sábado, 21 de novembro de 2015

Cheias de doações, cidades atingidas têm dificuldade em receber materiais Galpões lotados dificultam administração de doações em Mariana (MG). G1 segue grupo que saiu de São Paulo com donativos até Barra Longa.

Montanhas de doações no Centro de Convenções de Mariana e na Câmara Municipal de Barra Longa (Foto: Fabio Tito/G1)

Montanhas de doações no Centro de Convenções de Mariana e na Câmara Municipal de Barra Longa (Foto: Fabio Tito/G1)
Cidades de Minas Gerais que foram atingidas pela lama proveniente do rompimento da barragem de Mariana estão tendo dificuldade em administrar o enorme montante de doações que tem chegado de diferentes origens todos os dias.
Acompanhando um grupo que saiu de São Paulo com mais de 20 toneladas de água, alimento, roupas e brinquedos, o G1 seguiu de Mariana até Barra Longa, a 60 km de distância, e viu situações similares. Lá, o grupo foi orientado a entregar as doações em um povoado de Barra Longa.
"Dei a instrução de que o pessoal tente receber o que chegar, já que todo mundo que doa o faz de bom coração, mas realmente já recebemos muita coisa. Além do Centro de Convenções, outros três galpões alugados pela empresa (Samarco) já estão cheios", disse ao G1 Duarte Júnior, prefeito de Mariana. "Outra dificuldade é que muitos desabrigados estão em hotéis, não têm suas casas para onde levar as doações", completa.
Uma das líderes da expedição que o G1acompanha durante o final de semana explicou como o grupo de 24 pessoas foi recebido no centro de convenções, antes da chegada do caminhão com doações.
"Eles disseram que até poderiam ver o que tínhamos para tentar receber, mas que, se nós tivéssemos condições, que tentássemos levar os materiais para outro local que talvez precisasse mais. E nos indicaram Barra Longa", diz Maralice Constantino Butieri.
Em Barra Longa, o G1 se deparou com situação parecida com a de Mariana. "Primeiro encheram o salão paroquial com as doações, depois foram enchendo outros lugares cedidos. Depois disso, era tanta coisa que começamos a armazenar aqui na Câmara Municipal também", afirma Fernando Pimenta Trindade, secretário administrativo da Câmara.
Montanhas de doações no Centro de Convenções de Mariana e na Câmara Municipal de Barra Longa (Foto: Fabio Tito/G1)Grupo de SP saiu com toneladas de donativos (Foto: Fabio Tito/G1)
Diferente de Mariana, cidade maior onde o centro não foi atingido e segue em plena atividade,Barra Longax tem apenas cerca de 6 mil habitantes e teve o centro atingido. A praça da cidade, à beira do Rio Carmo, foi devastada pela lama, assim como várias casas e lojas da região e ao longo do rio. Além disso, Gesteira, um povoado a cerca de 12 km de Barra Longa, teve casas completamente destruídas. O bairro de Morro Vermelho, a 2 km do centro, também foi atingido.
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Câmara virou 'playground' para as crianças da região, que ficam escalando as montanhas de roupas doadas (Foto: Fabio Tito/G1)Câmara virou 'playground' para as crianças da região, que ficam escalando as montanhas de roupas doadas (Foto: Fabio Tito/G1)
Mesmo assim, há dificuldade em lidar com tanta doação. Um grupo de voluntários que ficou conhecido como "amarelinhos" (por conta das cores dos coletes e camisas), muitos deles ligados a igrejas evangélicas, têm ajudado no recebimento e no escoamento de doações, assim como na recepção de outros voluntários que chegam à cidade.
'Amarelinhos': voluntários de igrejas ajudam na administração das doações (Foto: Fabio Tito/G1)'Amarelinhos': voluntários de igrejas ajudam na administração das doações (Foto: Fabio Tito/G1)
Como ajudar
Doações de roupas, mantimentos, água, produtos de higiene, dentre outros, devem ser encaminhadas ao Serviço de Voluntariado da Assistência Social (Servas), em Belo Horizonte. O órgão está direcionando os donativos para outras cidades atingidas pelo rompimento da barragem em Mariana.

O Servas informou que as demandas de doações, levantadas com as secretarias de assistência social de cada município, variam muito, podendo mudar de um dia para o outro.

Neste sábado, o órgão informou que, em Barra Longa, a necessidade era de roupas íntimas de adultos e crianças, utensílios de cozinha roupas de cama, toalhas de banho e caixas de papelão para montagem dos kits.
A barragem de Fundão foi rompida no dia 5 de novembro, destruindo o distrito de Bento Rodrigues e afetando Águas Claras, Ponte do Gama,Paracatu e Pedras, além das cidades de Barra Longa e Rio Doce. Os rejeitos também atingiram dezenas de cidades na Região Leste de Minas Gerais e no Espírito Santo. Sete mortos já foram identificados e quatro corpos aguardam identificação. Doze pessoas estão desaparecidas.- Servas
Avenida Cristóvão Colombo, 683, Funcionários, Belo Horizonte.
Telefone: (31) 3349-2400
Entrega de doações das 7h às 19h.
Infográfico: rompimento da barragem de Mariana (MG) (Foto: Arte G1)

Lama muda a cor do mar na foz do Rio Doce, em Linhares, ES Uma barreira de 9 km foi montada para proteger a fauna e flora da região. Rejeitos de mineração também atingiram Baixo Guandu e Colatin

A lama mudou a cor da água do Rio Doce na praia de Regência, onde o rio deságua no mar, em Linhares, Norte do Espírito Santo, na tarde deste sábado (21). Por volta das 16h, a água começou a ficar na tonalidade marrom. Uma barreira de 9 km foi montada para proteger a fauna e flora na região e amenizar os impactos da lama.
O Serviço Geológico do Brasil informou que não tem previsão para que a parte mais densa dos rejeitos de mineração da barragem da Samarco, cujos donos são a Vale e a anglo-australiana BHP Billiton, chegue à foz.
A lama está em três municípios do estado: Linhares, que não usa as águas do Rio Doce para abastecimento da cidade. Baixo Guandu, que passou a usar as águas do Rio Guandu. E Colatina, que há quatro dias parou de usar a água do rio.
O rompimento de uma barragem de rejeitos de minério aconteceu no dia 5 de novembro e causou uma enxurrada de lama no distrito de Bento Rodrigues, em Mariana, na região Central de Minas Gerais.
Foz do Rio Doce, em Regência, Linhares (Foto:  Fred Loureiro/Secom-ES)Foz do Rio Doce, em Regência, Linhares (Foto: Fred Loureiro/Secom-ES)
Justiça
Na  quarta-feira, a Justiça Federal deu um prazo de 24 horas para a Samarco apresentar um plano de emergência para diminuir os impactos da lama no estado. Na quinta-feira à noite, a empresa entregou um relatório com o que vinha fazendo e o que planejava fazer, mas o Ministério Público Federal achou as medidas insuficientes. Neste sábado, o juiz federal Rodrigo Botelho decidiu aceitar o plano que a empresa apresentou e suspender temporariamente a multa milionária. Na segunda-feira (23), a Samarco vai ter, até 18h, para detalhar quais medidas serão tomadas. Se desobedecer, a mineradora vai pagar multa de R$ 10 milhões por dia.
Risco de contaminação
De acordo com o presidente substituto doIbama, Luciano Evaristo, com a chegada ao oceano, a lama pode afetar os animais marinhos. “No percurso que está desenvolvendo agora, a lama afeta a fauna, causa um processo de congestão nos peixes, por causa da densidade do rejeito que está na água. Chegando ao estuário, ela poderá afetar a questão da nidificação das tartarugas, afetar também a ictiofauna marinha”, disse.

Segundo o biólogo André Ruschi, a chegada da lama no oceano pode ter um impacto ambiental equivalente à contaminação de uma floresta tropical do tamanho do Pantanal brasileiro. Ele acredita que, se nada for feito, o prejuízo ambiental do 'tsunami marrom' pode demorar 100 anos para ser revertido.

Entretanto, o engenheiro da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Paulo Rosnan, os possíveis estragos estão sendo superdimensionados pelos órgãos ambientais.
“No mar, eu creio que não será nada relevante. Haverá só uma mancha colorida muito grande que se dispersará normalmente, como se dispersam as manchas que saem dos rios em épocas de grandes chuvas”, falou o engenheiro.
Ministra visita o estado
A ministra de Meio Ambiente, Izabella Teixeira, vai visitar o município de Linhares na segunda-feira (23) para acompanhar as ações emergenciais que estão sendo realizadas para conter os danos causados pela lama. A visita será acompanhada pelo governador Paulo Hartung.

Nesta sexta-feira (20), a ministra garantiu que a dispersão da lama no mar será de seis quilômetros ao norte. A preocupação inicial era de que a lama pudesse chegar ao Arquipélago de Abrolhos, que fica há 250 km do litoral.
Água muda de cor no mar de Regência (Foto:  Fred Loureiro/Secom-ES)Água muda de cor no mar de Regência (Foto: Fred Loureiro/Secom-ES)
Abastecimento de água
Segundo a prefeitura de Linhares, o abastecimento de água não será afetado pela chegada da lama, já que a principal fonte de abastecimento do município é o Rio Pequeno, canal entre a Lagoa Juparanã e o Rio Doce.

Para evitar que a água do Rio Doce tenha contato com a do Rio Pequeno, o Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE) de Linhares ampliou a barragem construída em outubro deste ano.

Com o abastecimento garantido, a prefeitura de Linhares está enviado caminhões-pipa com água potável para Colatina, que está com o abastecimento de água interrompido há mais de três dias por causa da onda de lama.

O Ministério Público chegou notificar a Prefeitura de Colatina na sexta-feira (20) após tumultos na distribuição de água mineral fornecida pela Samarco a população. O órgão solicitou 100 postos de distribuição, mas a prefeitura a afirma que não tem efetivo para isso.

Em Baixo Guandu, a captação de água do Rio Doce foi cortada desde segunda-feira (16). A prefeitura abriu um canal do Rio Guandu até uma estação de bombeamento e está utilizando a água do rio para abastecer a população.

Barreiras
A Samarco está construindo barragens para isolar a fauna e a flora que vivem no entorno nas duas margens do rio e em algumas ilhas localizadas no estuário, nove mil metros de barreiras continuam sendo instalados em sentido longitudinal. A empresa esclareceu que essas barreiras não têm a função de impedir a chegada da pluma ao mar.

A instalação das barreiras teve início na parte sul da foz, em Regência, e segue até Povoação, na região de Linhares. Um mapeamento das áreas e ecossistemas foi realizado na região da foz para determinar o tipo de barreira a ser utilizado em cada ponto.

Prefeitura de Linhares
A prefeitura de Linhares acompanha a construção das barragens e monitora a chegada da lama no mar. Segundo a administração, o município tem feito um trabalho de levantamento dos pescadores para saber quais deles sobrevivem essencialmente da pesca e garantir que a Samarco forneça auxílios para essas famílias afetadas pela chegada da lama no mar.

Samarco
Em nota, a Samarco disse que está tomando as providências necessárias. “Como forma preventiva, o projeto Tamar, recolheu os ovos de tartarugas na praia de Comboios e os levou para uma parte mais alta da costa. Uma equipe coleta amostras da água antes e depois da chegada da pluma. Outra ação foi a instalação de 9 mil metros de barreiras, para isolar a fauna e a flora. Também há o monitoramento aéreo”, diz a empresa.
A Samarco ainda diz que “a Defesa Civil recomenda, por precaução e em caráter temporário, que a população não tome banho de rio e mar nessas regiões, já que, com a chegada da pluma, a cor da água fica mais escura. Reiteramos que a pluma de turbidez não é tóxica”.
Infográfico: rompimento da barragem de Mariana (MG) (Foto: Arte G1)

Argentina vota neste domingo a intensidade da mudança política Depois de 12 anos de kirchnerismo, guinada é certa com Mauricio Macri ou Daniel Scioli

Mulher passa por grafite em Buenos Aires nesta sexta-feira. / MARIO TAMA (GETTY IMAGES)
Quase tudo é volátil na Argentina. Se há poucos meses se discutia qual seria a força mantida pelo kirchnerismo depois de 12 anos, agora ninguém contesta que sua época passou, que os argentinos apostaram na mudança e que, quem quer que ganhe as eleições deste domingo, o liberal Mauricio Macri (da aliança Cambiemos) ou o peronista Daniel Scioli (da Frente para a Vitória), a guinada vai ser evidente. O voto de 32 milhões de argentinos decidirá a intensidade dessa mudança, não apenas pelo vencedor –todas as pesquisas indicam Macri–, mas também pela distância entre ambos.
Toda a discussão política, cultural e social na Argentina gira em torno de uma ideia: o que ela é e o que pode ser. O país está tomado por uma espécie de nostalgia do futuro, de um destino de grandeza que nunca chega. A ideia de que um país de 40 milhões de habitantes que produz alimentos para 400 milhões poderia estar muito melhor dá munição aos antikirchneristas. Mas os kirchneristas argumentam que a Argentina nunca esteve tão bem como agora, com maior presença do Estado, com melhor redistribuição, com mais emprego.
Na Argentina se discute sem dados sobre o presente –todas as estatísticas são contestadas–, sobre o futuro –por motivos óbvios– e sobre o passado, que alguns mitificam e outros rejeitam. Alguns dos intelectuais e artistas de maior prestígio do país, entrevistados pelo EL PAÍS para estas eleições, fornecem pistas sobre o estado de ânimo de um país que não para de se questionar sobre seu lugar no mundo, para chegar a uma conclusão sobre a qual quase todos estão de acordo: a Argentina é plena de individualidades brilhantes, mas não consegue se organizar para trabalhá-las em conjunto. Mais ou menos o que acontece com sua seleção de futebol.
Outros, como Aldo Ferrer, que foi ministro da Economia no início da década de setenta e apoiou o kirchnerismo, são mais otimistas. “O país saiu da pior crise da história econômica argentina, a de 2001, recuperou a governabilidade, a solvência fiscal, desendividou-se, construiu um sistema bancário sólido. É preciso considerar que o país teve seis golpes de Estado entre 1930 e 1983. Isso é coisa do passado. Estamos no melhor momento de nossa experiência histórica”, declara.“A Argentina que conhecemos nos anos sessenta se perdeu”, afirma Beatriz Sarlo, uma das intelectuais mais respeitadas do país, muito crítica em relação ao kirchnerismo, com visão de esquerda. “Era caracterizada pelo pleno emprego, por baixos índices de pobreza. A Argentina dos anos sessenta proporcionava na escola primária um nível de alfabetização que permitia encarar o mundo do trabalho sem problemas e uma relativa ascensão social. Os argentinos de mais de 40 anos não conheciam um país com 20% ou 30% de pobreza”, diz.
Juan José Sebreli, um dos intelectuais mais conhecidos, fala em decadência. “Começa logo após a Segunda Guerra Mundial, por razões econômicas, políticas e sociais e várias outras. Depois de 50 anos, não é crise, é decadência. Um estado falido que chega ao ápice com o kirchnerismo”. Sebreli recomendou votar em Macri, o que também fez o escritor Marcos Aguinis, que explica a ideia do individualismo: “A Argentina não apenas tem muitos recursos naturais como continua a ter uma grande quantidade de pessoas capacitadas, mas que se manifestam de forma individual. Temos até um Papa. Mas como conjunto é difícil fazermos funcionar”. “Macri não é um político, não tem carisma, e talvez esses defeitos possam ser um benefício, porque o político é alguém que está acostumado a mentir, buscar o poder para enriquecer”, diz Aguinis.
Até pessoas que apoiam Macri, como Rodolfo Terragno, veterano político e intelectual da União Cívica Radical, confessam que ele não é a opção ideal, mas a única forma de derrotar o kirchnerismo. “Estamos diante de uma eleição que, fazendo comparação com a comida servida nos aviões, é em boa parte massa ou frango. Não se pode dizer que não, que quer outro prato. Muita gente não gosta, mas é preciso se conformar.”
Ricardo Forster, intelectual de referência da situação e membro do Governo, afirma que “o kirchnerismo não desaparecerá” e ainda confia na vitória de Scioli, mas admite, com surpresa, o sucesso do rival: “Macri conseguiu passar o teto da centro-direita argentina. O Cambiemos conquistou setores da classe média baixa, e até setores populares. Conseguiu que esses setores escolham um modelo de sociedade que provavelmente lhes trará enorme prejuízo”.
O escritor Mempo Giardinelli, próximo ao kircherismo, nega a decadência: “Essa nostalgia do passado só é sentida pelos setores mais privilegiados. Mas a verdade é que a Argentina de quase todo o século XX foi um país muito injusto e desigual. Hoje, em termos de equidade social, e ainda com tudo que há por fazer, não tenho dúvida de que estamos num dos melhores momentos de nossa história. Outro intelectual kirchnerista, Alejandro Dolina, faz a mesma desmitificação do passado: “Estamos em bom momento, mas na verdade nunca tivemos o melhor momento. Talvez a história argentina não registre senão lágrimas em todas as suas páginas. Nem mesmo o pior dos opositores acha que estamos afundando, embora diga isso. Não é assim. Comparar com o passado real, o passado de varíola, de pessoas que morriam de tuberculose aos 40 anos, que não aprendiam a ler ou que andavam sem sapatos, talvez não seja tão romântico”.
Diante da provável vitória de Macri, a reação é muito diversa. Intelectuais como Enrique Valiente Noailles se animam e creem que o país decidiu mudar: “A Argentina se fartou de si mesma, de viver num ambiente que produz seu próprio monóxido de carbono. Há uma sensação de paralisação profunda do destino da Argentina. Cansou-se dessa fenda que não se fecha nunca entre o que a Argentina é e o que pode ser”.
O mundo da cultura esteve muito próximo do kirchnerismo. Um dos atores mais conhecidos e respeitados, Leonardo Sbaraglia, está muito preocupado com a chegada de Macri e faz uma autocrítica: “Não se construiu um substituto à altura do que foram Néstor e Cristina. Não digo que do lado do kirchnerismo tudo sejam rosas, mas é possível continuar lutando. Macri é um lobo em pele de cordeiro”. Sbaraglia já pensa na estrutura de resistência ao macrismo: “Todo o tecido social, solidário, de luta ideológica, foi reconstruído desde 2001. Não acredito que o povo argentino deixe por isso mesmo, como fez com o menemismo nos anos 90”.
historiador Felipe Pigna também fala sobre essa resistência: “Note o cuidado que o candidato da direita tem de dizer que não vai mexer nos planos. Isso é uma vitória do povo, os argentinos conseguiram isso. Como dizia Maquiavel, a única forma para os políticos fazerem o que têm que fazer é meter medo no povo. Não há segredo, eu que me canso de ler a história mundial, é sempre o mesmo. Que os candidatos em todo o arco político tenham medo do povo me parece muito interessante”.
O kirchnerismo entrou na fase autocrítica com a aproximação da derrota. “Se há alguma falha está na inteligência de Cristina Kirchner, que é tão inteligente que considera que não precisa de assessoramento nem formar quadros, e não soube formar um sucessor”, afirma José Pablo Feinmann, filósofo de referência do Governo. Ele acredita que Scioli e Macri são “duas caras do capitalismo, uma das quais [Scioli] se apresenta como uma cara do capitalismo humanitário, distribucionista e latino-americanista”, e por isso o apoia. Os cientistas também têm estado muito próximos do kirchnerismo, que investiu muito em ciência. Um dos mais reconhecidos, o biólogo molecular Alberto Kornblilhtt, diz que “não foi a revolução socialista ou o fim da pobreza”, mas foram governos muito bons que “estiveram à esquerda da média dos argentinos”.
Outros são muito mais críticos. O intelectual José Nun, que foi ministro da Cultura da primeira fase do kirchnerismo, agora é muito duro: “A pobreza é similar à que antecedeu a crise de 2001, as reservas do Banco Central são similares às dessa crise. As medidas que vêm sendo tomadas deixam uma carga tamanha a quem assuma a Presidência que, de um modo ou de outro, vai haver ajuste e desvalorização, com características distintas”.
Dante Caputo, ex-ministro das Relações Exteriores de Alfonsín, resume os últimos anos de seu país: “A história da Argentina se escreve com um Governo que gera ilusões, e depois frustrações, e que leva a governos que são opostos ao que defraudou a ilusão. Isso vai e volta, esse movimento pendular, essa obsessão por Foucault que a Argentina tem é desesperadora.”
O prêmio Nobel da Paz em 1980 e membro fundador da teologia da libertação, Adolfo Pérez Esquivel, também é crítico, apesar de ter anunciado que votará em Scioli porque o prefere a Macri: “Nós não lutamos para isso. Lutamos por uma sociedade livre, mais justa, uma democracia participativa. Não para governos autoritários, onde a pobreza, a marginalidade e a falta de respeito ao direito das pessoas e dos povos aumentam. Arriscamos nossas vidas, nossas famílias, passamos pelas prisões e pelas torturas, e não foi para chegar a uma situação de mediocridade como a que temos agora”, afirma.
O neurologista Facundo Manes fala, inclusive, de um “cérebro argentino”, uma forma de pensar que impede o país de progredir: “Nós argentinos somos pessoas resilientes, superpreparadas para enfrentar as crises, criativos, mas nos falta mais trabalho em equipe. Temos que mudar a inclinação mental que temos, o ‘roubam mas fazem’, o ‘só o peronismo pode governar’, o ‘só importa o que é urgente’. Acho que a educação é parte de uma sociedade que precisa se reinventar”, diz.
O cantor Andrés Calamaro fala dessa sensação do que poderia ter sido: “A Argentina era uma economia promissora no mundo, havia as condições internas e internacionais para exportar produção agropecuária, mas estamos falando de anos anteriores à Segunda Guerra Mundial. Existe uma sensação de destino desperdiçado, quase uma maldição argentina. Talvez não tenhamos aprendido com os nossos erros porque são funcionais para o benefício de alguns poucos”.
Apesar de tudo, tanto os de um lado como os do outro acreditam que a Argentina está melhor do que em 2001, sua última grande crise, e de alguma forma confiam que seguirá em frente, um sentimento muito presente entre os argentinos. O humorista Liniers, autor deMacanudo, umas das tiras cômicas mais seguidas do país, resume esse otimismo cético característico de seus compatriotas: “A Argentina é tão generosa em descontroles... nos últimos 50 anos teve crises econômicas, golpes ditatoriais, violência de todos os pontos de vista, e nos agarramos ao humor. Sim, sou hiperotimista. Porqueacho que aprendemos a lição importante, que era a da democracia. O povo que vive aqui é simpático, desopilante, diferente, às vezes generoso, às vezes raivoso, mas interessante”. Esses argentinos que tanto debatem sobre si mesmos decidem hoje o futuro de seu país.

Ex-gerente da Petrobras diz à PF ‘não saber explicar’ depósito de lobista

Agência Brasil
O engenheiro Roberto Gonçalves, ex-gerente executivo da área Internacional da Petrobras, disse nesta sexta-feira (20/11) à Polícia Federal que “não sabe explicar” por que o lobista Mário Góes afirmou ter pago propinas a ele no esquema de corrupção instalado na estatal entre 2004 e 2014. Alvo da Operação Corrosão, 20ª fase da Lava Jato, Gonçalves foi preso pela PF na segunda-feira (16), em caráter temporário por cinco dias, e o juiz Sérgio Moro prorrogou nesta sexta sua prisão por igual período, cinco dias, atendendo ao pedido do Ministério Público Federal.
Acompanhado de seu advogado, James Walker, o ex-gerente depôs à delegada Renata da Silva Rodrigues, da PF em Curitiba, e negou ter recebido vantagens indevidas.
Mário Góes é apontado como operador de propinas e fez delação premiada. Segundo ele, o repasse a Gonçalves teria saído de contratos celebrados pela Sete Brasil, criada em 2010. Outro delator, o empreiteiro Ricardo Pessoa, dono da UTC Engenharia, afirmou que entregou propinas ao então gerente executivo “em espécie, por cerca de seis vezes”, no Rio de Janeiro.
Gonçalves disse ter conhecido o lobista em 2007 ou 2008 “por conta de sua atuação na área de engenharia naval”. “Góes era representante de empresas que atuavam nessa área. Encontrou Góes em diversas ocasiões, desde o momento que o conheceu, tendo inclusive conhecido sua família e tendo estado em sua residência em São Conrado”, disse.
O engenheiro substituiu Pedro Barusco na Gerência Executiva da Diretoria de Serviços da Petrobras, um dos principais focos de corrupção na estatal. Barusco confessou ter recebido US$ 97 milhões em propinas. Ele disse que Gonçalves “estava entre os beneficiários” de propinas e que “para tanto utilizou conta secreta no exterior”.
A Procuradoria alega ter descoberto que Gonçalves mantinha conta no Banco Pictet&CO em nome da offshore Mayana Trading. À PF, o executivo negou ter movimentado dinheiro neste banco.
Auditoria
Ao decretar a prisão temporária do ex-gerente da Petrobras, Moro citou relatório de Comissão de Apuração Interna da estatal, que imputou a Gonçalves “parte das irregularidades” encontradas nas licitações e contratos do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), como a contratação direta do Consórcio TUC (Odebrecht, UTC Engeharia e PPI – Projeto de Plantas Industriais Ltda.) para montagem das Unidades de Geração de Vapor e Energia. A comissão entendeu que não havia justificativa para a contratação direta sem licitação. Questionado pela PF, Gonçalves afirmou que não lhe cabia “decidir pela contratação direta ou não”.
A delegada insistiu e perguntou ao ex-gerente se ele solicitou autorização para que o contrato referente ao Consórcio TUC fosse feito de forma direta. Ele respondeu que era “praxe que tais solicitações partissem dos executivos da sua área e da Área de Abastecimento, e que de fato realizou o pedido de autorização por que o Consórcio TUC já vinha negociando com a Petrobras desde 2008, e entendia que a contratação direta seria a medida mais adequada dado o lapso de tempo já transcorrido”.

O polêmico debate sobre reparações pela escravidão no Brasil Fernando Duarte Da BBC Brasil em Londres

Cortesia Instituto Moreira SallesImage copyrightCortesia Instituto Moreira Salles
Image captionProibição no tráfico negreiro não impediu que mais de 700 mil escravos fossem trazidos ilegalmente ao Brasil entre 1831 e 1850
"Declara livre todos os escravos vindos de fora do Império e impõe penas aos importadores dos mesmos escravos."
Promulgada em 7 de novembro de 1831, a Lei Feijó propunha exatamente o que a linha de abertura de seu texto, acima, sugeria: o Brasil finalmente aderia ao combate ao tráfico negreiro, depois de quase três séculos de importação de trabalho forçado.
Infelizmente, o compromisso foi apenas no papel – uma forma de ganhar tempo diante da pressão da Coroa Britânica, que 24 anos antes tinha aberto uma frente de batalha diplomática contra o tráfico. Historiadores estimam que até 1850, quando o Segundo Reinado aprovou a Lei Eusébio de Queiroz, a primeira a surtir impacto relevante sobre a escravidão no Brasil, mais de 500 mil negros haviam trazidos ilegalmente da África para o país. Com a conivência das autoridades.
O possível crime de Estado é um dos pontos norteia as atividades de uma comissão especial da Ordem dos Advogados do Brasil, empossada no início do ano para fazer um levantamento minucioso da escravidão negra no Brasil e discutir abertamente formas de reparação e indenização para descendentes de negros aprisionados.

'Crime de Estado'

"É uma Comissão da Verdade sobre a escravidão negra. Faremos uma investigação nos moldes do grupo que investigou os crimes da ditadura. O Brasil ainda não fez algo do gênero, quando se trata de um dos maiores crimes contra a humanidade já cometidos. Isso se torna ainda mais importante quando uma parcela da população brasileira ainda não compreende a necessidade de ações afirmativas contra o racismo em nossa sociedade, que é um legado óbvio da escravidão", afirma o presidente da comissão, o advogado Humberto Adami.
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Image captionEscravos brasileiros não foram indenizados com assinatura da Lei Áurea
O assunto não é novo. Na época da abolição brasileira, em 1888, abolicionistas defenderam o pagamento de reparações aos escravos libertados, inclusive apresentando modelos de cálculo. Em 2013, o Senado Federal analisou e derrubou uma proposta de pagamentos individuais, que estabelecia um mínimo de R$ 200 mil para descendentes de escravos.
Globalmente, o tema voltou à tona em outubro, quando a visita à Jamaica do primeiro-ministro britânico, David Cameron, foi ofuscada por um pedido da premiê da ilha caribenha, Portia Simpson Miller, para que o governo do Reino Unido aceitasse discutir tanto indenizações quanto um pedido formal de desculpas pela participação britânica no flagelo da escravidão.
A Jamaica, por sinal, faz parte de uma comissão de nações do Caribe que há dois anos prepara uma ação judicial contra os governos britânico, holandês e francês em busca de reparações pela escravidão em tempos coloniais.
"O caso dessas nações é diferente do que está acontecendo no Brasil, porque o grande crime no país foi o momento em que o Estado permitiu uma clara violação da legislação ao não reprimir o tráfico clandestino, que prosseguiu entre 1831 e 1850. A conivência pode ser traçada de funcionários públicos ao imperador Dom Pedro 2º", afirma o historiador brasileiro Sidney Chalhoub, professor da Universidade Harvard (EUA) cuja pesquisa se concentra na análise da escravidão ilegal no país.
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Image captionEstima-se que 40% do tráfico transatlântico de escravos teve o Brasil como destino
"O Estado brasileiro precisa reconhecer ainda mais uma dívida que tem com os descendentes de escravos traficados ilegalmente. É necessário desde um pedido de desculpas a uma intensificação das políticas públicas de ação afirmativa. Ainda mais porque a posição relativa da população negra na sociedade brasileira continua a mesma."

Erros assumidos

Luiz Felipe de Alencastro, um dos historiadores que prestaram depoimento ao STF (Supremo Tribunal Federal) durante o julgamento da constitucionalidade do sistema de cotas universitárias, em 2010, também é favorável à reparação por meio da ação afirmativa, sob o argumento de que a população negra e parda é maioria no Brasil.
"Indenizações e reparações são para minorias. Um exemplo é a questão da demarcação de terras indígenas, por exemplo. Para a população negra, há uma necessidade crucial de políticas afirmativas, como assunto de interesse do espírito democrático brasileiro. Nenhum país no continente americano praticou a escravidão em escala tão larga quanto o Brasil e todos os escravos trazidos depois de 1831 foram traficados ilegalmente. O caso é escandaloso e precisa ser discutido publicamente mais e mais, porque houve um conluio geral do Estado brasileiro, um pacto implícito em favor da violação da lei", afirma Alencastro.
Adami, da OAB, concorda que o caminho da ação afirmativa é mais viável para reparações da escravidão. "No momento em que você começa a falar em dinheiro, a coisa complica, mas não acho que quem defenda o pagamento de indenizações esteja errado. Minha maior preocupação, porém, é com a falta de uma política governamental mais forte de promoção de mais educação sobre o que foi a escravidão. A lei 10.639, que torna obrigatório o ensino sobre história e cultura afro-brasileira, por exemplo não é cumprida como deveria", afirma o advogado.
Defensores da reparação financeira apontam para o exemplo dos pagamentos feitos até hoje pela Alemanha para descendentes dos 6 milhões de judeus mortos no Holocausto – durante seis décadas, a Alemanha pagou o equivalente a US$ 89 bilhões a título de indenizações também pelos bens de judeus confiscados pelo regime nazista.
Mas, além das dificuldades técnicas envolvidas no rastreamento de violações dos direitos humanos ao longo de séculos, os custos de reparações individuais podem se tornar gigantescos. Se a proposta rejeitada pelo Senado tivesse ido adiante, por exemplo, os pagamentos rapidamente atingiriam cifras astronômicas – uma estimativa do economista Mário Lisboa Theodoro falava em R$ 16 quadrilhões, mais de 600 vezes o PIB anual dos Estados Unidos, por exemplo.
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Image captionTráfico negreiro foi proibido no Brasil em 1831, mas apenas no papel
"Precisaríamos de uma investigação jurídica muito séria para começar a discutir questões de reparação individual, especialmente para discutir o mérito de ações indenizatórias. Ninguém aqui está negando que a escravidão é uma chaga na história brasileira, mas ao mesmo tempo o Brasil deve ser também elogiado pela forma como evitou, a exemplo do que ocorreu nos Estados Unidos, uma guerra civil em torno da abolição", afirma Ibsen Noronha, professor da Universidade de Coimbra, em Portugal, e especialista na história do direito brasileiro.
O discurso da reparação feita por meio de políticas públicas é repetido pelo secretário de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Ronaldo Barros. Ele menciona o fato de o Brasil ser signatário da Declaração de Durban, ao final da Conferência Mundial contra o Racismo da ONU, em 2001, na África do Sul, como evidência de o país não ter fechado os olhos para o passado.
"Somos signatários de uma declaração em que assumimos a responsabilidade do Brasil com a história da escravidão e nosso compromisso com a diminuição de seus efeitos sobre a sociedade brasileira. O Estado assumiu os crimes cometidos. E o governo brasileiro tem feito justamente isso nos últimos 12 anos com a criação de ordenamentos jurídicos que vão das cotas de acesso ao ensino superior a leis como a 10.639. O Brasil é um dos países mais avançados na implantação das recomendações de Durban", diz o secretário.

A mancha da escravidão

Números de envergonhar o Brasil

5 milhões
escravos africanos trazidos para o Brasil entre 1550 e 1856
  • 660 mil total estimado de mortos apenas durante a travessia transatlântica
  • 41% da população do Rio de Janeiro composta por escravos em 1850
  • 60% dos escravos trazidos a partir de 1841 eram crianças
Thinkstock
Barros também argumenta que o famoso pedido de desculpas feito pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva aos países africanos durante uma visita ao Senegal, em 2005, aprofundou um relacionamento do Brasil com o continente, que já era bem diferente do mantido por países como França e Reino Unido. E que, em sua opinião, evitou que movimentos semelhantes ao da comissão caribenha questionassem mais duramente a responsabilidade do governo brasileiro na escravidão.
"As demandas dos países da Caricom (Comunidade do Caribe) são legítimas e não cabe ao Brasil julgá-las. Também fomos vítimas da escravidão, mas temos uma filosofia diferente de lidar com essa dívida histórica também com os países africanos, em uma parceria sul-sul. Nossa reparação é através do desenvolvimento da cooperação com essas nações".