“A Lava Jato é a Diretas-Já do novo Brasil. Vai acabar com a ditadura da corrupção
e da impunidade.” O paralelo histórico é do desembargador André Fontes,
presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), a segunda instância
da Operação Lava Jato no Rio.
Na primeira, atua, com explícito apoio de Fontes, o juiz federal Marcelo Bretas.
Questionamentos de suas decisões vão parar em uma turma especial do TRF-2,
com três desembargadores: Abel Gomes, o relator, Paulo Espírito Santo, o decano
do tribunal, e Ivan Athie.
Ao contrário de seus colegas da 8ª Turma do TRF-4, em Porto Alegre, que cuidam
só da Lava Jato do juiz Sérgio Moro, eles acumulam ações previdenciárias e sobre
propriedade industrial. Fontes recebeu o Estado em seu gabinete no 20º andar do
edifício-sede, no centro do Rio. A seguir, os principais trechos da entrevista.
Seu primeiro ato formal, como presidente do TRF-2, foi uma portaria
aumentando a segurança do juiz Marcelo Bretas, responsável pela primeira
instância da Lava Jato no Rio. Por quê?
A minha prioridade foi proteger o juiz Bretas naquilo que é o caso mais complexo,
rumoroso e sensível da 2ª Região. Eu me lembrei da juíza Patrícia Acioly
[assassinada por policiais que estava investigando, em 2011], que várias vezes
pediu proteção ao Tribunal de Justiça. O juiz Bretas também se manifestou. Eu não
iria deixá-lo à mercê da própria sorte.
O senhor foi, em agosto, ao ato de desagravo ao juiz Marcelo Bretas, em que o
agravado era o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, que o
atacara.
Sei que não é comum presidente de tribunal ir para uma manifestação que envolva
tribunais superiores. Mas eu achei que não tinha sentido estar na direção máxima
do tribunal e deixar o juiz de uma forma quixotesca, sozinho, diante de um
reconhecimento externo público da importância dele. Fui, mesmo sabendo que
haveria críticas no próprio tribunal.
Houve reprovação interna dessa sua atitude?
Recebi críticas de três desembargadores. Disseram que foi uma indelicadeza minha
perante os tribunais superiores, e que eu estaria a prejudicar minha carreira. Mas eu
não tenho outra pretensão que não seja ser presidente do tribunal.
Na sua posse na presidência, o desembargador Paulo Espírito Santo, decano
do tribunal, e integrante da turma que julga a Lava Jato, fez um forte desabafo
contra a corrupção, chorou, e até disse que ‘Deus também não aguenta mais
tanta corrupção, tanta maldade e tanta violência’. O que o senhor achou do
desabafo?
Ninguém aguenta mais a corrupção. A corrupção é inaceitável, intolerável. É
ignominiosa, porque a coisa pública não tem dono. A corrupção trouxe para o Brasil
pobreza e concentração econômica. Se o Rio de Janeiro hoje não tem
competitividade econômica, nem industrial, é por conta da corrupção, dos impostos
que são pagos indevidamente e acabam gerando vantagem para terceiros, e por
conta da falta de atenção no trato das questões públicas. O Rio de Janeiro é o pior
ambiente de negócios do Brasil.
O senhor já disse que a Lava Jato é ímpar. Em quê?
A Lava Jato é clara, limpa, não tem desvios. Na Lava Jato não tem linhas tortas. Ela
é escrita, pelas mãos de Deus, sem as linhas tortas. É uma boa oportunidade para
o Brasil.
Em que sentido?
Eu acredito fielmente que a Lava Jato é uma oportunidade de mudança – como
outros atos na história do Brasil também o foram. É a referência que eu não tive nas
instituições, na minha infância, e que só foram surgir quando eu vi as Diretas-Já. A
Lava Jato é a Diretas-Já do novo Brasil. É o fim da ditadura da corrupção e da
impunidade.
O senhor vê diferenças entre a Lava Jato aqui no Rio e a de Curitiba?
A grande diferença é que a Lava Jato do Rio não é iniciante. A de Curitiba foi o
início de algo que nunca se imaginou no Brasil. E nós lemos, aprendemos, vimos
quais são os movimentos técnicos que foram equivocados, e passamos a adotar
toda a experiência daquela primeira ocasião. É como se o doutor Moro tivesse feito
a primeira semeadura. E agora nós temos a experiência da prática. Com a
experiência que extraiu do doutro Moro, o doutor Bretas planejou a atuação dele de
modo a preservar os direitos fundamentais, a privacidade, a separar e distinguir o
joio do trigo.
O senhor faz alguma comparação entre os dois?
Os dois são evangélicos. Esse vigor religioso, ético, tem dado uma grande
contribuição.
Essa mistura do evangélico com o jurídico não tem um lado perigoso?
Concordo. O lado perigoso é o de achar que as coisas devem acontecer não por
obra dos homens, mas por obra de Deus. As coisas não são porque são – já
ensinava o positivismo. São, porque os homens fazem. No caso do juiz Bretas eu
tenho impressão de que a personalidade dele foi importante. Essa convicção ética,
religiosa, jurídica, familiar, deu a ele certa centralidade nas questões.
A Lava Jato já lavou Executivo, Legislativo, menos o Judiciário. Como o
senhor vê isso?
Não deveríamos ter esperado nenhuma iniciativa externa ao Judiciário para saber o
que se passa no próprio Judiciário. O ideal seria que a própria magistratura, diante
de um contexto de tantas dúvidas, tivesse formado um conselho, designado um
magistrado com amplos poderes para investigar internamente. Não condenar,
investigar. Saber se alguém na magistratura ousou violar o juramento que fez.
Depois que isso fosse feito, viria a segunda fase, a de serem julgados.
Volta e meia vem à tona que o Judiciário ainda vai aparecer nas investigações
da Lava Jato – inclusive o do Rio de Janeiro. Até hoje não apareceu. O
senhor é favorável a que apareça?
As causas que envolvam juízes devem ter duas características. Primeiro, um juiz
que tem a sua judicatura posta em discussão não pode julgar. A menor suspeita
tem que ser causa de afastamento. Segundo, o julgamento tem que ser mais
abreviado que os outros. Terceiro: não deveriam ser julgados por membros da
magistratura, mas de um outro órgão. Os julgadores nunca deveriam ser juízes.
Os julgamentos do Conselho Nacional de Justiça não são uma boa solução?
É um começo. Mas eu lembro que quando houve o problema das provas fraudadas
no TJ (Tribunal de Justiça) do Rio de Janeiro todos que não eram da magistratura
votaram pela anulação, e os que eram da magistratura votaram pela permanência.
O que é que está errado na magistratura?
Os magistrados deveriam ter a sua vida financeira totalmente aberta. Nós não
podemos imaginar preservação de sigilo bancário, ou sigilo dos bens, num homem
que depende do recurso público, ou seja, que nunca poderia ter mais do que ele
ganha. Deveria haver um exame feito anualmente, criteriosamente, com os
resultados claramente abertos.
Como seria isso, na prática?
Os policiais, por exemplo, fazem esse controle: tem a sindicância anual de
verificação de patrimônio. No Judiciário, os bens deveriam ser declarados
publicamente, e não reservadamente. E só quem quisesse se submeter a isso é
que poderia ser juiz. Se não quiser ter a sua vida privada aberta, não deveria ser
juiz.
As informações são do jornal “O Estado de S. Paulo”.