Olavo de Carvalho é um escriba de direita atípico. Não porque não repita todos os enfoques usuais e os temas prediletos dos reaças – família, feminismo, cotas raciais, movimento gay, a conspiração esquerdista etc. Mas porque seu gosto conspiratório o leva às vezes a afirmações bizarras, como a de que a Pepsi usava células de fetos abortados como adoçante.
Olavo também se expressa, às vezes, com grande inconveniência, e produz um humor involuntário e delirante. Causou sensação a sua descrição do pênis: “Vocês já viram um p* humano? Eu jamais permitiria que alguém introduzisse na minha pessoa aquela coisa medonha, execrável salsicha viva que cospe. Quando uma mulher consente que você faça isso nela, você deveria sentir-se humildemente grato em vez de se gabar de que seu peru é irresistível”.
De repente, suas inimigas por definição, feministas estavam compartilhando animadamente sua postagem, e a figura épica da “execrável salsicha viva que cospe” memetizou. No sábado passado, Olavo mandou outra grosseria engraçada no twitter. “O que é mais difícil de levantar? O ibope da Dilma ou o p* do Jô Soares?”. Eu ri.
Não por causa da usual obsessão masculina com o membro, mas porque Olavo, de certa forma, acertou no alvo. O comportamento de Jô Soares com a assim chamada presidenta na entrevista de sexta para sábado traduz uma confissão de impotência política, e de oportunismo e compadrio se sobrepondo ao jornalismo.
O talk show, arte norteamericana por excelência, se constrói num território movediço. O entrevistador é um interlocutor do poder (político, social, cultural), e não pode nem descontruí-lo excessivamente, nem se render a ele. O humor é usado como calibrador dessa relação: assim é possivel mencionar verdades duras sem ser totalmente ofensivo ou confrontacional, ao mesmo tempo em que se extraem do entrevistado declarações inusitadas.
De vez em quando a coisa escapa ao controle, como nos azedamentos entre David Letterman (um dos modelos de Jô, junto ao concorrente Jay Leno) com gente como Madonna ou Jim Carrey. Letterman, que acaba de se aposentar, passou por um perrengue mais grave, quando teve que confessar publicamente que se relacionava sexualmente com moças de sua equipe, para escapar de uma tentativa de chantagem em 2009. Até nesse caso escapou com habilidade e humor.
Jô não é muito elegante em relação a Letterman – e a Leno. Apesar das semelhanças meio absurdas de detalhes de seu programa com as matrizes – caneca, cenário, interação humorística com os músicos –, Jô se considera herdeiro direto dos clássicos antecessores. Principalmente Johnny Carson, 30 anos à frente do Tonight Show (tendo sido sucedido por Leno em 1992, o que abriu a rivalidade com Letterman, que mudou de rede de TV quando foi preterido).
Na verdade Jô, que é vaidoso, se considera mais culto e mais politizado que seus similares gringos. Em seu quadro com mulheres jornalistas, o Meninas Do Jô, esboçou um pensamento de oposição – ainda que tenha manifestado sempre uma posição anti-impeachment de Dilma.
Mas nada preparava para a subserviência demonstrada com Dilma. É óbvio que, para ela, é mais urgente do que nunca achar canais para chegar aos “formadores de opinião”, e alimentar uma agenda positiva, saindo das cordas do ringue. A entrevista foi costurada desde uma visita de Jô a Brasília no dia 18 de maio, para uma conversa informal – e a data marcada foi conveniente por ser simultânea ao congresso do PT, quando poderia rebater alguma crítica do partido (que não houve). Como anotou Marcelo Rubens Paiva,
Dilma sequer se deslocou ao programa, como Obama fazia com Letterman. Fez o entrevistador ir até ela de novo.
No Planalto, Jô foi morno, galanteador, fazendo perguntas genéricas e escada para as usuais platitudes de Dilma, que se disse “triste” e que “o país não está doente”, como se não tivesse responsabilidade direta pelo grau agudo da crise econômica e política. Jô fez um papel de deslumbrado com o poder – e diante de uma pessoa que não prima nem pela inteligência nem pela autoridade. Podia ter dado uma enquadradinha eventual, para arrancar alguma declaração mais quente. Abriu mão, totalmente.
Para Dilma foi bom; para a Globo também, pois foi um contraponto à agressividade exagerada de William Bonner e Patricia Poeta na entrevista durante a campanha à reeleição. Só não foi bom para o próprio Jô, que passou uma atitude flácida e condescendente –
foi essa a repercussão. Quando muito, Jô deu uma vingadinha de Lula, que o preteriu em 2004 pelo Ratinho, e nunca mais foi entrevistado enquanto presidente (Fernando Henrique tinha sido).
Entre os dilmistas, claro que a entrevista repercutiu bem. A jornalista Cynara Menezes comentou no facebook: “um anti-panelaço: contra os que quiseram calar a presidente pelo grito, o entrevistador mais famoso do Brasil lhe ofereceu voz. O recado foi dado à emissora onde trabalha. Para culminar, terminou a entrevista com um galanteio hilário à presidente em pleno dia dos namorados, antes de beijar sua mão: ‘foi bom para você também?’, e foi bem isso mesmo, um ‘beija-mão’. Jô estava ali para ser um gentleman. Eu achei uma atitude muito corajosa”.
A mesma Socialista Morena reagiu com repulsa ao tuíte de Olavo de Carvalho. Só que foi Olavo, com seu humor grosseiro, que definiu em uma frase o acordo entre a presidente balança-mas-não-cai e o (ex) humorista entrevistador: ao contrário de “coragem”, foi um arrego entre impotentes, um beija-mão do deslumbramento do poder fictício.
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