O presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), em sessão nesta quinta-feira (20) (Foto: Alex Ferreira/Câmara dos Deputados)
A Procuradoria informa na denúncia que identificou 60 operações de lavagem de dinheiro, entre as quais remessas ao exterior, entrega de dinheiro vivo, simulação de contratos de consultoria, emissão de notas frias e transferências para uma igreja vinculada a Cunha, a título de doações religiosas.
PressãoDe acordo com as investigações, após o fornecimento das sondas, a Samsung Heavy Industry parou de pagar as comissões a Júlio Camargo, o que teria levado
Eduardo Cunha a pressionar para voltar a receber a propina.
Para isso, segundo a PGR, a então deputada Solange Almeida (PMDB-RJ), aliada de Cunha, apresentou à Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara requerimentos pedindo ao Tribunal de Contas da União (TCU) e ao Ministério de Minas e Energia informações sobre Júlio Camargo, Samsung Heavy Industry e o grupo Mitsui, envolvido nas negociações de um dos contratos. Conforme a denúncia, Cunha foi o autor "material e intelectual" dos requerimentos –
ele nega.
Depois da apresentação dos requerimentos, Júlio Camargo procurou o ex-diretor da Petrobras
Paulo Roberto Costa – preso na Lava Jato e que também fez acordo de delação premiada – para reclamar da pressão pela retomada do pagamento da propina, diz a denúncia da PGR.
Segundo o texto da denúncia, Júlio Camargo pediu a Costa uma reunião com o então ministro de Minas e Energia,
Edison Lobão, do PMDB. Essa reunião teria ocorrido em 31 de agosto de 2011, na base aérea do aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro, segundo relata a Procuradoria com base em depoimento de Camargo, que no encontro teria relatado a Lobão as pressões que vinha sofrendo.
"Isso é coisa do Eduardo", teria afirmado Lobão, segundo reproduz a denúncia. Em seguida, diante de Camargo, o ministro teria telefonado para o deputado e indagado: "Eduardo, estou com o Júlio Camargo aqui do meu lado. Você enlouqueceu?".
Após a suposta reunião com Lobão, Camargo teria relatado para Fernando Baiano a conversa com o então ministro. Segundo o texto da denúncia, ele disse que ouviu de Fernando Baiano: "Você pode falar com quem você quiser. Enquanto não pagar o que você deve, a pressão continuará cada vez maior".
Júlio Camargo resolveu pedir ajuda ao doleiro
Alberto Youssef para que ele negociasse uma solução com Eduardo Cunha, segundo a narrativa da PGR. Youssef respondeu que a única alternativa era pagar os valores devidos a Eduardo Cunha, diz o texto da PGR.
Camargo recorreu então a Fernando Baiano que marcasse um encontro pessoal com Eduardo Cunha. De acordo com a Procuradoria, o encontro se deu em setembro de 2011, em um domingo à noite, numa sala de um prédio comercial do Leblon, no Rio de Janeiro.
Segundo relato de Camargo reproduzido na denúncia, Cunha disse não ter nada de pessoal contra ele, mas que era necessário uma solução para a retomada dos pagamentos da propina.
"Julio, em primeiro lugar, quero dizer que não é nenhum problema pessoal em relação a você. O problema que eu tenho é com o Fernando e não com você. Acontece que o Fernando não me paga porque diz que você não o paga. Como o Fernando não tem capacidade de me pagar, eu preciso que você me pague", disse Cunha, segundo reproduziu a PGR.
De acordo com o texto, depois dessa reunião, os pagamentos teriam sido retomados.
A denúncia apresentada nesta quinta pelo procurador-geral não esgota a investigação do parlamentar. Isso porque uma parte da investigação – a que se refere à suposta entrega de dinheiro a aliados de Cunha – ainda continuará em apuração em inquérito que tramita no
Supremo Tribunal Federal.
Nos primeiros depoimentos à Justiça, Julio Camargo não mencionou o nome do deputado. Posteriormente, mudou a versão e passou a incriminar Cunha. Segundo a defesa de Camargo, ele não falou antes sobre o envolvimento do presidente da Câmara por “receio” de sofrer retaliação.Cunha nega as acusaçõesEduardo Cunha sempre
negou ser o autor dos requerimentos de Solange Almeida e disse que jamais recebeu propina no esquema da Petrobras.
Eduardo Cunha afirma que o procurador-geral da República atuou em conjunto com o Executivo para convencer Júlio Camargo a “mentir” e incriminá-lo. Depois que Julio Camargo acusou Cunha, o deputado anunciou rompimento com o governo e disse que passaria a atuar como deputado de oposição.
Na noite desta quarta-feira, Eduardo Cunha afirmou que, mesmo denunciado,
não se afastará da presidência da Câmara. “Eu não farei afastamento de nenhuma natureza. Vou continuar exatamente no exercício pelo qual eu fui eleito pela maioria da Casa. Absolutamente tranquilo e sereno com relação a isso”, disse na noite de quarta (20).
O líder do PMDB na Câmara, deputado Leonardo Picciani (RJ), aliado de Eduardo Cunha, disse acreditar que a denúncia não é motivo suficiente para um afastamento dele do comando da Câmara, como quer um grupo de parlamentares de diferentes partidos, entre os quais
PSOL,
PSBe PT. Eles avaliam formular um pedido para Cunha renunciar ou requerer ao Conselho de Ètica a abertura de um processo por quebra de decoro parlamentar.
Picciani defendeu que não haja uma condenação antecipada e disse que a “presunção de inocência" serve para qualquer cidadão, inclusive o presidente da Casa.
“Num Estado de Direito, qualquer cidadão pode vir a ser réu. O que precisa é concluir o julgamento. Apenas a condenação pode delimitar isso. Qualquer coisa diferente disso é uma antecipação de condenação, de suposições que não condizem com o Estado de Direito, seja para o presidente da Câmara quanto para qualquer cidadão”, afirmou.
Advogado e PMDB
O advogado Antonio Fernando de Souza, responsável pela defesa de Cunha, afirmou ao G1 que ainda não teve conhecimento do teor da denúncia.
“Quando tivermos acesso, vamos preparar a defesa. Mas não podemos adiantar nada, porque não sabemos nada ainda. Vamos aguardar para ver no que consistiu a denúncia, vamos examinar antes”, declarou.
O G1 procurou a direção nacional do PMDB, mas a assessoria do partido informou que não se manifestaria sobre a denúncia contra Cunha e a ex-deputada Solange Almeida.
A denúncia contra Collor
O senador e ex-presidente da República Fernando Collor foi denunciado por pelo menos dois crimes – corrupção ativa e lavagem de dinheiro. O teor da denúncia contra Collor não foi divulgado porque cita trechos de delações premiadas ainda não validadas pela Justiça.
As investigações da Operação Lava Jato apontam que o senador Fernando Collor de Mello (PTB-AL) recebeu, entre 2010 e 2014,
R$ 26 milhões como pagamento de propina por contratos firmados na BR Distribuidora.
Delatores da Lava Jato afirmaram que chegaram a pagar faturas de cartão de crédito de Collor e que o senador recebeu parte da propina em dinheiro vivo e em mãos.
Antes de o dinheiro chegar às mãos do ex-presidente da República, afirmaram esses delatores, a quantia teria circulado em um carro-forte de uma empresa de valores e em carros blindados.
Entregador do doleiro Alberto Youssef, preso na Lava Jato, o depoente Rafael Ângulo disse que entregou dinheiro vivo a Collor no apartamento dele, em São Paulo – R$ 60 mil em notas de R$ 100.
De acordo com os delatores, o principal articulador do acordo que teria resultado em propina para dirigentes da BR e para o próprio senador foi Pedro Paulo Leoni Ramos, ministro de Assuntos Estratégicos do governo Collor.
Youssef narrou, em depoimento, ter sido procurado por Leoni Ramos para lavar dinheiro desviado da BR Distribuidora.
A investigação apontou que parte do dinheiro desviado teria sido usado por Collor para a compra de carros de luxo em nome de empresas de fachada.
Em julho, a
Polícia Federal apreendeu três veículos de luxo na casa de Collor em Brasília: uma Ferrari, um Porsche e uma Lamborghini. Segundo as investigações, os veículos foram comprados com dinheiro de propina supostamente recebida no esquema – o senador nega.
Conforme a apuração, os carros não estão em nome de Collor, mas sim, em nome de empresas de fechada. Dois carros são propriedade da Água Branca Participações, empresa de Collor que, conforme investigadores, não tem funcionários e é usada para lavagem de dinheiro.
As investigações também indicaram que as prestações do financiamento do Lamborghini estão atrasadas. Para a cúpula da Lava Jato, os pagamentos pararam em razão da operação, porque a propina parou de ser distribuída. Já existe, inclusive, um processo na Justiça de São Paulo para reaver o bem em razão da inadimplência.
Collor nega as acusações
Desde que foi mencionado nas investigações, Collor sempre negou as acusações e disse estranhar a inclusão de seu nome na lista de políticos supostamente envolvidos no esquema.
Em diversas ocasiões, o senador subiu à tribuna do Senado para criticar a condução da Operação Lava Jato pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Collor chegou a usar um
palavrão para xingar Janot em um desses discursos.
Para o ex-presidente, Janot promoveu "vazamentos seletivos" em uma "sórdida estratégia midiática". Ele também acusou o procurador-geral de ter orquestrado as investigações para vinculá-lo ao esquema de corrupção que atuava na Petrobras.
No dia em que contestou a denúncia de que recebeu R$ 26 milhões em propina, o senador do
PTBdisse “nada ter a ver” com os fatos a ele imputados. E declarou ter certeza de que “a verdade, mais uma vez, virá à tona”.
Quanto aos
carros de luxo apreendidos pela Operação Politeia, um desdobramento da Lava Jato, o senador disse que são propriedade de empresas das quais é sócio majoritário e afirmou que é o responsável pelos seus financiamentos. Para ele, a apreensão dos veículos superesportivos foi "espetaculosa" e midiática".
No discurso em que xingou o procurador-geral na tribuna do Senado, Collor voltou a dizer que as acusações contra ele são "ilações".
“Reafirmo que tudo não passa de ilações. São falsas versões impingidas à opinião pública de forma a esterilizar a verdade, a escamotear as reais intenções midiáticas do procurador-geral da República e a impor a narrativa que a ele interessa", disse Collor no discurso.
Advogado e PTB
Ao G1, o vice-presidente do PTB, deputado Jovair Arantes (GO), afirmou que, para ele, a denúncia da PGR, a investigação por parte do STF e a defesa do senador Fernando Collor fazem parte do processo democrático. O dirigente do PTB disse estar certo de que Collor "irá se defender de maneira adequada.
"Eu acho que não é o caso de ele [Collor] ser expulso do partido. Ele tem o direito dele à ampla defesa, ele vai se defender, preparar suas respostas. Quem vai decidir se ele é culpado ou não é a Justiça. Eu acho muito arriscado você condendar alguém se a Justiça julgar, chegar a uma conclusão. Ele precisa ainda apresentar sua defesa", ressaltou o vice-presidente do PTB.
O G1 procurou o advogado Fernando Neves, que defende o senador Fernando Collor, mas não tinha conseguido contato com ele até a última atualização desta reportagem.