Há milhões de anos o Homem primitivo já dividia seu território
com os cães selvagens. Naquela época os cães permaneciam à frente da caverna,
pela oferta de carne fresca, caçada pelos homens. Essa relação, possibilitava ao
ser humano uma segurança territorial contra qualquer invasor. Hoje, a relação
entre Homem e animal já adiciona outras necessidades psicológicas, além da
segurança. Nestas últimas décadas os animais começaram a ser investigados quanto
a sua sensibilidade, percepção, emoção e inteligência. Estes estudos permitiram
a alguns cientistas concluir que o animal é muito mais que uma máquina movida a
instinto. No Brasil, a psicóloga Nise da Silveira foi uma das pioneiras a
introduzir o animal como co-terapeuta no tratamento de doentes mentais. É neste
contexto, de procura da significação do animal de estimação, enquanto
possibilidade de um desenvolvimento mais saudável, que se apoia a justificativa
desta pesquisa.
Partindo-se do pressuposto que os seres humanos desenvolvem
vínculos afetivos não apenas com outros seres humanos, mas também com os
animais, decidiu-se investigar qual o significado do animal de estimação na
família e mais especificamente: os motivos da adoção do animal, a relação do
animal com a família, qual o tipo de vínculo que o animal estabelece com cada
membro da família e como a "perda" do animal, pode compor o processo de luto na
família.
Por animal de estimação, entendemos todo animal que está
presente no cotidiano do homem, sem que a ele lhe forneça, obrigatoriamente,
algum benefício produtivo. O animal de estimação caracteriza-se para nós como
mais um componente da dinâmica familiar; um "indivíduo" que apesar da
inferioridade biológica participa, de alguma forma, da vida emocional de pelo
menos um dos integrantes da família.
Entendendo por família "... um sistema ativo em constante
transformação, ou seja, um organismo complexo que se altera com o passar do
tempo para assegurar a continuidade e o crescimento psicossocial de seus membros
componentes." (Andolfi, 1984, p.18) e considerando que a família constrói
sua realidade a partir da história compartilhada por seus membros e assim,
segundo Cerveny (1994) "... cada membro do sistema influencia os outros sendo
ao mesmo tempo influenciado. ..." (p.26), veremos de fato o quanto o animal
de estimação atua na família, exigindo dela um significado próprio.
Ao estudar o significado do animal de estimação na família,
buscamos saber, quais os valores, as interpretações e as opiniões que a família
tem em relação ao animal. Significar, neste sentido, sugere a maneira subjetiva
de como o indivíduo e a família como um todo, pensa o animal de estimação.
Grande parte do material teórico que trata sobre a relação
entre Homem e animal, ainda surge como um sinal de protesto ao pensamento
positivista, onde nesse contexto o animal é simples símbolo do passado
instintivo do homem, uma "coisa inferior", que só serve para ser usado em
experiências ou finalidades específicas de adestramento. Assim, grande parte dos
autores que escrevem sobre a relação afetiva entre Homens e animais ainda são
acusados de praticar antropomorfismo e por isso antes de dirigirmo-nos ao foco
principal que seria a família, temos que compreender qual a "visão de animal"
(em vez de visão de Homem) que estes cientistas mais ousados, têm, quando
falam do animal afetivo e emocional.
Fora dos âmbitos científicos, é comum se falar dos pensamentos
e sentimentos de animais domésticos, selvagens e cativos. Apesar das barreiras
da linguagem, os seres humanos provavelmente compartilham com os animais a
grande maioria dos sentimentos de que são capazes. Uma das autoras que defendem
essa opinião, é Prada (1997) que em seu livro "A alma dos animais" usa de
argumentos com base na fisiologia cerebral para comprovar a existência de emoção
no comportamento animal. Segundo ela, a estrutura neurológica responsável pela
manifestação do comportamento emocional (sistema límbico e área pré-frontal),
está presente em todas as espécies.
Contudo, a tarefa de levantar dados que comprovem empiricamente
manifestações emocionais e sentimentais dos animais ainda está longe de ser
aceita pelos meios mais convencionais, mas muitas investidas a estes estados
psíquicos já permitem classificar prováveis hipóteses, distinguindo no animal a
presença de alegria, tristeza, medo, ciúme, vergonha e ódio. Alguns
pesquisadores ainda afirmam que os animais podem conter emoções exclusivas de
difícil entendimento por parte de nós humanos. Até mesmo a depressão,
considerada como impotência no agir e o zoomorfismo, considerado uma
espécie de projeção, já foram comprovadas em experiências de
laboratório.
Sentimentos de alegria e mesmo de tristeza, podem transformar
as várias expectativas que o ser humano tem durante seu desenvolvimento. A morte
de um animal de estimação, por exemplo, representa, na grande maioria das vezes,
a oportunidade da criança ou mesmo adulto vivenciar a finitude de seu ser e
assim compreender melhor as emoções que emergem deste fenômeno. O luto por uma
morte ou separação poderá até seguir um curso atípico, se o tipo de vínculo
instalado for por demais ansiógeno a qualquer um dos integrantes.
O biólogo de campo Schaller (Apud Masson, 1997) escreve que
"um amoroso dono de cão pode lhe dizer mais a respeito da consciência animal
do que alguns cientistas que estudam comportamento em laboratório".
(p.29). Segundo o autor somos também animais domesticados; domesticados
por nossa moral e nosso senso de responsabilidade. Dizer que isto é prejudicial
seria contestar todo processo evolutivo, mas dizer que isto agrava em essência
nossa condição animal, é por certo dizer que até hoje negamos a resolução
afetiva de nossas relações, pois impomos a nós mesmos uma estrutura baseada na
racionalização onde o frenesi emocional, tão presente nos animais, é brutalmente
massacrado pela nossa forma de viver. Adotar um animal de estimação pode em
alguns casos justificar o próprio "sufoco" que algumas pessoas sentem em relação
ao mundo que estão vivendo; o animal nestes termos, representa um retorno as
origens, um retorno aquilo que foi deliberadamente esquecido pelo projeto da
sociedade moderna: a emoção, a afetividade o vínculo sentimental com a natureza.
Tendo, portanto, como ponto de partida, que o animal detém um
canal de comunicação afetiva com o ser humano, resta saber com que intensidade e
qualidade este caminho é traçado pelas famílias que adotam um animal de
estimação. E ainda que existam distinções evolutivas entre os animais adotados
(mamíferos, peixes, répteis, aves...) parece ser intrínseca e indistinguível a
relação afetiva que o dono tem para com seu animal. O instinto selvagem de
algumas espécies, ditas exóticas, podem compor uma relação mais unilateral do
que bilateral (mais de homem para animal do que de animal para homem) no que diz
respeito ao vínculo afetivo, mas de qualquer forma é impossível dizer que
qualquer pessoa que adote um animal não direcione a ele algum tipo de
significado (minimamente afetivo).
Observar e compartilhar a alegria dos animais é um dos grandes
prazeres que as pessoas têm com os animais. Até mesmo, Freud, o criador da
Psicanálise, lança elogios a relação Homem-animal, dizendo que ela é mais
agradável e autentica que as relações entre os seres humanos. Também continua,
em outra oportunidade, relatando o quanto o Homem se afastou desta relação, por
temer seu lado instintivo.
Os importantes esclarecimentos de Freud, permitem delimitar de
maneira ampla, o quanto, já naquela época, procurava-se investigar esta singular
relação.
Nos últimos dez anos, a convicção de que a companhia de animais
é benéfica para o homem, adquiriu fundamento científico e é com base em um
trabalho pioneiro, realizado nesta área, pela doutora Fuchs (1987), que
pretendemos a partir de agora, caracterizar as particularidades desta singular
afetividade entre homens e animais.
Fuchs (1987) desenvolveu uma pesquisa (até onde conhecemos,
pioneira) que tratava de levantar dados a respeito da interação entre o homem e
o animal doméstico. Estes dados, podem, na necessidade desta pesquisa, pode ser
observados da seguinte forma:
- Existência de um animal biológico e um animal psicológico
- Critérios singulares da relação afetiva homem-animal
- Benefícios da interação homem-animal
Em conclusão à sua pesquisa, Fuchs (1987) determina a
existência de um animal biológico, que seria aquele com que o dono se relaciona
de maneira prática, alimentando-o, dando-lhe banho, levando-o ao veterinário,
exigindo resultados de adestramento, enfim tomando o animal pelos seu processos
fisiológicos e de condicionamento; e um animal psicológico, que seria toda a
imagem que o dono faz de seu animal, a partir, ou não, de gestos, posturas e
comportamentos personalizados deste.
Na relação entre homens e animais um fator preponderante, que
se observa na maioria das vezes, é a condição de superioridade e de posse que o
homem tem sobre o animal. Fuchs (1987) chama a atenção para a relação de poder,
onde cabe ao animal a posição de dependência. Este é um tópico de difícil
contestação pois a todo momento o "tutor" do animal designa-se responsável pelos
tratos fisiológicos e portanto seu dono vitalício. Aparentemente a relação de
posse, parece acomodar o narcisismo primário do homem, mas mesmo estas
conclusões podem ser rebatidas se levarmos em conta o ponto de vista dos animais
que oportunamente abandonam seus donos (ainda que reconheçam sua fonte de
subsistência) ou, na fala de Fuchs em resposta a um programa de televisão:
"os animais machos que em companhia de suas ‘donas’ tornam-se muito mais
controladores do que controlados". O conceito restrito de "dono" evidencia
muito mais uma condição psíquica do homem para o animal do que verdadeiramente
uma condição representada na relação.
Outros critérios que também singularizam a relação entre os
homens e os animais tem origem na participação especial que o animais divulgam
ao compartilhar com o homem uma troca de afetos, isto é , são os animais, com
seus elementos emocionais "puros" que dignificam ao homem uma visão mais clara
do viver emocional. Basicamente, segundo Fuchs (1987), os animais são acolhidos
pelos seres humanos porque; o relacionamento com animal e mais fácil do que com
outro ser humano, o animal está sempre disponível , o animal é tolerante e
expressa uma amizade incondicional, o animal supre a carência de afeto da pessoa
desinteressadamente e o animal é acrítico, enfim o animal é fonte segura e
previsível de afetos.
A descrição destes benefícios pode parecer ampla, mas outras
pesquisas também mostram que os animais podem ser "usados" para recuperar a
esperança do ser humano em viver se por exemplo utilizado em dinâmicas dentro de
um hospital.. Projetos no mundo inteiro mostram que a companhia do animal
favorece crianças deficientes mentais, pois estimulam o desenvolvimento afetivo,
desencadeando outras melhoras.
A ausência da racionalidade parece não abater em nada a
importância dos animais para com os seres humanos, haja visto que a
peculiaridade afetiva do animal está, a todo momento, sendo valorizada, por
alguns cientistas (aqui declarados) e por grande parte das pessoas que convivem
com ele. Compreender o animal na relação com ser humano é entender não só o
animal, mas também, aspectos particulares que emergem do Homem a partir desta
relação singular.
MÉTODO
A pesquisa teve como objetivo caraterizar a relação que a
família tem com o animal de estimação. Foi utilizado como instrumento o
formulário. O roteiro foi construído com base nos diversos relatos que
acompanharam a leitura do material teórico.
Foram investigadas um total de 24 famílias, residentes nas
cidades de Campos do Jordão, Taubaté e São José dos Campos.
A característica básica que orientou a seleção dos
participantes foi a presença de algum animal de estimação na família. Não se
considerou como critério de seleção da amostra, o número de animais ou o número
de integrantes na família, portanto, participaram da pesquisa casais sem filhos
e casais com filhos, com número variado de animais. As famílias foram contatadas
segundo a acessibilidade do entrevistador, e a disponibilidade do entrevistado.
Neste sentido grande parte das respostas foram dadas por um membro da família,
ainda que houvessem outros presentes. O comportamento dos outros, certamente era
levado em consideração em atitudes como interesse ou desinteresse, mas fica
destacado sempre aquele que responde as perguntas. As características desta
amostra, foram se modelando no decorrer da pesquisa, como veremos nos resultados
e na discussão.
Com os formulários aplicados, foram criadas categorias de
respostas relativas aos seguintes temas: tipo de animal, tempo de aquisição,
processo de adoção, papel e relacionamento do animal na família, perdas e ganhos
com o animal de estimação e processo de luto frente a perda do animal.
A análise integral das respostas possibilitou que os objetivos
fossem atingidos, mediante um estudo sobre o que era geral e o que era
específico, na dinâmica das famílias pesquisadas.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Caracterização da amostra
Participaram da pesquisa , 24 famílias que invariavelmente
possuíam, pelo menos, um animal de estimação. Embora tivéssemos trabalhado com
um número pequeno de famílias isso não nos impediu de construir graficamente os
resultados que guiaram nossa discussão. Assim o sentido que determinamos como
maioria não tem o valor estatístico devido, mesmo porque não era este o
objetivo da pesquisa, mas identifica na amostra a recorrência de uma determinada
forma de relação para como o animal e por isso mereceu destaque. Tendo em vista
que a amostra foi composta por acessibilidade, esta ficou caracterizada da
seguinte forma:
- Idade- mínima: 20 anos, máxima: 63 anos, média:
- 32 anos;
- Sexo- feminino: 15, masculino: 9;
- Escolaridade- maioria (18) cursou ou esta cursando 3o grau;
- Parentesco: maioria mãe (9) e pai (6); seguida de esposa(3) e filha(3)
- Profissão- variada, desde estudante até empresário;
- Tipo de animal- grande maioria cachorro (diferentes raças);
- Idade do animal- mínimo: 1 mês, máximo: 10 anos, média: 3 anos;
- Tempo de convívio: grande parte esta com o animal desde que ele nasceu, ou
iniciou convívio após no máximo 2 anos;
- Como foi adquirido o animal: maioria comprou ou ganhou.
Ao analisar cada um desses fatores, destacamos aqueles que
consideramos mais relevantes, com base no critério de repetição dos casos. Isso
surgiu como um "pré-resultado" da amostra que estávamos analisando.
Com relação ao sexo, por exemplo, o que surge como
evidência de análise é a consideração afetiva indistinta que os gêneros prestam
ao animal. Ambos expressam carinho, amizade e alegria para com o animal de
estimação. Esta consideração afetiva, se excessiva para com o animal, pode,
inclusive, compor um "triângulo amoroso" onde alguém sente-se traído(a) porque
seu companheiro(a) dispensa mais carinho ao animal que a ele(a). Este fato foi
observado com destaque em casais sem filhos, mas também foi verificado em
famílias com filhos. Neste último o ciúme pode atingir até a família
extensa:
"... devo reconhecer que me preocupo mais com eles do que com
meu marido ..." (entrevistado 12)
Relacionando o papel familiar de cada membro, vemos que
o maior número de respondentes eram mães, pais e esposas. Neste contexto pode-se
afirmar que para as mães e os pais, falar do animal era estar falando de
"alguém" que compartilha de toda rotina familiar e, portanto, pode ser
considerado membro vitalício da família:
"... por favor eu gostaria que não chamasse de cachorra e sim
de filhinha, ... é como eu a chamo ..." (entrevistado 14)
Já as esposas, sentiam o animal de estimação como primeiro
filho, inclusive algumas delas se reportaram à adoção do animal justamente como
um treino para a vinda de um filho.
O tipo de animal que mais se possuía era o cachorro.
Quando interrogados pelo motivo da escolha todos responderam de forma
superficial. Mesmo sendo a primeira adoção, a escolha era por um cachorro. Essa
causa parece ter origem na maior disponibilidade deste animal para adoção e
também na imagem de "melhor amigo do homem" construída socialmente.
Sobre a idade do animal e o tempo de convívio, grande
parte dos entrevistados adotava o animal logo após seu nascimento, mas isto
parece não distinguir o grau de afetividade da família para o animal. Grande
parte dos animais é tratada como uma eterna criança, ou no caso de animais de
grande porte (cavalo) como um grande e leal companheiro.
Ao responder sobre a adoção do animal, isto é, como foi
adquirido, constatamos que grande parte dos entrevistados, ou compraram o
animal, ou ganharam de alguém (presente, herança...). O ato de comprar o animal
permite dizer que existia um desejo da família (ou de alguém da família) em
adquirir um animal de estimação, ou seja o assunto da adoção foi provavelmente
debatido. Quando falamos que outra grande parte dos entrevistados ganhou o
animal, falamos de um animal que é dado de presente para a família, portanto
esse animal também foi escolhido por alguém que conhece esta família e achou que
o animal seria um bom presente. Muitas vezes este animal não é entregue para "a
família" , mas para um aniversariante (geralmente criança), ou homenageado; mas
certamente as tarefas com relação aos tratos do animal acabam interferindo,
posteriormente, em todo complexo familiar. A aparição brusca do animal de
estimação, no caso de ter sido ganho sem expectativa nenhuma, ou de herança,
pode alterar a dinâmica familiar também no sentido negativo, se algum membro
sentir o animal como intruso e "ladrão de afetos".
Vejamos agora como a família constrói o significado do animal
de estimação, através da análise das categorias construídas :
Adoção do animal
A vinda, ou a permanência do animal de estimação no lar da
família, geralmente tem um motivo sentimental. A representação emocional do
animal parece ser o principal motivo para a adoção ou fator que justifica os
pais a autorizarem a permanência do animal em casa.
As vezes a função do animal torna-se mais direta, quando por
exemplo certos casais querem treinar a responsabilidade de ter um filho ou
substituir o filho perdido.
Outro dado interessante é que a adoção pode ter uma causa
saudosista dos membros adultos que não tiveram a chance na infância ou na
adolescência de adotar um animal.
Grande parte das famílias expressou muito carinho e amizade
pelo animal considerando-o ou como amigo, ou como companheiro, ou como membro da
família. O oposto também foi relatado, ou seja, existem alguns membros que ou
ignoram o animal ou deixam claro, aos outros, sua revolta contra o animal.
Para que tivéssemos mais dados sobre a relação dos membros com
o animal, perguntamos se existiria alguém da família que relacionava-se de modo
diferente. Assim todos aqueles que expressavam um carinho especial, um apego
maior para com o animal de estimação foram apontados. Isso mostra que de alguma
forma, a pessoa que respondeu ao formulário nota que alguém na família trata o
animal de forma diferente dos demais. Embora fosse nossa intenção, considerar
tanto os aspectos positivos como os negativos, todos entenderam esta pergunta
como considerando apenas os aspectos positivos; isso parece mostrar o quanto a
raiva isolada de um membro, parece não ter efeito sobre o vínculo afetivo
daqueles que adoram o animal.
Analisando pela perspectiva do animal, pudemos constatar que
quando alguém estabelece um tratamento diferenciado para com o animal, este
acaba retribuindo este afeto. Se por exemplo, era o irmão mais velho que
dispensa mais atenção ao animal é a ele que o animal também retribui a atenção.
Neste raciocínio inferimos também que o tratamento que o animal dispensa àquele
que o odeia também é recíproco.
As mudanças na rotina familiar, causadas pela presença do
animal de estimação
As grandes mudanças giram em torno:
- de uma reorganização da rotina,
- de maiores dívidas (os gastos que aumentaram) e
- de uma presença afetiva maior na família.
Outras questões citadas dizem respeito a falta de liberdade da
família para viajar e passear.
Embora seja evidente que qualquer novo integrante sempre
interfere na dinâmica de um grupo, as respostas obtidas vem a comprovar o quanto
o animal de estimação, desorganiza a estrutura familiar e o quanto esta família
trabalha para reorganizar-se atribuindo (adicionando) novas tarefas à cada
membro (até para os filhos pequenos). Pensar o aumento dos gastos neste sentido,
é perceber que os pais, ou casais, dispensam um tratamento específico aos seus
animais, ou seja, compram alimentos ideais, levam no veterinário, compram roupas
específicas, pagam adestramento, etc, fazendo com que este membro tenha uma
qualidade de vida igual a da família.
Quando ouvimos que o animal provocou uma mudança afetiva na
família, retornamos ao fato de que o animal de estimação tem uma representação
emocional para todos que convivem com ele, servindo geralmente para deixar o
ambiente mais alegre, tranquilo e mesmo tolerante. As vezes a expectativa sobre
o animal compõem-se de responsabilidades maiores, como servir de elo para o
relacionamento de um casal, ou para acolher algum membro da família, nos
momentos de solidão.
A opinião do animal de estimação, enquanto imagem
familiar
Para registrarmos a opinião indireta do animal de estimação
perguntamos aos entrevistados como a família gostaria de ser vista aos olhos do
animal de estimação. A resposta unânime foi como membro da família. Isto mostra
o quanto esta família deseja que o animal à considere como um grupo íntimo e
dedicado, no qual todos os apreços tem valor humano.
Ganhos e/ou perdas da família com a presença do animal de
estimação
Comparando os resultados dos ganhos e das perdas constatamos
que metade das famílias tem um forte envolvimento emocional para com o animal,
enquanto a outra metade, formando opiniões mais realistas, equilibram a relação
custo/ benefício do animal de estimação. O objetivo não é observar quem está
certo, mas sabemos que formas extremadas de amor e dedicação podem esconder
certos problemas de independência afetiva. Nesta perspectiva procuramos alertar
que a dependência exagerada de qualquer membro da família ao animal de estimação
pode propiciar o desenvolvimento de comportamentos rígidos e estereotipados,
resultado até em transtornos psíquicos (ex: depressão) caso o animal venha a
morrer.
A experiência de morte do animal de estimação, para a
família
Este foi um dos assuntos mais omitidos em nossas entrevistas.
Primeiro porque grande parte não havia passado pela experiência deste tipo de
luto, segundo porque o assunto morte, mesmo sendo do animal parece configurar um
tabu familiar.
As famílias que já presenciaram o luto de algum animal de
estimação disseram que foi como perder uma pessoa, perder alguém da família, foi
como se uma parte deles morressem com o animal. Interessante notar que as
famílias que idealizaram mais o animal de estimação (observaram somente ganhos),
são as que não viveram a experiência desse luto e as pessoas que corresponderam
equilibradamente à relação custo/benefício do animal já tinham presenciado esta
espécie de luto. Deste modo parece que a vivência de um luto, coloca a família
num estado mais realista para com o animal.
Um pouco mais sobre os animais de estimação
Nesta análise final observamos que toda forma de descrever o
animal, revelou o lado sentimental da família. Se por um momento esquecêssemos
que as qualidades descritas fossem dirigidas a um animal e pensássemos num ser
humano as características descritas se encaixariam da mesma forma. Nesta
perspectiva vemos o quanto cada membro da família pode projetar no animal um
amigo ou inimigo ideal, e exercer nesta relação fictícia, a autenticidade de
seus sentimentos, sem o perigo de ferir o outro (membro da família). Quando ou
de que forma uma mãe chegaria à seu filho e diria que ele é "feioso", bravo,
isolado, bagunceiro, sem a intenção de magoá-lo, como diz ao animal? Ou mesmo de
que forma, aqueles filhos mais reservados, pela própria rigidez familiar diriam
a seus pais, sobre amor, carinho e ressentimentos? Neste sentido o animal se
presta ao exercício de um afeto, muitas vezes bloqueado na relação com os
membros da família. Mas, Antes de considerar o animal uma tela onde se projetam
os sentimentos bloqueados é preciso lembrar que este animal também reage a estes
sentimentos. Ele pode não compreender os termos de nossa comunicação mas
certamente compreende os sinais das expressões corporais e assim distingue-se à
cada um por comportamentos diferentes. Assumindo um papel afetivo dentro da
família, o animal está a mercê de todos os ideais e conflitos desta família e
corresponderá de forma adequada ou patológica, dependendo de como a família se
organiza internamente. Neste exercício que os humanos fazem sobre os animais de
estimação, parece ocorrer em paralelo uma estimulação para que o animal aguce
sua percepção emocional, desenvolvendo certas comportamentos, antes
inexistentes.
CONCLUSÕES
Observando os resultados, pudemos concluir que, nas famílias
pesquisadas:
- O animal de estimação, enquanto fonte de representação emocional, assume um
papel afetivo dentro da família, possibilitando a ela o exercício de relações
autênticas, sem o risco da perda.
- Quando alguém se relaciona com o animal, existe uma idealização deste animal
(positiva ou negativa). Geralmente, esta idealização é construída a partir do
momento que se delega ao animal o poder de suprir as carências afetivas da
família.
- O animal é, geralmente, considerado um eterno bebê, que conforta e aumenta o
sentimento de tolerância do ambiente.
- Cada membro da família se relaciona de maneira particular com o animal de
estimação, mas os graus variados de carinho e dedicação, ou mesmo de raiva e
ódio, fazem com que o animal haja reciprocamente à relação estabelecida.
- Os sentimentos que surgem quando algum membro da família dirige ao animal um
tratamento diferenciado, pode, provocar sentimentos contrários de outros membros
para o animal (Ex: se alguém ama demais o animal, pode existir alguém na família
que sentindo-se traído, odeie o animal; ou se alguém odeia o animal isso pode
fazer surgir na família um "herói" que vai salvar o "pobre bichinho").
- Se algum membro da família admira excessivamente o animal, isso pode indicar
um grau de dependência afetiva, onde a fonte é o animal. Estando preso a esta
fonte, o membro pode apresentar sentimentos fortes de solidão, caso este animal
morra ou abandone a família.
Orientados por estes pontos, conseguimos sustentar a idéia de
que a família significa o animal de estimação partindo de pressupostos sociais
(qual animal adotar) e considerações afetivas (relacionamento com animal). Este
significado é construído por cada membro, nos diversos contextos familiares, e é
na dinâmica interna desta família que o animal vai ocupar seu(s) papel(is)
(amigo, criança, vilão, herói, ouvinte, ...), correspondendo a algumas
expectativas que é solicitado. Estas expectativas, integram o desejo particular
de cada membro da família e assim o animal se insere na rede de relações
familiares.
Os estudos da influência psíquica dos animais de estimação nas
pessoas é algo que desencadeia cada vez mais a curiosidade científica de alguns
pesquisadores. O papel terapêutico dos animais, constatado por Silveira (1992),
mostra que o doente mental ao considerar afetivamente o animal, apresenta uma
tendência maior em aproximar-se da realidade exterior. Além disso, práticas como
equoterapia (terapia com ajuda do cavalo), visando auxiliar o desenvolvimento de
deficientes mentais, já são bastantes conhecidas neste plano da psicologia
(ainda sem denominação específica).
Utilizar dos meios científicos para descobrir de que forma o
animal interfere nas pessoas talvez seja o primeiro passo para entendermos
melhor o comportamento animal, que acreditamos, vai muito além do
condicionamento. O trabalho original que Fuchs realiza como terapeuta de
animais, mostram também que este animal pode apresentar "distúrbios" psíquicos,
quando vive em um contexto desestruturado. O quanto o animal reflete, através de
comportamentos inadequados, o conflito de uma família.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Lições de Psicodrama. São Paulo, Ágora, 1988.
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a patologia. Campinas, Psy, 1994.
FUCHS, Hannelore. O Animal em Casa. Dissertação
(Doutorado em Ciências - Psicologia) – Instituto de Psicologia. São Paulo,
Universidade de São Paulo, 1987.
KOPEZLY, Waldyr. Iguana a Estrela dos Répteis. Cães e Cia, São Paulo,
n.218, p. 32-38, jul. 1997.
LOPES, Cláudio Fragata. Homens e Animais, Relações Delicadas.
Galileu, Rio de Janeiro, n.91, p. 42-47, fev. 1999.
MASSON, Jeffrey Moussaieff e McCARTHY, Susan. Quando os Elefantes
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PRADA, Irvênia. A alma dos animais. Campos do Jordão: Mantiqueira,
1997.
SILVEIRA, Nise da. O Mundo das Imagens. São Paulo: Ática,
1992.
”Onde estaria à medicina se não fosse à pesquisa com animais”?
No mesmo lugar em que ela está hoje. A maioria das drogas é descoberta utilizando computadores ou por meio da natureza. “As drogas não são descobertas utilizando animais”.
Leia. Informe-se.
VAMOS PREPARANDO A NOSSA MUNIÇÃO