Funcionários da Casa Branca afirmaram à BBC que, ao contrário dos recentes anúncios, o número de cidadãos da Grã-Bretanha que emigraram para a Síria para viver sob as regras do "Estado Islâmico" ("EI") atingiu seu auge dois anos atrás.
Entretanto, a proporção de mulheres entre aqueles que se juntam ao grupo extremista tem crescido dramaticamente. O que há por trás disso e qual é exatamente a estratégia do "EI" para atraí-las?
O "Estado Islâmico", também conhecido como "Isis", adota duas atitudes diferentes com relação às mulheres.
Por um lado, trata aquelas que considera hereges em condições quase subumanas, como commodities para serem trocadas e dadas como prêmio para combatentes jihadistas.
Imagens chocantes de um mercado de escravas sexuais em Mosul, no Iraque, mostram militantes discutindo os preços a serem pagos por garotas yazidis capturadas no ano passado, muitas delas menores de idade.
Ao menos 2 mil mulheres yazidis ainda estão detidas pelo grupo – apenas algumas delas conseguiram escapar.
"Eles nos colocaram à venda", conta uma das mulheres, que escapou recentemente. "Muitos grupos de combatentes vieram para comprar. Qualquer coisa que nós fizéssemos – chorar, implorar – não fazia a menor diferença."
Por outro lado, o "Estado Islâmico" tem grandes planos para as mulheres muçulmanas que migram para o território controlado pelo grupo para exercer um papel-chave na construção do pretenso califado.
"Eles querem que mulheres se juntem a eles", afirma Katherine Brown, especialista em estudos islâmicos no King's College, de Londres.
"Eles veem as mulheres como pilares do novo Estado e querem cidadãos."
"É muito interessante que as pessoas falem do 'EI' com um culto à morte, mas isso é o oposto do que eles estão tentando criar. Eles querem criar um novo Estado... e querem muito, como parte de sua política utópica, a vinda de mulheres."
Essa utopia inclui um tratado publicado em árabe em fevereiro estabelecendo um código de conduta que remonta 1,4 mil anos atrás.
O texto é direcionado principalmente a mulheres árabes dos Estados do Golfo e do Oriente Médio e inclui passagens que são incompreensíveis para a maioria dos ocidentais.
"É considerado legítimo para uma garota se casar aos 9 anos de idade. A maioria das garotas puras irão se casar aos 16 ou 17 anos, enquanto ainda são jovens e ativas", afirma o tratado.
Criando raízes
Ex-integrante da al-Qaeda, Aimen Deen tem um profundo conhecimento da mentalidade jihadista. Segundo ele, a abordagem do "EI" para com as mulheres é diferente daquela da al-Qaeda ou do Talibã.
"Ao contrário da al-Qaeda, o 'EI' procura estabelecer uma sociedade permanente, com raízes. Eles estão trazendo famílias de todo o mundo muçulmano, não só da Europa e dos Estados Unidos, mas também da Ásia Central... trazendo famílias para o 'Estado Islâmico'."
Mensagens online de recrutamento são disparadas continuamente, em diferentes idiomas, dizendo a muçulmanos para abandonarem suas seguras, mas conflituosas vidas no Ocidente e se juntarem ao califado.
Os recados são ignorados pela grande maioria, mas há um número crescente de mulheres atendendo a esse chamado.
Algumas são como as garotas britânicas de Bethnal Green, no leste de Londres, que quiseram se tornar noivas jihadistas, ou seja, se casar com combatentes que irão dar a elas algum 'status'.
"Há um elemento romântico aqui", continua Aimen Deen, antes de alertar que isso frequentemente acaba em tragédia.
"A expectativa de vida de um jihadista é de um mês ou dois. Então, o que acontecerá é que uma mulher irá se casar com alguém, ele morrerá e, por quatro meses e dez dias, ela ficará em luto", diz.
"Se ela estiver grávida, isso leva ainda mais tempo. E então ela irá se casar com outro, que será mais um mártir. Seguem-se outros quatro meses de luto e ela irá reiniciar esse processo de novo."
"Não é uma vida alegre, e sim extremamente infeliz."
Papel das mídias sociais
Porém, ao contrário do Talibã e da al-Qaeda, o "Estado Islâmico" tem permitido que muitas de suas recrutas ocidentais tenham um proeminente papel nas redes sociais.
Possivelmente a mais conhecida delas seja Aqsa Mahmoud, de 20 anos, uma fugitiva de Glasgow, na Escócia, que se denomina "Umm Laith".
Ela ficou famosa por distribuir conselhos - desde mundanos a filosóficos - para mulheres que pensam em abandonar suas famílias na Grã-Bretanha.
A norueguesa Mah-Rukh Ali, pesquisadora da Universidade de Oxford especializada em mulheres e propaganda no "EI", acredita que há uma estratégia deliberada em dar a elas um papel proeminente na Internet.
"O 'Estado Islâmico' usa mulheres mais ativamente do que já vimos ocorrer no Talibã ou na al-Qaeda", diz.
"Há cerca de 100 mil tuítes pró-'EI' todos os dias e muitos deles aparentemente são de mulheres que se juntaram ao 'Estado Islâmico' vindas de sociedades ocidentais."
Pesquisadores afirmam que muitas dessas mulheres que atravessam a fronteira turca para chegar ao território controlado pelo 'EI' acabam frustradas com os papéis que lhe são atribuídos.
Mulheres não casadas são mantidas em uma casa segura, geralmente com outras que falam sua língua, e recebem doutrinação religiosa e aulas de árabe, enquanto um marido é encontrado para elas o mais rápido possível.
Qualquer ideia de participar de batalhas e empunhar uma Kalashnikov no fronte é logo frustrada. Mas algumas se juntam à brigada Khansaa, uma força de vigilância formada apenas por mulheres, que patrulha cidades como Raqqa e Mosul para reforçar as severas regras islâmicas.
"Elas têm sido conhecidas por executar punições severas, como espancar e chicotear alguém por não vestir as roupas certas", afirma Katherine Brown.
Elas também são famosas por colocar armadilhas para animais nos seios de mulheres que foram vistas amamentando em público, segundo a especialista.
Porém, por trás da crueldade e das práticas chocantes que têm dado ao 'EI' essa má fama internacional, há o desconfortável fato de que seu pretenso califado não está desaparecendo.
Questionado sobre se o 'EI' vê as mulheres como essenciais para as chances de sobrevivência do grupo, o ex-jihadista Aimen Deen responde:
"Certamente, não há dúvidas disso. Elas são metade da sociedade e estão desempenhando importantes papéis em várias áreas: a médica, a educacional e até mesmo na coleta de impostos. Então, elas são essenciais para a sobrevivência do 'Estado Islâmico'."
Como o grupo extremista muçulmano autodenominado "Estado Islâmico" radicaliza jovens muçulmanos pela internet?
A experiência de um adolescente britânico, que alega ter rechaçado as investidas do "EI", revela táticas similares às de grupos que tentam disseminar a anorexia e a autoflagelação.
Sajid abriu uma conta falsa no Twitter cerca de um mês após seu irmão Arshad desaparecer. Arshad nunca tinha exibido sinais de radicalização ou mesmo interesse específico na guerra civil da Síria. Mas as evidências estavam lá: a cama do irmão estava vazia e seu passaporte tinha desaparecido.
E seu histórico de buscas na internet mostrava uma grande quantidade de conteúdo relacionado ao grupo radical.
Mais tarde, Sajid foi contactado por seu irmão - que a essa altura já estava na Síria e contou que, assim como centenas de outros jovens britânicos, tinha decidido se juntar à guerrilha do "EI".
Mas Sajid queria saber mais. Usando um nome falso árabe, que ele pegou de um programa de TV, ele começou a fazer buscas no Twitter usando os termos Isis (a sigla utilizada em inglês pelo "EI") e Síria, além de seguir contas associadas ao grupo.
Revanche
Imediatamente, ele começou a ser seguido por um "fã" dos extremistas. Trocaram algumas mensagens antes de Sajid fazer o log off para cuidar de sua lição de casa da escola.
Duas horas mais tarde, quando voltou ao Twitter, Sajid já acumulava 5 mil seguidores. Depois de mais alguns bate-papos, ele começou a conversar mais regularmente com seis usuários.
Alguns estavam na Síria e outros se diziam adeptos do "EI" no Ocidente. Apesar de Sajid dizer que condenava as ações do irmão, os interlocutores se mostravam extremamente compreensivos.
"Nenhum deles me pediu para ir para a Síria ou mesmo apoiar o 'EI'. Foi algo chocante, pois esperava que me pressionassem. Eu ainda não sei por que não me pediram apoio", contou Sajid à BBC, por meio de uma conversa eletrônica.
A experiência do jovem contrasta com o que se supunha sobre as atividades de recrutamento do 'EI': a de que seus agentes estariam online à espreita para assediar jovens inocentes, ao estilo de pedófilos ou fraudadores.
O cenário descrito por Sajid tem menos a ver manipulações sinistras e mais com comunidades que celebram a anorexia, a autoflagelação ou teorias da conspiração.
Esses grupos agem atraindo pessoas com interesses comuns e que estimulam umas às outras a compartilhar fotos e vídeos sobre suas obsessões. Agindo assim, os comportamentos que os integrantes celebram acabam normalizados pela ação do grupo.
Ainda assim, Sajid foi alvo de um fluxo constante de propaganda por meio de redes abertas e mensagens privadas. Grande parte das informações era relacionada à perseguição de muçulmanos sunitas pela forças de segurança no Iraque (país de maioria xiitas) e à vingança dos militantes do "EI".
Para Sajid, pareceu que o argumento-chave dos contatos era a ideia de retribuição contra atrocidades cometidas contra sunitas.
Contato
"Depois de assistir a alguns vídeos e ler sobre crimes cometidos por xiitas, fiquei com raiva e até gostei de uma execução de um policial iraquiano", conta.
Foi um momento crucial para Sajid. Ele estava sendo atiçado pelo "EI". E estava sendo radicalizado como seu irmão.
"Fiquei chocado quando questionei minha consciência. Concluí que não apoiava as ações de modo algum. E parei de assistir aos vídeos. Cheguei a pensar se meu irmão não estava certo. Mas acho que se trata de uma decisão pessoal."
O adolescente disse ter refletido sobre as consequências de um possível envolvimento com os radicais:
"Vi o impacto que a partida do meu irmão causou em nossa família. Meus irmãos menores se recusavam a comer e não conseguiam dormir. Não creio que meu irmão tinha ideia de como suas ações estúpidas iriam afetar nossa família."
Entre os contatos de Sajid estavam dois militantes do "EI" na Síria, que frequentemente lhe passavam informações usando o aplicativo de chat Kik. Ele progressivamente se transformou em uma espécie de fonte de consulta para assuntos ligados às atividades dos extremistas. Percebeu que poderia manter uma fachada para, na verdade, operar desestimulando outros possíveis recrutas.
"Tive que fingir apoiar o grupo e, ao mesmo tempo, dizer às pessoas para que não o seguissem. Houve um dia em que uma menina somali morando em Londres me acusou de ser um espião quando falei para ela que não se juntasse ao 'EI'. Achei que ela fosse me denunciar. Mas depois ela me contou que tinha desistido".
Pelo menos 700 pessoas vivendo no Reino Unido se uniram a causas jihadistas no Iraque e na Síria, segundo autoridades de segurança britânicas.
Uma delas é o irmão de Sajid - uma das pessoas que ele não conseguiu convencer a deixar a causa jihadista. Ele diz ter tentado convencê-lo, mas desistiu depois de ser ignorado pelo irmão e por temer perder o contato com ele.
Demorou, mas finalmente o esperado anúncio da redução de ministérios chegou. A presidenta Dilma Rousseff fez uma jogada ousada para atenuar as críticas à sua gestão e anunciou uma reforma administrativa que pretende reduzir de 39 para 29 o número de pastas. O anúncio foi feito nesta segunda-feira (24/08) pelos ministros do Planejamento, Nelson Barbosa, e das Cidades, Gilberto Kassab, logo após a reunião semanal da coordenação política, que acontece todas as segundas no Palácio do Planalto.
Os cortes ocorrerão até o fim de setembro e incluirão também a redução dos cargos comissionados. Tanto o número elevado de ministérios quanto o de funcionários comissionados (são mais de 22.000) eram alvos de frequentes críticas da oposição. Segundo Barbosa, nas próximas semanas, todos os ministros apresentarão suas propostas de redução. Algumas pastas serão fundidas e outras, extintas. O ministro não informou quais áreas sofrerão os cortes nem qual a expectativa de economia, mas explicou que o anúncio ocorreu neste momento porque o Governo deve iniciar as negociações para a votação do orçamento de 2016. Até a próxima segunda-feira a peça orçamentária será enviada ao Congresso Nacional. Além disso, de acordo com Barbosa, era necessário encerrar a votação do ajuste fiscal no Legislativo para depois apresentar a redução do custeio público.
“Dentro do processo teremos um valor que se pode atingir, no curto prazo, mas no momento a melhor economia é aumentar a produtividade”, afirmou o ministro do Planejamento.
Entre os ministérios cotados para serem cortados há três secretarias que estão sob comando do PMDB: Portos, Aviação Civil e Pesca. Assim, o partido do vice-presidente, Michel Temer, deverá ser o que mais perderá cargos. A legenda ainda comanda os ministérios do Turismo, da Agricultura e Minas e Energia. O vice também acumula a função extraoficial de ministro da secretaria de Relações Institucionais.
A reforma administrativa incluirá também a intensificação do programa de redução de custeio (que prevê a economia de gastos com transporte, água e energia elétrica) e a venda de terrenos da União. Entre os que devem ser vendidos estão alguns que hoje pertencem à Marinha. Barbosa diz que ainda não é possível fazer uma estimativa de qual será o retorno com essas mudanças.O corte de pastas era uma cobrança também do presidente do Senado, Renan Calheiros. A Agenda Brasil, proposta por ele há duas semanas como forma de reaproximação entre o Senado e o Planalto, incluía essa sugestão. Na Câmara, o PMDB também tentava ressuscitar um projeto de lei, de autoria do hoje oposicionista Eduardo Cunha, que previa limitar o número de ministérios em 20. Com a reforma anunciada nesta segunda-feira a tendência é que a proposta legal entre em modo de espera.
Momento político
A decisão de anunciar essa reforma administrativa chega em um dos momentos mais delicados para a gestão Rousseff. O seu vice-presidente, Michel Temer, tem se sentido desprestigiado na função de articulador político e ameaça deixar esse cargo. A saída dele pode significar um aceno à oposição, que tenta emplacar a tese de que Rousseff deveria renunciar ao cargo ou sofrer um processo deimpeachment devido a irregularidades na sua gestão (leia-se “pedaladas fiscais”) e por supostas fraudes na arrecadação de recursos na campanha eleitoral do ano passado.
As reclamações de Temer surgiram depois que assessores de Dilma, com cargos inferiores ao dele, passaram a negociar com parlamentares emendas ao Orçamento e maneiras de atuação nas três principais CPIs em andamento na Câmara: a da Petrobras, a do BNDES e a dos Fundos de Pensão. Até então, os responsáveis por esse contato eram Temer e um de seus principais aliados, o ministro da Aviação Civil, Eliseu Padilha. Este, inclusive passou os últimos dois meses se preparando para anunciar um pacote de benesses que seriam entregues aos deputados da base, como a indicação de funcionários do segundo e terceiro escalões. Com a reforma administrativa, o trabalho muito provavelmente terá de ser refeito.
Após a reunião da coordenação política desta segunda-feira, Temer e o ministro Padilha, se reuniram a portas fechadas com Rousseff para tentar chegar a um consenso.
Na recepção do gabinete do deputado estadual Paulo Telhada, um potinho de balas de goma saúda o visitante, embaladas em papel branco com seu nome e a expressão "bancada da bala" ─ como é conhecida a frente política conservadora integrada por Telhada, coronel reformado da Polícia Militar de São Paulo.
Na parede, mais um trocadilho: um grande cartaz com o slogan que adotou ao ingressar na política ─ "Uma nova Rota na política de São Paulo" ─ referindo-se à controversa unidade de elite da qual foi comandante antes de ir para a reserva. Na sala de espera, o encarte sobre o trabalho do deputado traz uma cartela destacável para montar uma miniviatura da Rota.
Segundo deputado mais eleito de São Paulo no ano passado, pelo PSDB, Coronel Telhada diz que as "balinhas docinhas" são para ironizar o nome dado de forma "pejorativa" à bancada da bala, que defende projetos para reduzir a maioridade penal e flexibilizar o porte de armas. O grupo reúne um "um pessoal que quer trabalhar forte, quer combater o crime, quer trabalhar dentro da lei", define.
Telhada já afirmou à imprensa ter matado mais que 30 pessoas em seus anos na ativa. À BBC Brasil, diz que na verdade "nunca contou" o total, mas que foi "uma pancada", sempre "dentro da lei".
O coronel se exalta com críticas ao número de mortes causadas por policiais, afirmando que matar "faz parte da ação policial' e não pode ser evitado em um país em "guerra" como o Brasil.
No primeiro semestre deste ano, o número de pessoas mortas por policiais em serviço cresceu 10% e foi o mais alto em dez anos, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo.
No último dia 13, 18 pessoas foram mortas em Osasco e Barueri, na Grande São Paulo, e suspeita-se que a chacina tenha sido cometida por policiais para vingar a morte de um colega.
Segundo informações obtidas pela TV Globo, a Corregedoria da Polícia Militar estaria investigando 19 suspeitos de envolvimento nos assassinatos. Dezoito dos investigados seriam policiais militares, de acordo com a emissora.
Telhada diz que a chacina é "gravíssima" mas revolta-se com o Secretário de Segurança Pública, Alexandre de Moraes, que afirmou logo após o crime que a principal linha de investigação apura envolvimento policial ─ para Telhada, uma "besteira" que joga a corporação "num mar de lama sem qualquer prova".
Ele defende o projeto aprovado ontem pela Câmara dos Deputados para reduzir a maioridade penal, mas queria que a redução fosse dos 18 para os 14 anos. Para ele, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é um "Frankenstein" que criou "um monstro mirim", como se refere ao infrator menor de idade. Os problemas sociais por trás do envolvimento de adolescentes com o crime são de responsabilidade do Estado, afirma ─ ele, como policial, trabalha "com o efeito". "Eu ganho para resolver aquele problema", diz.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista.
BBC Brasil - O senhor é parte da chamada "bancada da bala", que vem ganhando força no poder Legislativo. A que o senhor deve esse crescimento?
Coronel Telhada - Aqui no Brasil se costuma mostrar o criminoso como vítima da sociedade e o policial como algoz. Isso veio após a revolução de 64, ou o golpe militar, ou chame como quiser – onde tudo que é relativo a segurança e ao nome "militar" virou sinônimo de tortura, violência.
Mas agora a população cansou disso, e quer uma posição firme contra o crime, firme contra as irregularidades.
A nossa legislação criminal é muito benevolente com o crime. Tem que ser alterada e fazer com que o criminoso sinta, sim, o peso da lei. Aqui no Brasil, o crime compensa, porque o cara não recebe a sanção adequada para o que fez. A sensação de impunidade é muito grande. O criminoso fica à vontade para praticar crime, porque sabe que quase não vai ter efeito nenhum sobre ele. A nossa principal briga é no sentido de melhorar a legislação penal.
BBC Brasil - O senhor fala em impunidade, mas comumente esta é um crítica feita também à polícia. O outro lado é a polícia com fama de ser muito violenta e o policial percebido como algoz.
Coronel Telhada - Acho que isso é um ranço do regime militar. Toda ocorrência onde você tem um confronto entre a polícia e o criminoso, de imediato já se fala que a polícia é culpada.
A mídia sempre aponta a polícia como autora de violência e essa conduta é muito ruim. O pessoal tem que entender que a polícia não é culpada da violência.
O culpado da violência é o Estado brasileiro. São nossas leis que são fracas para o criminoso e favorecem o tráfico de entorpecentes e a falta de policiamento nas fronteiras. É a nossa educação que está uma porcaria no Brasil. Todos os segmentos da sociedade estão falhando. E quando chega no crime, a culpa é da policia, e todo mundo lava as mãos.
BBC Brasil - Mas infelizmente não é raro ver policiais envolvidos com violência. Semana passada 18 pessoas foram assassinadas na chacina de Osasco e Barueri e o secretário estadual de Segurança Pública, Alexandre de Moraes, disse que a principal linha de investigação considera a participação de PMs.
Coronel Telhada - O secretário devia pensar mais antes de falar. Ele, por ser o chefe de polícia, devia ter mais de cautela antes de falar besteira. Ele não tem prova nenhuma. Pode ser policial? Pode, ninguém está negando essa hipótese. Mas quando ele joga essa hipótese como a principal linha de investigação, olha a grave falha que ele comete. Ele já acusa uma corporação.
Se provado amanhã que há policiais envolvidos, que paguem, e que paguem bem caro, porque cometeram um crime grave. Mas é complicado você jogar uma corporação num mar de lama sem qualquer prova. Ouvi falar que o governador (Geraldo Alckmin) está dando um prêmio de R$ 50 mil para quem tiver alguma prova. Eles não têm uma prova de que seja policial militar!
Aí vão falar da munição usada. Hoje qualquer bandido usa armamento exclusivo das Forças Armadas.
A chacina é uma coisa gravíssima e não deve acontecer. Mas quando morre um policial a preocupação não é a mesma. Nos últimos quatro anos, já passamos de 400 policiais mortos em São Paulo. Quando morre um criminoso a grita é geral. Poxa, será que nós valemos menos que um criminoso?
BBC Brasil - Recentemente a Anistia Internacional divulgou um relatório falando sobre o alto número de mortes causados por policiais no Estado do Rio. Nos últimos cinco anos, a polícia matou mais de 1.500 pessoas, o equivalente a 16% dos homicídios no período. Os casos foram registrados como autos de resistência que, segundo a Anistia, podem mascarar execuções extrajudiciais.
Coronel Telhada - O que me chama atenção é que eles falam de 16% em decorrência de ações policiais. E os outros 84%? São mortes de cidadãos pais de família. Ninguém se preocupa. O elevado não são os 16%. O número de mortes no Brasil é muito alto. A legislação penal não pune de maneira adequada. A vida de um cidadão perdeu o sentido. Hoje um criminoso mata por causa de um celular, por causa de R$ 10.
Então me assusto quando vejo os outros países com essa hipocrisia internacional, porque no país deles a lei funciona. Então eles vêm aqui questionar a minha polícia, se nós estamos agindo legitimamente ─ em um país que não tem lei, onde ninguém respeita a lei!
O único obstáculo entre o cidadão decente e o bandido se chama polícia. E essa polícia está de quatro, essa policia está amarrada. Essa polícia está desestimulada.
O policial civil e militar não só ganha um mau salário como também não tem apoio da família e da sociedade para trabalhar. O governo hoje não valoriza a policia que tem. Quer que policia tome atitude, exige, e quando toma, o policial é punido.
BBC Brasil - Mas o problema é a sensação de que a polícia pode matar e isso não tem consequências.
Coronel Telhada - Um policial na rua está sujeito a tudo, a salvar, a matar e a morrer. E infelizmente às vezes a gente é obrigado a matar para não morrer. O interessante é que quando você mata como policial, a Anistia quer imputar a pecha de que somos perigosos, de que nós matamos porque nós queremos. Parte do princípio de que o policial matou porque quis matar, ou porque é violento. Nunca de que ele matou para se salvar ou salvar uma pessoa.
Se um policial fica 30 anos na rua e não mata ninguém, quero saber a quantas ocorrências ele foi. Porque tem tiroteio todo dia. Todo dia morre pai de família. Aliás, está fazendo 25 anos que eu fui baleado pela primeira vez. Isso a Anistia não leva em consideração. Mas quando eu matei, a Anistia ficou preocupada porque eu matei.
É complicado você estar na guerra, não dar tiro, não morrer, não ser baleado, não matar como já tive que matar. Infelizmente, isso faz parte da ação policial. Em um país como o Brasil, onde o bandido não respeita a lei, ele atira por qualquer motivo.
BBC Brasil - Mas o senhor está falando de casos de legítima defesa e a Anistia está falando de casos de suspeita de execuções extrajudiciais.
Coronel Telhada - Eu desconheço casos de execução que tenha envolvimento do policial em que não tenha sido tomada uma atitude. Eu conheço casos em que foram encontradas várias pessoas mortas e não se chegou ao autor. Estamos partindo do pressuposto de que todas as pessoas que foram executadas foi policial que matou. É muito perigosa essa afirmação.
BBC Brasil - Então não existem execuções extrajudiciais na polícia?
Coronel Telhada - Que eu saiba não. Eu nunca participei de nenhuma. Quando houve, a polícia conseguiu constatar e expulsou da corporação, e (os responsáveis) estão cumprindo pena.
Em todos os casos, sem exceção, é feito inquérito policial. Eu mesmo já fui julgado e absolvido. Se o policial matou e não foi condenado, é porque estava agindo legitimamente. É por isso que existe um pressuposto da legítima defesa e do estrito cumprimento do dever legal. Os bons policiais agem dentro da lei. Mas nós matamos também. Graças a Deus nós estamos vivos. Eu sou avô hoje, graças a Deus.
BBC Brasil - O senhor disse diversos casos (de pessoas que matou). O que aconteceu depois?
Coronel Telhada - Todas as vezes que eu tive ocorrência em que tive que trocar tiro e matar um ladrão, eu apresentei a ocorrência no distrito, foi feito todo o procedimento legal, foram ouvidas todas as testemunhas, todas as vítimas. As vítimas confirmaram a versão do policial. Fomos julgados e fomos absolvidos.
Nunca tive nenhuma condenação, porque nunca fiz nada errado. Fiquei 33 anos no serviço ativo, tive inúmeras ocorrências e nunca fui condenado. Porque sempre trabalhei dentro da lei. Eu não posso falar pelo meu vizinho.
BBC Brasil - Quantas ocorrências?
Coronel Telhada - Ah, uma pancada. Muitas. Nunca contei, filha.
BBC Brasil - Mas já vi números citados em reportagens – ao New York Timeso senhor falou em mais de 30.
Coronel Telhada - Eu queria que fosse aquele número mesmo. Eles falam em 36. A imprensa fala. Eu mesmo não sei. Por Deus que está no céu. Eu nunca parei para contar. Mas os caras levantam a minha ficha no Tribunal Militar e lá tem um número "x" de ocorrências. Minha preocupação foi sempre trabalhar dentro da lei. Quantos morreram ou não, não sei. Agora, nunca me perguntaram quantos eu salvei.
BBC Brasil - Quantos?
Coronel Telhada - Ah, milhares. Milhares, milhares. Isso ninguém está preocupado.
BBC Brasil: A redução da maioridade penal é uma das principais bandeiras da bancada da bala. O projeto é defendido por parte da população, e outros criticam com veemência a ideia de se julgar e penalizar menores como adultos.
Eu entendo que quando o legislador criou a ideia da maioridade penal aos 18 anos, ele pensou no melhor para a sociedade. Mas ele criou um monstro, chamado infrator menor de idade. Um monstro mirim. É um 'Frankenstein'. O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) é um Frankenstein, porque quis fazer uma coisa boa e criou um monstro.
O jovem com 12, 13 anos atua no crime sabendo o que está fazendo. Nos morros do Rio, os bandidos soldados que tomam conta das biqueiras (bocas de fumo) são jovens de 12, 13 anos, e andam armados de fuzis. Aqui em São Paulo, criminosos de 14, 15 anos estupram, matam, sabendo o que estão fazendo. As quadrilhas usam os menores de idade porque sabem que, caso eles sejam presos, os menores assumem o crime e ficam presos por um ou dois anos no máximo.
O indivíduo praticou um crime, ele tem que pagar pelo que ele fez. Se não fica uma imagem de impunidade que faz com que outras pessoas cometam o mesmo crime. A sociedade brasileira não aguenta mais. E a mudança necessária é a diminuição da maioridade penal. Infelizmente para os 16 anos, eu gostaria que fosse aos 14.
BBC Brasil - Mas outro argumento de quem condena a mudança é que a maioria desses jovens são pobres, negros e crescem sem acesso a educação, com uma falta absoluta de oportunidade.
Coronel Telhada - Minha querida, você está entrevistando o Coronel Telhada. Estou falando como PM. Eu, como Segurança Pública, trabalho com o efeito. Quem tem que trabalhar com a causa é o Estado, que tem que prover educação, assistência social, saúde publica, o que não é feito.
Eu trabalho com o crime, eu pego a situação pronta. O menor de idade estuprando, matando, fazendo tráfico de entorpecente. É com isso que eu tenho que agir. Se ele teve problema na infância ou não, se não teve educação, se a mãe dele era prostituta, se o pai era drogado, eu, como policial, isso não é problema meu.
Eu ganho para agir para resolver aquele problema. Fora isso, toda a sociedade falha. Todos os órgãos que deveriam estar envolvidos para melhorar a segurança pública no Brasil não se apresentam. E a culpa é só da polícia.
Depois de uma conversa no final da manhã desta segunda-feira (24) com a presidente Dilma Rousseff, o vice-presidente Michel Temer entregou as atribuições de articulador político do governo federal. Com isso, o vice deixou de operar o balcão do Palácio do Planalto com a negociação de cargos e emendas parlamentares com a base governista.
De todo jeito, Temer assumiu o compromisso com Dilma de continuar ajudando nas relações do governo com os demais poderes: Judiciário e Legislativo.
"Temer não vai mais ficar no balcão. Só vai tratar das grandes questões", disse ao Blog um interlocutor do vice-presidente. "Ele só vai ficar na articulação mais elevada", concluiu este aliado do peemedebista.
A solução encontrada nesta segunda-feira foi uma tentativa de diminuir o desgaste político que seria a saída completa de Temer da função de relações institucionais.
Na conversa com a presidente, Temer foi sincero e voltou a falar sobre o episódio que criou desgaste com o governo, quando, em um pronunciamento, ele disse que alguém tinha de reunificar o país. Na ocasião, depois de o vice ter sido alvo de críticas de ministros petistas, Dilma fez um gesto para tentar demonstrar que confiava no peemedebista, dizendo que, da parte dela, "nunca houve nenhuma desconfiança". Ela também elogiou o vice.
O ministro da Aviação Civil, Eliseu Padilha, que atualmente auxilia Temer nas tarefas da articulação política, deve deixar gradualmente as funções da Secretaria de Relações a partir do dia 1º de setembro.
Até agora, Padilha vinha acumulando suas atribuições da Aviação Civil com um expediante diário no Palácio do Planalto para tratar da negociação de cargos e emendas parlamentares, praticamente deixando a cargo de assessores o dia a dia do ministério.
Antes da reunião reservada entre Dilma e Temer, o ministro Aldo Rebelo (Ciência e Tecnologia) criou uma saia justa no encontro desta segunda da coordenação política do Planalto ao indagar sobre a situação do vice. Segundo Aldo, o assunto era importante e deveria ser abordado e explicado pelos ministros que participaram da reunião. Diante do mal-estar, ficou definido que Dilma conversaria na sequência, de forma reservada, com o vice-presidente.
Desde que fez o pronunciamento pedindo a unificação do país, Temer sentiu que havia um ambiente hostil para ele no Palácio do Planalto. Aos poucos, o vice começou a perceber que o assessor especial da Presidência Giles Azevedo, ex-chefe de gabinete de Dilma, estava criando uma relação direta com parlamentares. Além disso, a Casa Civil e o MInistério da Fazenda dificultavam a liberação de emendas negociadas com os congressistas.