínimo fechou em de R$824, equivalente a cerca de US$368 (era de US$158 em 2002);
9) o déficit externo, em transações correntes, fechou em 3,32% do PIB (caiu dos 4,31% de 2014) e continua caindo; e
10) o Superávit comercial foi de US$19,7 bilhões em 2015, já acumulou US$32,4 bilhões de janeiro a agosto de 2016, sendo que estimativas apontam que o mesmo poderá chegar a US$50 bilhões neste ano.
Dificilmente um cenário ruim, ainda mais quando comparado aos países endividados do G7.
Alguns “jornalistas” vendem esse cenário como “terra arrasada”, país quebrado, etc. Há problemas sim com a tendência de piora de alguns índices, mas nada que não possa ser corrigido ou que o país não tenha condições econômicas de assim fazer.
Eis que surge a encomenda do golpe no Brasil.
O setor financeiro enxerga no cenário atual, nos investimentos estratégicos realizados e nas possibilidades econômicas do Brasil, detentor de mais de 50% da economia na região, uma fonte de geração de receita para tapar o buraco da farra financeira que patrocinou aos países do G7 – agora sem qualquer garantia de retorno. A mesma perspectiva também ocorre em relação ao continente africano, hoje em disputa ferrenha com a China.
Não somente é necessário adquirir as fontes de riqueza do país alvo, como também reduzir ao máximo seus gastos em programas sociais e trabalhistas. Essa receita toda deverá ser migrada para o setor financeiro em risco de calote. Deverá ser transferida para as economias dos países esgotados. Deverá ser usada para gerar riquezas aos grandes devedores do mundo.
Então, a questão central é a seguinte: com equacionar o poder do 1% com as necessidades do 99%. Isso não necessariamente desemboca numa discussão ideológica de esquerda vs direita. E levar para essa disputa é retroagira aos tempos de guerra fria.
O fato é: a continuar essa exploração indevida e sem controle, sem espaço para o social sem ser na forma de esmola, o confronto interno será inevitável. Esse confronto não será, apesar de possível, necessariamente uma guerra civil.
Virá na forma do aumento da violência do 99% em cima de si mesmo e, transpostas as barreiras de segurança, em cima do 1%. Testemunharemos mais assaltos, mais roubos, mais crimes e mais mazelas sociais de que tanto tememos e que também afetará, consequentemente, o 1%.
Aceitar que nossos “jornalistas” não reportem isso é inadmissível numa era que envolve o descontrole da informação, a ponto de colocar tudo ao alcance de todos via Internet; a redefiniçao dos mercados econômicos com novas fontes de geração de receita e a crise ambiental que bate a nossa porta.
O Jornalismo deve a si mesmo esse alerta. Ou morreu de fato.