domingo, 11 de outubro de 2015

Voluntária faz campanha para salvar filhote de leão que viu crescer em projeto e viraria caça

Alexandra DelamontagneImage copyrightAlexandra Lamontagne
Image captionAlexandra foi cuidar de macacos, mas acabou se apaixonando por uma leoa
A canadense Alexandra Lamontagne viajou para a África do Sul para trabalhar como voluntária cuidando de macacos. Mas, ao chegar, se deparou com cinco filhotes de leão - e esta não foi a única surpresa.
A viagem acabou com uma luta para resgatar uma leoa que fora enviada a um local de caça em cativeiro e um documentário contando toda a história.
"Quando cheguei, vi cinco filhotes de leão e comecei a fazer perguntas, porque não era isso que eu estava esperando. Mas me apaixonei por um dos filhotes, por isso fiquei lá", conta ela, que viajou em 2013.
Segundo a voluntária, os responsáveis pelo local diziam que os leõezinhos haviam sido encontrados em uma clínica veterinária, mas ela achava que a história não fazia sentido.
Uma hora, afirma, mandaram que ela parasse de fazer perguntas. "Mas eu não conseguia deixar, me afeiçoei muito. É muito trabalho, tem que dar leite a cada duas horas, de dia e de noite. Eu até dormia com eles", conta."Foi uma experiência que não vou esquecer."
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Image captionSerabie era cerca de dois meses mais nova que outros filhotes e, por isso, dependia mais de Alexandra
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Image captionSerabie hoje vive em um santuário para animais
Uma leoa, em especial, conquistou Alexandra. Serabie era cerca de dois meses mais nova que os outros filhotes, o que significa que era bem menor e não gostava de brincar com os outros. Por isso, ficava mais no colo de Alexandra.
Ao voltar para o Canadá, porém, Alexandra recebeu um e-mail com más notícias. Os responsáveis pelo local contaram que os animais não seriam enviados para um zoológico, como ela acreditava, mas para um local de caça em cativeiro, prática conhecida como "canned hunting". Nestes locais, animais criados em cativeiros são soltos em um ambiente grande, mas cercado.
O animal é solto cerca de 48 horas antes de ser caçado.
"É uma prática legal, mas o animal, principalmente o leão, está tão acostumado a humanos que ele vai ficar perto de você, vai até te procurar, mesmo se for um local enorme. Você o alimentou, criou, ele não vai ter medo, vai se aproximar. É um alvo fácil", diz Alexandra.
A voluntária refuta o argumento, comum na África do Sul, de que esse tipo de fazenda impede a caça de animais selvagens.
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Image captionResgate foi misto de alegria e tristeza, diz Alexandra
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Image captionChamada 'canned hunting' é legal na África do Sul, mas voluntária classifica prática de injusta
"Não muda nada para os leões selvagens, porque ainda estamos tirando seu espaço e as pessoas estão caçando-os mesmo assim."
Alexandra diz que desconhecia esta prática e que entrou em um dilema. Queria comprar Serabie para salvá-la, mas pensava que, se o fizesse, estaria dando dinheiro para essas pessoas, assim como fazem os caçadores.
A solução veio com um projeto de um documentário: ela pagaria para comprar Serabie, mas chamaria atenção para o problema.
Pela internet, em um projeto de crowdfunding, conseguiu arrecadar US$ 10 mil (cerca de R$ 40 mil) para comprar a leoa. A princípio, conta, o local que estava com a leoa não quis nem conversar com ela, mas Alexandra acabou convencendo-os a vender o animal.
O resgate, diz ela, foi um misto de lágrimas de alegria e de tristeza.
"Você pensa nos outros que ficaram para trás, é difícil pensar que você salvou um, mas que todos os outros estão aguardando para serem salvos, mas nunca serão."
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Image captionSegundo Alexandra, Serabie reconheceu seu cheiro
Serabie, agora, vive em um santuário de leões.
Alexandre diz que a leoa, que já era adulta quando foi resgatada, foi dopada para a viagem e que, ao acordar, estava de mau humor. Mas ela acha que, depois, a leoa a reconheceu. "Pude me aproximar, achar que ela reconheceu o cheiro", afirma.
Além de salvar a leoa, Alexandra também teve sucesso com o documentário:Saving Serabie foi visto por mais de 15 mil pessoas e ganhou um prêmio em um festival de conservação de vida selvagem.
"Essa era o objetivo principal, criar consciência. Se você vir um leão empalhado na parede você sabe que o caçador não ficou três dias esperando para caçá-lo, mas foi para uma fazenda toda cercada em que o animal não tinha chance de sobreviver."

Outro lado

O local em que Alexandra trabalhou como voluntária, Bambelela Wildlife Care & Vervet Monkey Rehabilitation, disse que os animais foram deixados pelo dono em uma clínica veterinária enquanto ele viajava. A clínica, segundo o local, pediu que o Bambelela cuidasse dos animais por cerca de quatro semanas, até que o dono retornasse de viagem, o que eles fizeram.
Segundo o Bambelela, quando o dono retornasse os animais seriam enviados para um zoológico.
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Image captionFilme sobre resgate foi visto por 15 mil pessoas
Após os leões serem devolvidos, porém, teriam surgido denúncias de que o local era de caça em cativeiro.
O Bambelela afirma que, até hoje, isso não foi provado.
Diz também que o animal que Alexandra pegou acreditando ser Serabie na verdade era outro - a voluntária nega, dizendo que levou uma especialista ao local para reconhecer a leoa.

Brasil: por uma inserção mais atualizada no mundo Os brasileiros estamos tendendo ainda mais à introspecção. Como se o mundo começasse e terminasse no nosso país

Às voltas com uma grave crise de governabilidade, os brasileiros estamos tendendo ainda mais à introspecção. Como se o mundo começasse e terminasse no nosso país. Deixamos de lado os temas internacionais. Apesar de todos os grandes avanços que logrou nas últimas décadas na consolidação da democracia, no desenvolvimento econômico e na inclusão social, o Brasil ainda é um país predominantemente provinciano e desconectado.
Para que possa atuar efetivamente num mundo em que as organizações, os agrupamentos econômicos, os movimentos sociais e as estruturas de conhecimento se tornaram difusas e onipresentes, o Brasil deve ampliar consideravelmente sua inserção nas grandes redes de articulação e informação hoje prevalecentes no plano internacional. A fim de arregimentar, interpretar e implementar os objetivos da sociedade, tanto no plano interno quanto no plano externo, é preciso dispor de uma capacidade que ainda não temos.
Torna-se indispensável, portanto, recuperar o papel que sempre coube ao Itamaraty de captar e difundir a realidade, as dificuldades e as oportunidades externas e o de buscar as parcerias apropriadas no plano internacional, coadjuvando-as e sustentando-as com políticas multilaterais apropriadamente pragmáticas.
A tarefa da diplomacia consiste essencialmente em mediar oportunidades e/ou constrangimentos externos com os interesses ativos ou reativos internos, de maneira a conduzir a interação do país no mundo da forma mais condizente com seus objetivos permanentes ou incidentes, tal como percebidos e definidos pela sociedade e pelo Governo. Uma diplomacia competente atenua oposições e amplia coalizões.Para o Ministério das Relações Exteriores, a manutenção e o constante aperfeiçoamento dos meios constitui um objetivo em si mesmo. É um Ministério diferente da maioria dos demais que conduzem grande variedade de programas e de projetos específicos que podem eventualmente ser reduzidos ou cortados, sem que o conjunto das ações seja irremediavelmente comprometido. No caso do Itamaraty, a maior parte dos gastos é de custeio, ou seja, a manutenção e o crescente aperfeiçoamento de sua maquinaria interna e externa, o que permite ao país interagir com o mundo e situar-se adequadamente nos processos globalizados. Cortes onde quer que ocorram reduzem drasticamente essa capacidade.
Não obstante a tendência do país à introspecção e ao paroquialismo, fomos capazes de desenvolver uma sensibilidade especial para os nexos existentes entre o fato externo, a relação internacional, a diplomacia e a sua história. Daí o prestígio alcançado pelo Itamaraty no Brasil e no exterior. É importantíssimo preservá-lo!
Nos anos que se seguiram à redemocratização, o exercício da diplomacia foi beneficiado pela repercussão externa particularmente positiva dos avanços políticos, econômicos e sociais do país.
Esse enredo acha-se hoje praticamente esgotado. Na última década, o ritmo de crescimento da economia brasileira se desacelerou, as dificuldades do Mercosul se aguçaram, a ponto de impedir o seu aprofundamento e, por extensão, as negociações com a UE ficaram estacionadas. Não se voltou a explorar a possibilidade de um acordo com os EUA. A entrada da Venezuela trouxe um complicador desfavorável para o Brasil no jogo de forças interno do Mercosul, assim como nas possibilidades de negociações internas e externas. Passamos a concentrar nossas expectativas nas negociações multilaterais no âmbito da OMC que se arrastam desde 2002 e que, se um dia forem concluídas, certamente o serão bem abaixo das nossas expectativas. A China, por sua vez, nunca deu indicações de que estaria preparada para entrar numa relação com o Brasil capaz de ir além da troca de matérias primas por produtos industriais de baixa elaboração.
É urgente que o Brasil supere a crise atual e volte a ter o protagonismo necessário no mundo. Entre os países emergentes, o Brasil destaca-se pela solidez de seu regime democrático e pela existência de um regime jurídico estável e transparente. Temos, portanto, condições de contribuir positivamente para o debate em torno de uma nova agenda de transformação da ordem internacional nos planos político, econômico e social.
O caminho a percorrer passa, sem dúvida, pelo reforço das instâncias multilaterais. Ou seja, repensar a ordem internacional em linhas que, ao acentuar e privilegiar a organização internacional, o façam em formas efetivamente associativas, não coercitivas. Os dois vetores principais do processo de organização internacional, a segurança coletiva e a cooperação, são como as duas caras de uma mesma moeda.
No mundo da globalização dos mercados, é preciso não esquecer de que se globalizaram também os riscos. Se as áreas periféricas não forem rapidamente integradas aos benefícios do desenvolvimento, não serão os países do Terceiro Mundo os únicos prejudicados. A expansão dos países desenvolvidos baseada nos seus próprios mercados pode estar próxima de seus limites extremos, como o demonstram, sobretudo, os altos índices de desemprego que passaram praticamente a constituir fatores estruturais.
O Brasil situa-se entre um extremo e outro da escala de satisfação e insatisfação com sua inserção no mundo. Ostenta, portanto, um misto de características conservadoras e revisionistas da ordem internacional. Dispomos, porém, de um excedente de poder muito limitado para encontrar soluções para os problemas globais, capazes de incidir positivamente sobre nossa agenda interna de desenvolvimento.
Precisamos de menos palavras, de mais recursos, de mais clareza de objetivos, de mais objetividade, de mais coordenação e articulação efetiva entre todos os segmentos do Governo e da sociedade civil. Precisamos, enfim, daquilo que históricamente caracterizou de forma positiva a política externa do Brasil diante dos grandes obstáculos que tivemos de enfrentar ao longo do tempo: sentido de realidade e pragmatismo!
Não adianta, porém, só reclamar. Como dizia o escritor austríaco Robert Musil, ninguém pode ficar zangado com o que ocorre à sua volta sem causar dano a si mesmo.
Luis Felipe de Seixas Corrêa é diplomata, chefiou a missão do Brasil na ONU e na OMC. Foi por duas vezes secretário-geral do Ministério das Relações Exteriores (1992 e 1999-2001).

Tempos tristes Como assegurar a convivência democrática numa sociedade descrente de si mesma?

A vida cotidiana no Brasil de hoje anda tão áspera, o debate intelectual tão fora da curva, o debate político e econômico tão agressivo, que me sinto frequentemente levado a tentar entender o que está-se passando sob uma perspectiva histórica: explicar o presente como resultado de um passado mal vivido. Será que estamos condenados à violência que se apodera de nossas ruas, à desfaçatez dos argumentos, ao imediatismo de nossas opções políticas, econômicas e institucionais? Esse foi em boa medida o nosso passado. Será também o nosso futuro?
Ao ler muitos anos atrás o clássico Tristes Trópicos de Claude Lévy-Strauss, antropólogo francês que veio ao Brasil em missão nos anos 30, sublinhei uma passagem que sempre me intrigou. Traduzido livremente do francês, Lévy-Strauss diz haver escutado de um observador malicioso que a América passou da barbárie à decadência sem conhecer a civilização. E continua, talvez impressionado pelocrescimento caótico da cidade de São Paulo, afirmando que a fórmula, com mais justiça, poderia ser aplicada às cidades do Novo Mundo, pois vão do frescor à decrepitude sem passar pela antiguidade.
Será esse mesmo o nosso destino? perguntei-me ao longo da vida a cada momento difícil por que passamos no Brasil. E pergunto-me agora que atravessamos uma crise profunda. Estaremos em vias de passar à estagnação e à decrepitude, sem jamais conhecer um apogeu? Onde está o Brasil imaginado, o que tinha um futuro de grandeza e prosperidade, em que a convivência seria cada vez mais cordial?
Todas as sociedades, mesmo as mais antigas e avançadas, têm seus contrastes e seus antagonismos. Na cultura ocidental, nascida na Grécia antiga, renascida ao final da chamada Idade Média e consolidada com as Revoluções Americana e Francesa, a democracia tornou-se um valor absoluto. Fórmulas foram tentadas ao longo da história e ainda hoje para amenizar os contrastes e controlar os antagonismos mediante regimes de força, autoritários e ditaduras do proletariado ou das classes dominantes. Nada deu certo ao longo do tempo. A democracia é, e deverá continuar a ser, o padrão pelo qual se mede a qualidade da vida institucional dos países.
Progredimos, eliminamos barreiras, ampliamos a inclusão social. Mas falta muito ainda. As populações marginais nas favelas urbanas, nas caatingas nordestinas, a falta de educação e de saúde, demonstram a insuficiência de nossos esforços.O Brasil, como de resto a maioria dos países conhecidos eufemisticamente como “em desenvolvimento”, não conheceu a democracia liberal a não ser episodicamente. Tivemos 308 anos de regime colonial, 22 anos de presença da Corte Real no Rio de Janeiro e 67 anos de Monarquia. Ao todo 397 anos se passaram antes da Proclamação da República. Praticamente 4 séculos. Hoje, 193 anos depois, apesar de muitos progressos e do estabelecimento da democracia formal, ainda estamos longe de emular o nível das democracias estabelecidas nos países desenvolvidos.
Sem falar na corrupção, que nos acompanha desde sempre. Martim Afonso de Souza, o grande personagem das navegações e da exploração colonial do Brasil (1530-1533) dizia: “Quem diz que sou cobiçoso, diz a maior verdade do mundo, que eu cobiço dinheiro porque não o tenho e porque não posso servir-vos, nem ser honrado sem ele...” Quinhentos e tantos anos depois ainda somos obrigados a conviver com um tipo de ambição corrupta por parte de muitos de nossos homens públicos. A sociedade não pode aceitar isso como se fosse inevitável. Não é! O conformismo agrava nossos problemas, que já não são poucos.
Reina no Brasil de hoje um profundo cinismo. Para que servem os valores? Para que serve a justiça? Como promover o bem comum?
Hoje achamo-nos completamente desorientados. Discutem-se cargos quando deveriamos estar discutindo programas de Governo. As lideranças calam sobre visões de futuro. Colocam-se esparadrapos sobre as feridas profundas que dilaceram o corpo da nação. Concentramo-nos no curto prazo, deixando-se o médio e longo prazo continuamente postergados. O crime toma conta das ruas e dos gabinetes. Nas ruas, roubam-se valores e assassinam-se pessoas. Nos gabinetes, valores ainda mais expressivos são roubados e valores morais são assassinados. Os ladrões nas ruas são algumas vezes apanhados e, mal tratados, persistem no crime. Os ladrões nos gabinetes, quando apanhados, são bem tratados e suas famílias continuam a usufruir do que foi roubado.
Reina no Brasil de hoje um profundo cinismo. Para que servem os valores? Para que serve a justiça? Como promover o bem comum? Ainda prevalece a injustiça, a impunidade, a truculência. Como assegurar a convivência democrática numa sociedade descrente de si mesma?
Tomado por essas inquietações, reabri um livro importante, que marcou muito meu pensamento quando o li no final dos anos 70. Trata-se de obra da historiadora americana Barbara Tuchman. Chama-se The March of Folly (A Marcha da Insensatez). A senhora Tuchman analisa diversos episódios internacionais, a começar pelo mítico cavalo de Tróia e, passando pela secessão do protestantismo, a perda da América pelos britânicos, termina com a guerra do Vietnã. Mostra como, através da história, Governos tomaram conscientemente decisões contrárias a seus próprios interesses e persistiram nelas contra todas as evidências. E tenta entender por que líderes políticos frequentemente agem em sentido contrário aos ditames da razão e do próprio auto-interesse.
Erros são inerentes à natureza humana. Todos os cometemos. O que é estranho é persistir no erro mesmo sabendo que estamos errados. Quem se acha convencido da excelência de suas políticas frequentemente não se deixa abalar, por mais evidentes que sejam os sinais do fracasso. Persiste no erro. O poder, além de corromper, conduz à insensatez. E a responsabilidade do poder se dilui à medida que seu exercício se prolonga. Os exemplos e as experiências do passado estão aí. Replicam-se no Brasil de hoje com crescente licenciosidade.
Não terá chegado o momento de verdadeiramente transformar esse destino trágico que nos acompanha desde o Descobrimento? Nada mais eloquente do que o último parágrafo da Carta de Caminha ao Rei de Portugal. Depois de descrever as maravilhas do país, Caminha pede ao monarca a transferência e um emprego para seu genro Jorge da Cruz, então em São Tomé. Em se plantando tudo dá, e em se pedindo, tudo vem!
Norberto Bobbio, no seu livro sobre o envelhecimento, De Senectute, conta que, ao ouvir um palestrante fazer determinado contraste entre o pessimismo da inteligência e o otimismo da vontade, levantou-se e declarou para quem quisesse ouvir que o pessimismo de sua inteligência sempre foi acompanhado por certo pessimismo da vontade. O Brasil é essencialmente plural, unido por valores reais e imaginários. Fomos capazes de construir a duras penas um processo institucional democrático. Não sucumbimos ao pessimismo da vontade. Mas ainda não conseguimos - apesar de todos os progressos - estabelecer a coesão social desejada e conter a corrupção. Espero que não estejamos condenados ao fracasso, a tomar indefinidamente as decisões erradas, sabendo que são erradas!
São tempos tristes. Mas nossa democracia e nossa visão de um futuro melhor para o país não podem ser abaladas pela corrupção e pelo conchavo político. É tempo de tomar as decisões certas e não persistir no erro!
Luis Felipe de Seixas Corrêa é diplomata, chefiou a missão do Brasil na ONU e na OMC. Foi por duas vezes secretário-geral do Ministério das Relações Exteriores (1992 e 1999-2001).

Explosões matam ao menos 95 pessoas e deixam mais de 120 feridos na Turquia Bombardeio aconteceu durante manifestação pela paz na capital Ancara

AncaraTurquia - Ao menos 95 pessoas morreram neste sábado no atentado mais grave da histórica turca, lançado provavelmente por dois suicidas contra uma manifestação pacifista da oposição pró-curda, a três semanas das eleições legislativas antecipadas.

Às 10h04 locais (04h04 de Brasília) duas fortes explosões atingiram os arredores da estação de trem central de Ancara. Ali deveria ser realizada uma manifestação opositora em favor da paz, para denunciar a retomada há três meses do conflito entre as forças turcas e os rebeldes do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK).

Deniz Ilgun/AFP Photo


A esta hora já estavam reunidas no local as delegações de sindicatos e partidos políticos de esquerda, entre eles o principal grupo pró-curdo do país, o HDP, que chegaram de toda a Turquia para participar da manifestação.

"Ouvimos uma explosão forte e outra pequena. Ocorreu um grande movimento de pânico, e depois vimos cadáveres na esplanada da estação", declarou à AFP Ahmet Onen, um aposentado de 52 anos.

"Existem provas claras que demonstram que este ataque foi lançado por dois suicidas", afirmou à imprensa o primeiro-ministro turco, Ahmed Davutoglu, que também anunciou três dias de luto nacional pela tragédia.

Posteriormente, Davutoglu afirmou que as autoridades ainda não receberam nenhuma reivindicação do atentado. No entanto, apontou três movimentos que, em sua opinião, podem ser possíveis autores: o PKK, o Estado Islâmico (EI) e o partido Frente Revolucionária de Libertação do Povo (DHKP-C), de extrema-esquerda.

"Estamos diante de um massacre terrível. Foi cometido um ataque bárbaro", declarou o copresidente do HDP (Partido Democrático dos Povos, pró-curdo) Selahattin Demirtas, acrescentando: "Estamos diante de um Estado assassino que se transformou em uma máfia".

Em uma declaração, o presidente islamita-conservador Recep Tayyip Erdogan denunciou "este atentado abjeto contra nossa unidade e a paz de nosso país", e prometeu "a resposta mais forte" contra seus autores.

O ataque ocorreu a três semanas das eleições legislativas antecipadas, previstas para o dia 1º de novembro.

No local das explosões foram vistas cenas de caos. As ambulâncias recolhiam os feridos e a polícia isolou a região, constatou a AFP.

Duas horas após as explosões, os agentes precisaram disparar para o ar para dispersar os manifestantes, revoltados com a morte de seus companheiros nas explosões, e que gritavam "policiais assassinos", comprovou a AFP.

"Um massacre terrível"
A rede de informação NTV divulgou imagens de vídeo de um cinegrafista amador nas quais os manifestantes aparecem cantando e dançando de mãos dadas, e que subitamente caem no chão devido à potência da explosão.

"Vi um homem com a perna arrancada, caído no chão. Também vi uma mão seccionada sobre o asfalto", disse outra testemunha, Sahin Bulut, membro da Associação de Engenheiros de Istambul. "É como em Suruç", acrescentou.

No dia 20 de julho, um atentado suicida atribuído ao grupo Estado Islâmico (EI) matou 32 militantes da causa curda na cidade turca de Suruç, próxima da fronteira síria.

Após o atentado de Suruç se intensificaram os confrontos entre o exército turco e os rebeldes do PKK, que lançaram pelos ares um frágil cessar-fogo em vigor desde março de 2013.

Mais de 150 policiais ou soldados morreram desde então em atentados atribuídos ao PKK. As autoridades turcas afirmam, por sua vez, que eliminaram mais de 2.000 membros do grupo rebelde em suas operações de represália.

Sem mencionar o atentado, o PKK anunciou neste sábado a suspensão de suas atividades antes das eleições.

"Nosso movimento decretou um período de inatividade de nossas forças de guerrilha, salvo se nossos militantes e combatentes forem atacados", anunciou em um comunicado a União de Comunidades do Curdistão (KCK), que reúne todos os movimentos rebeldes.

"Não faremos nada que possa impedir eleições justas", acrescentou o movimento.

Diante da tensão do clima político, a chefe da diplomacia europeia, Federica Mogherini, convocou a Turquia a permanecer unida diante dos terroristas.

A Casa Branca denunciou através de seu porta-voz do Conselho de Segurança Nacional (NSC), Ned Price, um "atentado horrível" e prometeu o apoio dos Estados Unidos à luta contra "o flagelo do terrorismo".

Já o presidente francês, François Hollande, condenou um ato odioso, e a chanceler alemã, Angela Merkel, criticou um ataque contra "os direitos cívicos, a democracia e a paz".

Nas legislativas de 7 de junho, o partido de Erdogan perdeu a maioria absoluta que tinha no Parlamento há 13 anos, em parte graças ao bom resultado do HDP.

Depois do fracasso das negociações para formar um governo de coalizão, Erdogan convocou eleições antecipadas nas quais espera recuperar a iniciativa política.

Singer: “A democracia vai pagar um preço alto se o impeachment vingar”

André Singer, em sua sala na Universidade de São Paulo (USP). / FERNANDO CAVALCANTI
As crises política e econômica vividas por Dilma Rousseff poderiam ser explicadas por um ditado: a presidenta cutucou onças com vara curta. A análise é feita pelo professor de ciência política da USP, André Singer, em seu novo artigo, publicado na revista Novos Estudos, do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap).
No trabalho, ao qual o ex-porta-voz do Governo Lula se dedicou por um ano e meio, ele diz que com a intenção de acelerar o lulismo (que ele define como a política implementada pelo ex-presidente que atraiu o apoio dos mais pobres ao PT sem entrar em atrito com os mais ricos) por meio do “ativismo estatal” Rousseff trouxe para si muitos inimigos. Enquanto a própria presidenta faz mea culpa sobre sua política econômica do primeiro mandato e corre para tentar equilibrar as contas públicas, Singer a defende. Diz que a presidenta foi ousada ao abrir confronto aberto com os bancos e ao insistir para manter os juros baixos e a política de pleno emprego. Para ele, o problema é que essas medidas não foram apoiadas por uma mobilização dos trabalhadores que as sustentasse. É a conjunção desses fatores que ajudam, segundo o professor, a explicar a situação atual. Para reconquistar o apoio do mercado, a presidenta acabou adotando uma política de ajuste fiscal que, para Singer, foi um erro.
Expoente da esquerda do PT e alinhado às críticas do partido ao ministro da Fazenda, Joaquim Levy, ele faz um apelo: defende um acordo mínimo entre PT, PMDB e PSDB para evitar que a crise política ponha em risco "30 anos de construção democrática e social". Do seu desfecho, diz, dependerá o futuro do Brasil e da esquerda por muito tempo.
Pergunta. Quais diferenças entre os Governos Lula e Dilma que a levaram a essa crise, já que a presidenta colocou em prática, de certa forma, uma política de continuidade no primeiro mandato?
O curioso é que a sociedade brasileira parece que esqueceu isso. Eu diria que até a própria esquerda esqueceu. Eu tenho sido muito crítico da atual política econômica que Dilma escolheu, mas acho importante registrar que ela vem depois de um período de muita coragem política, muita ousadia.Resposta. A presidenta Dilma optou por um caminho de confronto aberto. Fez uma aliança estreita com o setor industrial da burguesia, enquanto abria um confronto explícito com o setor financeiro. A regra de ouro do lulismo, que é fazer as mudanças sem confronto, não foi seguida por ela. Dilma optou por explicitar o conflito, o que ficou muito claro em 2012, no discurso que ela fez no Primeiro de Maio, em que disse que os bancos seguem uma lógica perversa [de lucro]. Antes disso, já havia existido um confronto aberto entre a Federação Brasileira dos Bancos e o ministro Guido Mantega, da Fazenda.
A segunda diferença importante é que o presidente Lula, de modo geral, governou em um período que se chama de boom das commodities. E ele aproveitou isso excepcionalmente bem para fazer uma política de retomada do crescimento com redução da pobreza. No período que vai começar em 2008, com a crise financeira internacional, ele é obrigado a fazer algumas modificações e as faz com grande êxito, apelando para o setor público, para os bancos públicos, para redução de impostos. Assim, consegue fazer com que a economia brasileira volte a crescer rapidamente em 2010. A presidenta pega um período muito diferente, que é o começo de uma segunda onda de crise que vai resultar em uma estagnação que ninguém sabe quando vai parar. Acaba havendo uma situação de semi-paralisia da economia mundial, diante da qual ela tenta fazer o país crescer por meio da reindustrialização, o que é uma opção tipicamente desenvolvimentista. Nesse sentido, ela foi uma continuidade da política econômica de Lula, mas uma continuidade que tentou, por assim dizer, acelerar o lulismo.
P.  Na sua leitura, o confronto aberto de Dilma era com o capital financeiro, com os bancos. Mas a classe industrial, que foi beneficiada pela política desenvolvimentista, rompeu com ela em dado momento. Por quais motivos?
R. Ao final do segundo Governo Lula estava nitidamente posta uma aliança entre a classe trabalhadora organizada e o setor industrial. Isso se reflete claramente em um acordo que foi feito entre a Fiesp, a CUT e a Força Sindical em maio de 2011, quando elas lançam um documento comum. Todas as principais reivindicações que estavam neste documento foram cumpridas pela presidenta: redução dos juros, desvalorização do real, favorecimento do produto nacional, combate ao capital especulativo, política industrial, desoneração da folha de pagamento... Mas por volta do final de 2012, a burguesia industrial começa a se afastar, apesar de todas as reivindicações terem sido atendidas.
O porquê disso é a pergunta central do meu artigo. Não há uma resposta clara, por enquanto. Mas há uma série de hipóteses, que podem ser na realidade complementares.
O PT está sendo obrigado a sustentar uma política para a qual não foi consultado e que nega seus princípios fundamentais
Uma delas é que já há um certo envolvimento estrutural entre atividades industriais e as atividades financeiras e a própria burguesia industrial também tem interesses financeiros. Outra é que a burguesia industrial também está bastante relacionada com o capital internacional, que a partir de um certo momento passou a reagir muito mal às políticas, porque toda a força do Governo foi em tentar conter os juros.
Uma terceira hipótese é que a política desenvolvimentista teve o efeito de uma redução do desemprego que se estabilizou em uma situação de pleno emprego no primeiro mandato da presidenta. Isso se traduz em um aumento da renda dos trabalhadores, que em boa medida é obtida por meio de um aumento de greves. O professor [de sociologia da USP] Ruy Braga mostrou que 2012 e 2013 foram anos de muitas greves. Greves levam a concessões salariais e a um aumento do custo do trabalho. Começamos a ver nitidamente, a partir de 2012, lideranças empresariais dizendo que com este custo do trabalho no Brasil a indústria brasileira não é competitiva e, portanto, é preciso fazer alguma coisa para modificar isso. O que se pode fazer para modificar isso é produzir desemprego, que é a forma clássica de reduzir o custo do trabalho. No momento em que esta questão entra em cena, o confronto entre o interesse dos trabalhadores e das lideranças empresariais é total e a unidade que havia se desfaz. Lentamente, vemos os empresários industriais passando para o lado da coalizão rentista, formada originalmente pelo setor financeiro e pela classe média tradicional, se alinhando em torno das ideias de ajuste recessivo ao qual nós vamos finalmente chegar [neste ano].
Há ainda uma última hipótese [para o rompimento]: tem havido uma queda na taxa de lucro a partir de 2012. Evidentemente que envolvida nessa questão da queda da taxa de lucro está o fato de que a economia parou de crescer.
P. Você menciona a influência dos protestos de 2013 neste quadro. Como ela se deu?
RNas manifestações de 2013, esse recuo [da classe industrial] ainda não estava claro, provavelmente ainda estava em processo. As manifestações tenderam a apressar essa mudança de posição. O que ocorreu ali foi um episódio completamente inesperado, é preciso que se diga. Alguns aspectos eram previsíveis, como, por exemplo, o aumento das tensões urbanas. O lulismo foi mais bem-sucedido em modificar as condições de vida em áreas muito pobres do que nos grandes centros urbanos, onde isso custa mais caro. Mas não era previsível que essas tensões fossem ocasionar uma entrada em cena de setores da classe média, do centro e de direita. A entrada desses setores acelerou esse processo de conformação de uma frente única antilulista, que reuniu toda a burguesia e a classe média tradicional. Neste aspecto específico, junho de 2013 foi o ensaio geral do que está acontecendo hoje.
P. E como se explica esse sequestro de uma manifestação de esquerda por setores mais conservadores?
R. Ela não chegou, na minha opinião, a ser sequestrada pelos setores mais conservadores. A manifestação começa como expressão dessas tensões que eu manifestei anteriormente e puxadas pela esquerda, mas acaba servindo como uma janela de oportunidade para setores que estavam desejosos de se manifestar ao centro e à direita desde 2005, mas que nunca tinham conseguido espaço para ir à rua. Eles pegaram carona, usaram as manifestações de esquerda como se fossem a expressão de uma insatisfação geral.
Em parte, isso se explica pela entrada no Brasil das redes sociais como fator de mobilização. A gente não estava preparado para isso, mas de alguma forma já havia acontecido na Primavera Árabe. Elas conduzem aquilo que um antigo autor aqui da USP [Georges Gurvitch] chamava de ‘correntes livres do psiquismo coletivo’ de uma maneira subterrânea, que quem não está nas redes não percebe. Vai criando uma onda que, de repente, emerge.
P. Outros países que também tiveram ondas de insatisfação, como a Espanha e a Grécia, por exemplo, viram o surgimento de partidos de esquerda. No Brasil, o movimento de esquerda que foi para as ruas em um primeiro momento não se organizou. Por quê?
R. O sentido dessas manifestações é completamente diferente, porque são histórias nacionais inteiramente distintas. Na Espanha e na Grécia, as manifestações eram orientadas para esquerda contra as políticas de austeridade. Aqui no Brasil você tinha o contrário. Havia um processo de um Governo já de 12 anos buscando manter uma política de redistribuição de renda. É uma política de redistribuição de renda lenta, porque ela pretendia ser sem confronto, porém contínua, num país de enormes desigualdades sociais.
Em junho de 2013 há duas tendências totalmente opostas. Tem a primeira fase, que são manifestações de esquerda que querem uma radicalização do lulismo, com mais investimentos públicos nas áreas sociais, sobretudo educação, saúde e transporte. Depois você tem protestos contra essa política. Alguns mais radicais, de direita, que a rejeitam por completo e querem revogar o lulismo. E outros de setores do centro, de uma classe média que ou não foi contemplada pelo lulismo ou que se sente relativamente prejudicada por ele, e que é muito influenciada pelas denúncias de corrupção que se avolumam desde o Mensalão. Essa camada tem a percepção de que essa política do lulismo não é suficientemente moderna. Isso é uma tradução do que vem propondo Marina Silva: 'vamos modernizar a política brasileira, vamos transformá-la numa política mais transparente, mais participativa, com maior planejamento'. No caso de junho de 2013, e isso talvez seja o singular, nem sequer se pode dizer qual foi a orientação do movimento. Não teve uma orientação. Foram várias e antagônicas.
Já hoje, o que nós estamos vivendo é uma enorme pressão contra o Governo que fez essa política de redistribuição lenta da renda, mas que também, paradoxalmente, resolveu adotar de uma hora para outra a política econômica do adversário. Fez o inverso do que disse que faria na campanha. E mesmo tendo adotado esta política econômica, continua sendo objeto de intensa pressão da direita, que gostaria de eliminar por completo essa alternativa do cenário brasileiro. Veja como é complexo. O Brasil teve nos últimos 12 anos uma política moderada, porém à esquerda. O que está agora em questão é se isso vai continuar, se sofreu uma interrupção e pode voltar, ou se isso vai ser, digamos, escanteado por muito tempo.
P. Mas a política atual já não se tornou conservadora?
R. Ela já mudou. O que nós não sabemos é qual a duração disso. E é claro que o que está em curso é uma virada conservadora, do ponto de vista da política do Governo e também do crescimento de setores de direita. Porém, o Governo continua sendo de forças da centro esquerda. Ele está, neste momento, tentando manejar uma situação extremamente difícil. Essa mudança causou uma recessão no país, o Governo ficou muito impopular, está com uma base parlamentar muito fragmentada, ameaçado de impeachment. Estamos vivendo no Brasil uma crise política séria e o desfecho dela vai determinar o rumo [do Brasil] provavelmente por um bom tempo.
P. E por que houve essa mudança em relação ao que se dizia na campanha?
R. A minha interpretação é que isso foi feito para recuperar a confiança da burguesia. Se adotou uma política de ajuste fiscal que vinha sendo exigida pela burguesia em bloco e que, ao meu ver, foi um grande erro. O ajuste fiscal provocou essa recessão profunda que nós estamos vivendo e que vai prosseguir no ano que vem. Começam a se viver no Brasil enormes custos sociais. Parecidos com os da Europa, porém em um país com muito menos proteção social e de muito maior desigualdade. Portanto, com consequências ainda mais graves. Foi um grande erro ter feito esse ajuste, embora eu compreenda que a motivação tenha sido recuperar pontes com a burguesia, sem a qual talvez seja muito difícil gerenciar um país capitalista. Mas, se o custo era esse e o risco era esse que nós estamos vendo, talvez o melhor fosse fazer uma política mais moderada. Ou seja, não fazer essas concessões e tentar desenhar uma política a qual fosse possível somar suficiente força de setores sociais para tentar atravessar esse período difícil da economia mundial em condições melhores.
P. No artigo você fala que faltou essa mobilização da classe trabalhadora antes, para sustentar o desenvolvimentismo do primeiro mandato.
R. Para fazer essa política mais aberta, de confronto, Dilma teria que ter simultaneamente organizado setores da sociedade que estivessem dispostos a apoiá-la. É flagrante como ao não fazer isso se gerou um vácuo em torno dessa política que explica até mesmo o fato dela ter sido pouco conhecida. Essa política foi feita de tal maneira que a sociedade não percebeu que ela estava acontecendo.
P. Por que não houve esse diálogo?
R. Não sei responder. O que se pode constatar é que faltou mesmo um cuidado com a política e faltou tirar todas as consequências daquilo que se estava fazendo. Como eu disse, era uma política corajosa, audaz. Mas para isso você precisa reunir forças que possam sustentar uma ação desse tipo.
P. O Lula não teria cometido esse erro?
R. A política do presidente Lula foi a de sempre buscar saídas que não passassem pelo confronto. Talvez se possa dizer que, de novo, isso esteja em curso. Ele está tentando resolver esta crise bem complicada, sem nenhum tipo de radicalização.
P. O PT criou um conselho de notáveis para analisar a situação do partido e orientá-lo a sair da crise, considerada grave. Você foi convidado a fazer parte. Por que não aceitou?
R. Fiquei muito honrado com o convite, continuo no PT, mas me parece que eu ajudo mais com as análises que eu tenho tentado fazer fora do conselho do que participando dele.
Estamos vivendo no Brasil uma crise política séria e o desfecho dela vai determinar o rumo [do Brasil] provavelmente por um bom tempo
Mas eu acho que a situação do PT neste momento é, sim, muito difícil. O partido está sendo obrigado a sustentar uma política para a qual não foi consultado e que nega seus princípios fundamentais. O PT mudou muito nos últimos 12, 15 anos, mas foi fundado para defender os interesses dos trabalhadores. E esta política é contrária aos interesses dos trabalhadores. Ter que apoiar essa política cria uma situação muito difícil. Por outro lado, o partido é de fato o principal partido do Governo e não pode abandonar a presidenta. Então, o que eu tenho defendido é que ele precisa requalificar a sua relação com a Presidência da República, mostrando que é fundamental que o partido passe a ser ouvido e tenha uma voz ativa nas decisões a serem tomadas.
As denúncias da Operação Lava Jato também são muito graves e o PT não está conseguindo apresentar respostas a contento para elas. É verdade que essa operação pode ter uma série de problemas tanto em relação a garantia dos direitos individuais quanto a uma certa seletividade das investigações, uma vez que existem vários partidos investigados e o peso maior recai sempre sobre o PT. Mas o partido tem que dar respostas porque estas denúncias não param de surgir e a opinião pública fica tremendamente impactada por ela. Precisa apresentar uma narrativa mais completa do que possivelmente aconteceu ou afastar temporariamente os que estão sendo indicados.
P. A esquerda formou a Frente Povo Sem Medo com o objetivo de tentar forçar o Governo a mudar as políticas de austeridade. Como vê isso?
R. Acho que a formação desta frente, assim como a formação da Frente Brasil Popular, algumas semanas atrás, são tentativas extremamente importantes da esquerda de encontrar uma forma de enfrentar esta situação adversa unida. A história mostra que se não houver mobilização, não haverá possibilidade de defender as conquistas. Trata-se de uma mobilização defensiva. Naquele momento de 2012, 2013 poderia ser uma mobilização ofensiva, que não foi feita. Infelizmente a retomada da política de 2012 agora não é possível. Mas interromper esse processo e propor uma saída de médio prazo, mais equilibrada, eu acho possível.
P. Você já citou a necessidade de uma aliança entre diversas correntes políticas. Acha que isso é possível?
R. Tenho falado sobre a possibilidade de um acordo mínimo em função da situação ter ficado muito grave no Brasil. O que está em questão são 30 anos de construção democrática e social. Essa proposta de impeachment, que infelizmente está crescendo na sociedade, é uma proposta golpista e a democracia brasileira vai pagar um preço alto se isso acabar acontecendo porque não há nenhum motivo justificável para levantar essa tese. Está se procurando um pretexto para interromper o mandato dela como se o Brasil fosse um Parlamentarismo. Seria um retrocesso dentro de uma construção democrática que é talvez a principal conquista que a sociedade brasileira obteve nesses 30 anos.
Em segundo lugar, nós estamos nesse processo de crise econômica, a mais grave desde o começo dos anos 90. Quando você não tem uma estabilidade política, os agentes econômicos não sabem a que se ater. É preciso parar esse processo. É preciso criar um horizonte de médio prazo em que você possa primeiro afastar esta aventura golpista e depois dizer que se completará um ciclo X de diminuição da atividade econômica e partir de um ponto Y se retomará lentamente o crescimento brasileiro. Isso precisa ser negociado. Seria maduro que o Brasil negociasse isso. Nós temos consolidados três maiores partidos que são PT, PSDB e PMDB. Essas lideranças poderiam ser chamadas pela presidenta de forma a tentar estabelecer uma negociação.

Filha de Aidar sugere a renúncia do pai: 'Queremos a paz de volta'

Aidar durante desembarque do São Paulo em Guarulhos© Gazeta Press Aidar durante desembarque do São Paulo em Guarulhos A gestão do presidente Carlos Miguel Aidar pode estar com os dias contados no São Paulo. A filha do mandatário, Mariana, publicou mensagens em sua conta no Twitter indicando que a família do dirigente é favorável à entrega do cargo. O presidente, que enfrenta acusações de desvio de dinheiro e outras irregularidades administrativas no Tricolor, já havia ouvido de conselheiros próximos e dos sócios de sua firma de advocacia que a renúncia era a decisão mais sábia a ser tomada neste momento.
"Saindo da casa do meu pai. Eu e minhas irmãs tivemos uma longa conversa com ele, para entender tudo o que está acontecendo", postou Mariana. "Só queremos a paz de volta em nossas vidas. Nem que para isso ele tenha que sair da presidência".
A situação de Aidar se agravou após a briga em que ele se envolveu com o ex-vice-presidente de futebol do São Paulo, Ataíde Gil Guerreiro, na última segunda-feira. Exonerado do cargo por agredir o presidente, Ataíde enviou aos conselheiros são-paulinos um e-mail dizendo possuir provas de que o mandatário usou sua posição no clube para realizar negócios fraudulentos. Consta entre as evidências uma gravação em que Aidar supostamente detalha o desvio da comissão envolvida na contratação de um jogador da Portuguesa.
Aidar vê grandes perdas para o São Paulo após eliminação: 'Financeiramente é ruim'.© Reprodução TV Aidar vê grandes perdas para o São Paulo após eliminação: 'Financeiramente é ruim'. Fontes que tiveram acesso ao material disseram que as provas são ?muito fortes? e poderiam desencadear um processo de impeachment contra Aidar. Mas os próprios opositores do presidente afirmam que a medida demandaria tempo e afetaria a credibilidade do São Paulo.
Acredita-se que Aidar definirá sua situação nesta próxima semana. Caso o dirigente não resista à pressão interna e anuncie a renúncia, o presidente do Conselho Deliberativo, Carlos Augusto de Barros e Silva, o Leco, assumirá o clube e convocará eleições para 30 dias. Fortalecido nos bastidores do Tricolor, Leco é visto como o candidato mais forte a concorrer em um eventual pleito para suceder o atual presidente.

sábado, 10 de outubro de 2015

Uber rejeita modelo de "táxi preto" em SP e consegue liminar contra proibição no RJ

As prefeituras de São Paulo e Rio de Janeiro proibiram o Uber, cada uma à sua maneira - mas o serviço está reagindo.
Em São Paulo, o Uber não vai se inscrever no novo modelo de "táxi preto" criado por Fernando Haddad, e continuará em operação; no Rio, a empresa conseguiu uma liminar que suspende a proibição do serviço na cidade.
Na capital paulista, será lançado em 60 dias um edital para selecionar os motoristas do "Táxi Preto", que terá exigências semelhantes às do Uber: veículos de cor preta com quatro portas, ar-condicionado, e tela indicando o percurso da corrida - eles só funcionarão com um aplicativo e não contarão com um taxímetro.
No entanto, o Uber afirma à Folha que decidiu não participar do edital. A empresa diz em nota que "não é uma empresa de táxi e, portanto, não se encaixa em nenhuma categoria deste tipo de serviço". Eles ainda afirmam que o PL 349/2014, sancionado por Haddad, é "notoriamente inconstitucional".
Ao contrário do Uber, o "táxi preto" terá tarifas diferenciadas, até 25% mais caras, e vai exigir um alvará que deve custar R$ 60 mil, válido por 35 anos.
Enquanto não sair a regulamentação, o Uber continuará funcionando normalmente em São Paulo. A prefeitura considera que os carros são clandestinos por não haver uma regulamentação desse serviço na cidade; mas, segundo a Folha, os fiscais alegam que é difícil identificar esses veículos.
O presidente do sindicato dos taxistas, Natalício Bezerra, aprovou a decisão de Haddad: "a única coisa que eu não sabia é que ele vai dar 5.000 alvarás para os motoristas que estão na ativa. E eu acho que isso é maravilhoso, porque esse pessoal está aguardando um alvará há muito tempo", disse ele à Folha.
Enquanto isso, no Rio de Janeiro, o Uber obteve uma liminar na Justiça autorizando seu funcionamento na cidade.
© Reprodução
Na semana passada, o prefeito Eduardo Paes sancionou o PL 122/2015, que estipula multa para qualquer motorista não-autorizado caso seja pego em serviço.
O Uber prometeu recorrer na Justiça, e assim foi feito. Nesta quinta-feira, a empresa conseguiu uma liminar a seu favor: qualquer órgão que impeça as atividades dos motoristas do Uber estará sujeito a R$ 50 mil de multa. Isso inclui o Detro-RJ (Departamento de Transportes Rodoviários do Estado do Rio de Janeiro) e a Secretaria Municipal de Transportes do RJ.
A juíza Mônica Ribeiro Teixeira, da 6ª Vara da Fazenda Pública, escreve em sua decisão: "não pode o Estado, de forma geral, proibir atividade econômica lícita, aberta à iniciativa privada e à livre concorrência, sob pena de afrontar garantias constitucionais".
O Uber afirma em nota que continua a operar na capital carioca.