Os motoristas e empresários do setor de caçambas de entulho terão 90 dias para se adaptar a nova lei que prevê fiscalização eletrônica dos compartimentos de lixo e dos veículos. No final da manhã desta terça-feira, 3, após terem ocupado a região central de São Paulo interditando o Viaduto do Chá e agravado o trânsito da capital, eles se reuniram com o prefeito Fernando Haddad (PT) e o secretário municipal de Serviços, Simão Pedro.
Eles são contra à resolução da Autoridade Municipal de Limpeza Urbana (Amlurb), órgão vinculado ao poder municipal, que determina multas e um controle mais rigoroso do descarte de sobras, além de um cadastro on-line de todos os caminhões usados na atividade. A tecnologia exigida pela Prefeitura permite que os veículos sejam monitorados na garagem, nos locais de coleta e nos pontos de descarte para evitar que as entulhos sejam dispensados de forma irregular. Antes da resolução da Amlurb, o acompanhamento era feito através de planilhas de papel.
Os caçambeiros recebem uma senha virtual do Controle de Transporte Resíduos (CTR) na hora que são contratados para coletar o entulho. A baixa no sistema é feita depois que o lixo é descartado em um local regulamentado pela Amlurb. O setor reclama que a senha é fornecida pelo número de pessoa jurídica (CNPJ) dos prestadores de serviço e que isso torna os dados das empresas acessíveis para qualquer funcionário.
Fernando Haddad adiou em 90 dias as regras para as caçambas (Foto: Divulgação)
"O sistema do jeito que está não é operável. Qualquer um pode ter acesso aos balances das empresas", disse o engenheiro civil e empresário Luciano Chaves, de 37 anos, que representou as empresas de terraplenagem na reunião com Haddad e Pedro. Ainda segundo eles, o CTR e a senha podem ficar bloqueados caso eles encontrem centros de descarte fechados ou lotados. "Se não conseguimos dar baixa, somos multados no vencimento do prazo que temos para nos livramos do lixo. Não temos como mudar o endereço no descarte", explicou Chaves.
De acordo o secretário Simão Pedro, durante os 90 dias corridos que eles terão para se adaptar, a Prefeitura vai flexibilizar fazendo com que eles possam mudar os pontos de descarte para que os caminhões não fiquem bloqueados para outros serviços. Em troca, o setor irá aderir ao sistema virtual de controle de cargas.
"O bom é que pactuamos com eles que, em vez de boicotarem a medida, vão ajudar a implantar o novo sistema. O prazo é o tempo necessário para transição", explicou Pedro. Ainda segundo ele, durante a reunião Haddad "achou razoável" criar uma senha a mais que não esteja vinculada ao CNPJ da empresa, destinado aos funcionários de "baixo escalão".
A população de mulheres encarceradas nas penitenciárias brasileiras subiu de 5.601 para 37.380 entre 2000 e 2014 - um aumento de 567%. A taxa é mais de quatro vezes maior que o crescimento geral de presos no País, de 119%. Os dados são do relatório Infopen Mulheres, divulgado nesta quinta-feira (5/11) pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen), do Ministério da Justiça.
O número posiciona o Brasil no quinto lugar do ranking de países com maior população carcerária feminina, perdendo apenas para os Estados Unidos (205 mil mulheres), China (103 mil), Rússia (53 mil) e Tailândia (44 mil).
Coletados pelo Depen, os dados - fornecidos por 1.424 unidades prisionais em todo o sistema penitenciário, estadual e federal - traçam um perfil atualizado das mulheres privadas de liberdade com base em escolaridade, cor, faixa etária, estado civil, natureza da prisão e tipos de crimes. Em geral, as detentas brasileiras são negras, jovens (têm idades entre 18 e 29 anos), pobres, têm filhos, são responsáveis pelo sustento familiar e possuem baixa escolaridade.
"Pelo impacto que causa nas relações familiares e sociais, a prisão da mulher exige um olhar diferenciado tanto do gestor penitenciário quanto dos agendes do Poder Judiciário", afirma o diretor-geral do Depen, Renato De Vitto, afirmando que o estudo busca auxiliar gestores no desenvolvimento e implementação de políticas voltadas às presas.
Do total de mulheres detidas, 68% responde por tráfico de drogas, mas poucas foram responsabilizadas por gerenciar o crime: a maioria atuava como coadjuvante, realizando serviços de transporte e pequeno comércio. Condições
A pesquisa também revela que apenas 103 presídios são exclusivamente femininos, o equivalente a 7% de todas as unidades prisionais do Brasil. Outros 17% são mistos, ou seja, têm alas femininas e masculinas. Em alguns casos, "são estabelecimentos masculinos adaptados precariamente para receber mulheres, não oferecendo condições básicas para ela e para os filhos pequenos", diz a diretora de Políticas Penitenciárias do Depen, Valdirene Daufemback.
As conclusões do estudo sobre a infraestrutura das unidades que custodiam mulheres corroboram a teoria da diretora: menos da metade (34%) das prisões femininas dispõe de cela ou dormitório adequado para gestantes, enquanto nos presídios mistos esse porcentual cai para 6%.
Berçário só existe em 32% das penitenciárias exclusivamente femininas e em apenas 3% das mistas. Nenhuma unidade mista tem creche para crianças, mas o número não é muito melhor nas prisões só para mulheres: 5%.
Distribuição
São Paulo é o Estado com maior população absoluta de mulheres encarceradas, respondendo por 39% do total de presidiárias no País. Alagoas teve o maior crescimento da população prisional feminina em 15 anos: 444%.
Três em cada 10 mulheres presas estão detidas sem condenação. O relatório ainda aponta que a maior parte delas é solteira (57%) e cumpre pena em regime fechado (45%), com tempo de detenção de até 8 anos (63%). Outro aspecto se destaca no estudo: duas em cada três presidiárias são negras.
No sistema carcerário, metade das mulheres não concluiu o Ensino Fundamental. Apenas 30% delas exerce algum trabalho dentro da prisão e 21,4% participam de alguma atividade educacional.
O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), prepara para esta semana a criação da comissão especial para discutir o mérito da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que prorroga a Desvinculação de Receitas da União (DRU). Segundo apurou a Agência Estado, o peemedebista deverá indicar o deputado Laudivio Carvalho (PMDB-MG) como relator da matéria.
Aliado de Cunha, Carvalho está no primeiro mandato como deputado federal e pertence à chamada "bancada da bala". O radialista foi relator, em comissão especial, dos projetos de lei que revogam o Estatuto do Desarmamento. Em seu parecer, aprovado pelo colegiado no fim de outubro, ele reduziu de 25 para 21 anos a idade mínima para compra de armas no Brasil e estendeu o porte a deputados e senadores.
A escolha de um aliado para relatar a discussão da DRU na comissão especial foi tomada por Cunha na mesma semana em que reclamou com o vice-presidente, Michel Temer, da articulação entre o Planalto e o líder do PMDB na Câmara, Leonardo Picciani (RJ), para substituí-lo no comando da Casa. Cunha teria ameaçado se vingar do governo, criando empecilhos para atrasar as votações de projetos importantes.
Com o aliado na relatoria, o presidente da Câmara manterá controle mais rígido das mudanças na PEC da DRU. Enfrentando processo no Conselho de Ética da Câmara por quebra de decoro parlamentar, ele poderá usar isso como mais uma moeda de troca para barganhar apoio do governo a sua permanência no cargo, da mesma forma como vem fazendo com os pedidos de impeachment da presidente Dilma Rousseff.
Instalação
Após a criação, a instalação de fato da comissão especial para analisar a DRU só deverá ser instalada na semana seguinte. Isso porque os partidos dispõem de um tempo para indicar seus integrantes. A instalação ocorrerá cerca de duas semanas após a admissibilidade da PEC ser aprovada na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara, por 44 votos a 6.
A única alteração sofrida pela matéria no colegiado foi a que proibiu o governo de desvincular recursos de fundos constitucionais de desenvolvimento regional do Norte, Nordeste e Centro-Oeste. A proibição foi proposta pelo relator, deputado Marcos Rogério (PDT-RO), e teve aval de governo e oposição. Na avaliação do pedetista, a desvinculação desses fundos tornaria vulnerável o Pacto Federativo.
Alíquota
Na comissão especial, a principal discussão deverá ficar em torno da alíquota do Orçamento da União que o Executivo poderá remanejar. A proposta do governo é elevar o porcentual dos atuais 20% para 30%. "O governo quer manter os 30%, isso é fundamental", diz o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE). A oposição, contudo, condiciona voto favorável à manutenção da alíquota em 20%.
O governo, por sua vez, tentará incluir, durante a discussão do mérito, emenda autorizando desvinculação de receitas também por parte de Estados e municípios. A medida atende pleito de prefeitos e governadores. A ideia do Planalto é usar a força desses gestores para pressionar a oposição a aprovar a proposta. "Só vamos incluir se tiver acordo", ponderou Guimarães.
Prazo
Na comissão especial, governo também deverá buscar acordo sobre o prazo para prorrogação da DRU. Isso porque estão sendo analisadas três PECs diferentes: a do deputado André Figueiredo (hoje ministro das Comunicações), que propõe estender a desvinculação até 31 de dezembro de 2019; a do deputado Benito Gama (PTB-BA), até o fim de 2016; e a do governo, até o último dia de 2023.
O governo corre contra o tempo para aprovar a PEC ainda este ano Em vigor desde 1994, a DRU vem sendo prorrogada desde então e a última prorrogação vence em 31 de dezembro. Governistas já reconhecem que dificilmente a matéria será aprovada em 2015. Isso porque após passar pela comissão especial na Câmara, a matéria ainda precisa ser aprovada pelo plenário da Casa, de onde ainda seguirá para o Senado.
Por permitir o remanejo do Orçamento, a DRU é considerada prioritária pelo governo, no momento em que tenta reequilibrar as contas públicas. Na proposta de 30% de alíquota, a equipe econômica conta com desvinculação de até R$ 121,4 bilhões do Orçamento de 2016. Caso o projeto não seja sancionado até 31 de dezembro, o governo não poderá remanejar esse montante.
TEMPE (Reuters) - Agora que os Estados Unidos estão se aproximando do pleno emprego e a inflação deve aumentar para níveis da meta, o "próximo passo" deve ser começar a aumentar as taxas de juros gradualmente, disse um importante integrante do Federal Reserve no sábado.
"Eu acho que faz sentido remover gradualmente a política de acomodação que ajudou a economia a chegar onde estamos", disse o presidente do Banco Central de São Francisco, John Williams, ao Conselho do Arizona sobre Educação Econômica.
Os comentários sugerem que Williams está tendendo para um apoio ao aumento da taxa de dezembro.
Perguntado por um jornalista se este é o caso, Williams se recusou a dizer, acrescentando que espera "muitos dados" entre agora e dezembro. "Eu vou esperar e ver", disse.
O Fed manteve as taxas de juros perto de zero por quase sete anos, e o Banco Central disse no mês passado que consideraria aumentar a taxa na reunião de 15 e 16 de dezembro, a última do ano.
O aceno explícito para a próxima reunião do Fed fez com que operadores corressem para aumentar as apostas sobre uma medida em dezembro, apostas ampliadas após um relatório do governo na sexta-feira mostrar que a economia teve maior número de empregos que o esperado em outubro.
O protesto do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), acabou com três integrantes do movimento detidos neste domingo, em Brasília. Segundo a Polícia Civil, um integrante de 15 anos do MTST agrediu outro membro do movimento de 19 anos durante uma discussão. O pai do adolescente se meteu na briga e também acabou detido. Eles foram levados para a delegacia, mas foram liberados após retirarem a denúncia.
O protesto do MTST começou no início da tarde deste domingo. Cerca de 200 pessoas, de acordo com o movimento, partiram do terminal rodoviário da capital federal e caminharam pelo Eixo Monumental até o gramado em frente ao Congresso Nacional. No local, eles chegaram a incendiar um boneco do presidente da Câmara feito por eles.
Apesar do incidente interno, desta vez integrantes do MTST não entraram em confronto com membros do Movimento Brasil Livre (MBL) que estão acampados no gramado do Congresso desde a semana retrasada, pedindo o impeachment da presidente Dilma Rousseff. No último dia 28 de outubro, quando o protestavam contra a aprovação do projeto que tipifica o crime de terrorismo, houve bate-boca e empurra-empurra entre integrantes dos dois movimentos.
Cunha é alvo de representação no Conselho de Ética da Câmara por quebra de decoro parlamentar. Ele é acusado de mentir na CPI da Petrobras, ao dizer que não tinha contas secretas na Suíça. Documentos do Ministério Público suíço, contudo, confirmam que ele e sua esposa, a jornalista Cláudia Cruz, possuem contas bancárias, por meio das quais teriam recebido dinheiro de propina. Cunha também é investigado por ter patrimônio não declarado no exterior.
Em assembleia realizada na noite deste domingo (8), os metroviários do Distrito Federal decidiram pela continuidade da greve, inciada há uma semana. Cerca de 100 trabalhadores participaram da reunião, na Praça do Relógio, em Taguatinga. Eles votaram uma contraproposta, que será apresentada hoje ao GDF. Caso o Executivo acate todos os pedidos, a categoria volta ao trabalho imediatamente.
Entre as exigências estão a garantia de convocação dos aprovados no concurso público realizado no início de 2014. Os metroviários querem ainda o cumprimento do acordo coletivo, firmado em abril deste ano, que prevê o pagamento do reajuste salarial, aprovado na gestão passada, com a reposição da inflação de 8,4%.
Paralisação repentina
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Os servidores do Metrô entraram em greve no último dia 3. Logo após o feriado de Finados, os brasilienses foram surpreendidos pela paralisação, que causou muito transtorno à população. De acordo com o sindicato da categoria, o serviço ficou limitado a oito dos 24 trens durante o movimento grevista. Os metroviários exigiam o cumprimento do acordo coletivo, firmado em abril deste ano, do pagamento do reajuste salarial para a categoria, aprovado na gestão passada, com a reposição da inflação de 8,4%.
Os integrantes da categoria também reclamam do excesso de comissionados nos quadros da empresa. Com a greve do metrô, a alternativa dos usuários do transporte público na maioria dos dias de paralisação tem sido recorrer aos ônibus. As paradas e os coletivos ficaram mais cheios na primeira semana de greve.
Durante parte da paralisação dos metroviários, as faixas exclusivas para ônibus da Estrada Parque Taguatinga (EPTG) e da Estrada Parque Núcleo Bandeirante (EPNB) estão liberadas para o trânsito de todos os veículos. A medida do Departamento de Estradas de Rodagem (DER-DF) entrou em vigor na última quinta-feira. Por medida de segurança, a única via que não foi liberada é a faixa exclusiva do BRT Sul, já que os ônibus da linha funcionam normalmente.
Nos dias de greve, a direção do metrô tem colocado em prática um plano de contingência, em que várias estações ficam abertas somente para desembarque em horários de pico. A companhia também decidiu paralisar os trabalhos aos domingos durante a greve. Para atender regiões afetadas pelo movimento grevista, a Secretaria de Mobilidade determinou que 48 ônibus extras circulem pela cidade.
Alternativas
Na última quinta-feira, o governador Rodrigo Rollemberg se reuniu com sindicalistas de várias categorias e anunciou a criação de um grupo de trabalho para estudar alternativas de aumento de receitas que possibilitem o pagamento do retroativo a 32 categorias. A proposta animou alguns sindicatos, que viram na sinalização a possibilidade de avanços. Segundo o GDF, caso surjam fontes extras de arrecadação, os retroativos serão pagos a partir de 2017.
Esse grupo de trabalho terá integrantes do GDF e sindicalistas. “Continuamos os diálogos com os sindicatos com o objetivo de retomar a normalidade dos serviços públicos. Avançamos na criação do grupo e, partir da garantia de receitas, construiremos um calendário de pagamento dos retroativos no próximo ano”, garantiu o chefe do Executivo durante o encontro.
Esperar a chegada de um filho é imaginar como serão o seu rosto, a cor dos cabelos, o primeiro sorriso, o ato de amamentar. São milhares de expectativas. Nada no mundo poderia preparar a mulher para a frustração da perda do bebê durante a gestação ou logo após o parto. O sonho interrompido se mistura a sentimentos de culpa e impotência, dando origem a um luto persistente e muito pouco debatido. Sequer os profissionais de saúde estão preparados para abordar o assunto. O consolo se limita, muitas vezes, a frases desajeitadas, como "vocês ainda são jovens, podem tentar de novo".
O berço vazio nunca será preenchido, mas cada um busca o conforto que o coração pedir — em grupos de apoio, na fé, nos livros... "Desde então, estou tentando viver novamente. Um dia de cada vez. Às vezes, nem conseguimos levantar da cama", desabafa a professora Fernanda Lopes Peixoto Balster, 34 anos. Ela se preparou durante cerca de dois anos para celebrar a vinda do segundo filho, Rafael. No nascimento, em julho deste ano, reuniu a família. Amamentou. Tirou fotos. Mas, 24 horas depois, precisou encarar a morte do bebê.
Rafael sofreu de eritroblastose fetal, doença hemolítica causada pela incompatibilidade entre o sangue materno e o fetal. Como nada foi identificado durante a gestação, o bebê nasceu com anemia grave e, durante a transfusão de hemácias, não resistiu. "Quando informaram o óbito, eu e meu esposo fomos até a UTI. Chegando lá, haviam tirado todos os aparelhos do Rafael e o enrolado em um cobertor azul. Colocaram duas cadeiras ao lado da estufa onde ele estava e me entregaram ele nos braços. Fiquei ali por algum tempo abraçada com meu bebê, chorando. Depois, entreguei para o meu marido. Peguei mais uma vez e o entreguei às pediatras, que estavam todas chorando com a gente", relembra. Por mais doloroso que tenha sido, Fernanda reconhece hoje a importância daquele breve encontro. "Pegar o Rafael nos braços, assim que nasceu, concretizou nosso amor por ele."
Tão logo recebeu alta, a professora foi velar o pequeno Rafael, sempre na companhia do marido, o servidor público Adriano Silva Balster, 42 anos, e do filho, João Gabriel, 12. "Nenhuma mãe merece ver o filho em um caixão. Achei que ia morrer. Não consegui acompanhar o enterro. Meu marido acompanhou e disse ter vivido o pior momento de sua vida, pois carregou o caixão do nosso bebê até a cova", conta. "O João Gabriel sempre pediu um irmãozinho e sofreu muito porque recebeu seu irmão, mas o perdeu", acrescenta.
Constelação materna
Na busca por preenchimento e para dar voz a um luto escondido, algumas mulheres que perderam seus filhos se unem. Para as Mães de Estrelas, olhar para o céu e contemplar o brilho estelar traz um eco profundo. Em cada astro que resplandece no cosmo, elas enxergam seus filhos. Crianças que se apagaram na Terra, mas que continuam brilhando e existindo no coração materno.
O grupo surgiu da busca pessoal de Mary Baleeiro, 33 anos. Funcionária da Fundação Nacional de Artes (Funarte), ela perdeu a filha em agosto de 2014, quase no fim da gestação. Apesar do suporte da família, do marido e da terapeuta, ela se sentia só (leia depoimento na página 27). Mary tinha um blog, no qual compartilhava a experiência do luto e da recuperação, e recebia comentários e depoimentos de mulheres que sentiam as mesmas dores. Para uma troca mais ativa, surgiu a ideia de criar um grupo no WhatsApp e outro no Facebook.
A repercussão foi grande e a adesão, maior ainda. Foi necessário dividir e multiplicar. Cada estado passou a ter seu próprio grupo no aplicativo. A possibilidade de um encontro presencial entrou em pauta. Sem perder tempo, Mary acionou uma amiga que havia passado recentemente por um aborto espontâneo, a psicóloga Andreia Crispim, 34. Uma outra amiga conectou Andreia e Mary à terapeuta Kamilla Barbosa, 29, que, além de oferecer sua sala de trabalho para uma primeira reunião, conhecia o peso de perder um filho.
Sonhos suspensos
O cuidado dispensado a Fernanda Balster, de ter um contato íntimo com o filho que morreu, não é a regra. Seja na rede pública, seja na privada. Nem todas as famílias recebem a atenção necessária. "Uma gravidez é esperança. E, de repente, aquele sonho de ter a criança nos braços se esvazia. Nesse momento, a recomendação é acolher", comenta Daphne Rattner, professora da Universidade de Brasília (UnB) e presidente da Rede pela Humanização do Parto e Nascimento (Rehuna). Humanizar não é apenas pensar no momento em que o bebê nasce saudável e o desejo de família se concretiza, mas é reavaliar como lidar com situações de perda. "O próprio Ministério da Saúde reconhece a importância de haver certa delicadeza", complementa.
Para a professora, a formação em medicina e em enfermagem não contempla suficientemente o trato com o luto. "Esses profissionais se colocam como alguém que vai salvar vidas, não como quem que vai perdê-las", comenta. A especialista explica que a abordagem humanizada não faz parte da educação médica, por mais que alguns professores trabalhem a temática em sala de aula. "O problema é que os profissionais aprendem a se distanciar e se envolvem na rotina burocrática. Não criam vínculos com os pacientes e quase não os enxergam como seres humanos. As pessoas não se sentem acolhidas nos momentos bons e, muito menos, nos ruins", analisa.
Reencontro com a palavra
A psicóloga Julia Chamusca, 33 anos, e o técnico da informação Daniel Costa Braga, 36, estão juntos desde a adolescência. Após 16 anos de união, ela engravidou pela primeira vez. O momento foi esperado ansiosamente e planejado com carinho, mas o primogênito Lino se despediu dos pais prematuramente. Na sexta semana de gestação, em outubro de 2012, ele se tornou uma estrela.
O sofrimento foi intenso e o amor e a compreensão entre os dois foram essenciais para a recuperação e para a coragem de tentar de novo. Quase um ano depois, foi a vez de Artur. Ele chegou trazendo sentimentos de medo, mas, ao mesmo tempo, esperança. Dessa vez, a gravidez durou até a 15ª semana.
No hospital, Julia ouviu frases como: "Você não perdeu nada. Era apenas um embrião". Por muito tempo, ela demorou a se reconhecer como mãe. Ao encontrar um espaço de partilha e escuta, sentiu-se à vontade e permitiu que sua experiência fizesse parte do processo de cura de outras mulheres. Leia, a seguir, o depoimento de Julia.
"A minha história são duas: foram duas perdas em um espaço de 2 anos. A primeira foi uma gravidez planejada, desejada e de uma união longa e de muito amor. Quando chegou, foi uma felicidade imensa e, uma semana depois, um susto. Tive um sangramento com cinco ou seis semanas de gravidez. Fui para o hospital de manhã, fiz um ultrassom malfeito e o médico disse apenas que meu útero não tinha sinal de gravidez. De tarde, eu sentia muita dor e o sangramento aumentou. Por volta das 16h, voltei ao hospital. A médica demorava para me dar informações e, quando finalmente veio, disse que meu útero tinha muito sangue e ela não conseguia ver nem os meus ovários. Ela nos deixou com essa notícia e foi conversar com minha ginecologista, que fazia um parto no mesmo hospital. Cinco minutos depois, ela voltou dizendo que minha gestação era ectópica e pronunciou aquelas palavras ‘lindas’ que nunca esqueci: ‘Seu embrião não é viável’. Na mesma hora, ela afirmou que eu iria para a sala de cirurgia imediatamente. Era tanta coisa para assimilar ao mesmo tempo. Nunca tinha feito cirurgia, quanto mais de emergência. Estava com meu marido e só tive tempo de pegar o telefone e ligar para minha mãe. Lembro de tirar minhas alianças e minha correntinha e dar para ele, pensando que precisava dizer o quanto o amava, pois esse era um daqueles momentos em que você pode não voltar.
A anestesista estava tão nervosa que derrubou a anestesia no chão. Foi um momento estranho: em um segundo, estava grávida do meu filho e, no outro, estava em uma mesa de cirurgia sem saber se ia sobreviver. Como processar um negócio desses? Depois da cirurgia, vieram as ‘boas notícias’. Todos repetiam que eu não tinha perdido nada, porque, na gravidez ectópica, existe o risco de perder uma das trompas ou os ovários. É uma gravidez fora do útero e, no meu caso, foi na trompa. Mas, para mim, perdi o meu filho e a segurança na minha existência, pois foi minha primeira experiência de quase morte. Passei três meses catatônica, não conseguia processar. Depois que fiquei boa, meu marido adoeceu. As coisas foram acontecendo, eu fazia terapia há muitos anos e continuei. Foi essencial, mas, ao mesmo tempo, insuficiente. O meu marido é incrível, uma pessoa iluminada, e ele me disse algo que foi marcante. Disse que no segundo no qual decidimos engravidar, a gente se abriu para a vida e para tudo que podia acontecer, saímos da nossa zona de conforto.
Quase um ano depois, começamos a querer outro filho. Por mais que eu tivesse chance de ter outra gravidez ectópica e que isso trouxesse riscos para minha vida, um filho vale tudo isso. Tive medo e um esgotamento por conta da tristeza, mas tentava manejar. Comecei uma busca intensa por coisas que me ajudassem a lidar com a situação. Busquei a meditação e ouvia mantras que eram a única coisa que me fazia dormir. A gravidez começou com um descolamento de placenta, mas não era sério. Fiquei um pouco em repouso, fiz os exames e estava tudo bem. Com 10 ou 11 semanas, no entanto, tive um sangramento violento. Não sabia que alguém podia sangrar aquilo tudo e continuar vivo, muito menos carregar uma vida. Achei que tinha perdido, me despedi, pensei em como ia viver depois disso, me refazer dessa segunda perda. No dia seguinte, fiz um exame e estava tudo perfeito. Ao cruzar a barreira das doze semanas, foi o maior alívio. A gravidez ficou pública. Quando estava com 15 semanas, comecei a entrar em trabalho de parto, apesar de eles chamarem de trabalho expulsivo, porque não reconhecem que já existia um filho para ser parido. Tive dois dias de muita dor. Tentava manter a fé e a confiança de que ia ficar tudo bem, mas, ao mesmo tempo, entendia o que estava acontecendo.
Quando ficou insuportável, fui para o hospital. Apesar da medicação que me deram para controlar a dor, em uma hora comecei a urrar de dor. Estava na frente da estação das enfermeiras e ninguém fazia nada, todos ignoravam que eu estava ali e isso era impossível, porque eu gritava com muita dor. Em um momento, senti um sangramento diferente, senti que algo arrebentou e comecei a gritar ‘está saindo’ e, depois de uns minutos, as enfermeiras vieram até mim. Quando a enfermeira me virou, eu senti que saiu e ela olhou e falou: ‘Ixi, vou chamar a médica’. A médica chegou, não falou comigo e pediu para a enfermeira pegar um saco. Ela enfiava a mão dentro do meu útero para limpar e tirar os restos placentários e, toda vez que fazia isso, eu urrava de dor. Quando ela terminou, virou-se e foi embora. Ninguém conversou comigo.
Viver a experiência de morte de alguém tão querido e ter essa morte negada pela sociedade é muito difícil. Dizem que era um embrião que não era viável. Como você vai sofrer por isso? Mas eu e meu marido sentimos que perdemos um filho. É difícil dar equilíbrio a isso, dar sentido."