Negociações comerciais internacionais não são um processo com ritmo cadenciado. Há longos períodos de morbidez, chacoalhados por pressões ocasionais. A chacoalhada da semana passada foi a pressão brasileira e uruguaia, durante a Cúpula Mercosul-União Europeia, com o objetivo de avançar para uma área de livre comércio. A longuíssima negociação entre os dois blocos empacou há quase dois anos, no momento da determinação da data para uma troca de ofertas. A novidade na Cúpula foi a Argentina, malgrado suas dificuldades eleitorais, assegurar que acompanharia o Mercosul. Como consequência, a Europa ficou na obrigação de enfrentar seus fantasmas protecionistas e assumir a culpa, a partir de agora, por maiores atrasos na negociação.
A dança de posições nessa Cúpula exemplifica, a contrário, a frase muitas vezes repetida, sobretudo em salões paulistanos, de que o Brasil não tem mais acordos de livre comércio por culpa do Mercosul. A leitura, que se tornou convencional, é que, agindo autonomamente, o Brasil já poderia ter uma rede de acordos internacionais que favoreceriam seu acesso a mercados estrangeiros, sem as amarras em relação a seus sócios regionais. Essa leitura convencional chegou a ser repetida na última campanha eleitoral, em que se mencionou a volta do Mercosul a uma área de livre comércio, liberando seus Estados membros para negociações individualizadas.
O recente convescote em Bruxelas demonstra que esse entendimento convencional é simplório. Não que o Mercosul não tenha outras culpas. Há uma evidente falta de coordenação macroeconômica, resultado das falhas institucionais do presidencialismo centralizador que caracteriza os países que o compõem. Há falta de vontade política para avançar em instituições regionais. A integração industrial na região está atrasada em razão de medidas unilaterais e protecionistas. A oscilação nas políticas econômicas nacionais torna a integração regional lenta e seus resultados frustrantes.
Em segundo lugar, porque, mesmo quando o Brasil pôde atuar sozinho, isso não redundou em acordos substantivos. O melhor exemplo é o do México, com quem o Brasil entabulou individualmente longas negociações durante o Governo Lula, sem chegar à assinatura de um acordo (em razão da oposição do Senado mexicano).Mas essas falhas não implicam que o Brasil estaria melhor, necessariamente, negociando solitariamente acordos extrarregionais de livre comércio. Em primeiro lugar, porque o ímpeto brasileiro de negociar demanda coordenação com a complexa indústria brasileira. Em outras palavras, os grandes opositores em negociações passadas foram setores pouco competitivos da indústria nacional, e não de parceiros do Mercosul.
Em terceiro, porque, nos acordos de segunda geração (que não são de tarifas, mas de investimentos, bitributação, serviços, sanitários, etc.), o Brasil não depende dos sócios do Mercosul. Mesmo assim, está incrivelmente atrasado, e só há dois meses voltou a assinar acordos relevantes com países africanos.
Em quarto, e provavelmente o mais importante: o grande empecilho para o Mercosul firmar acordos de livre comércio não é a eventual antipatia entre suas presidentas e, sim, a competitividade de sua agricultura. Em todo o mundo, é o setor agrícola o mais protegido por tarifas altíssimas e barreiras sanitárias. Apesar da reduzida densidade de agricultores nos países desenvolvidos, são em geral os mais politicamente articulados. No setor agrícola, nunca tão poucos atrapalharam as negociações de tantos. E os países do Mercosul são extremamente competitivos nesse ramo, constituindo uma ameaça visível para os rincões subsidiados em todo o mundo. Em qualquer negociação de acordo comercial, o Mercosul terá de mirar concessões parciais, e ser realista em suas demandas de abertura de mercados no setor agrícola.
Por todos esses argumentos, é ilusório culpar o Mercosul pelo estancamento das negociações comerciais do Brasil. É ao mesmo tempo irrealista acreditar que o Brasil, livre do Mercosul, poderia alcançar mais rapidamente acordos de livre comércio. O temor em relação a nossa agricultura e a resistência de setores industriais continuarão a existir. Evidentemente, a coordenação no Mercosul exige tempo e sensibilidade com as demandas de nossos vizinhos, mas há soluções técnicas que atendem a demandas particulares (a exemplo de uma lista separada para a Argentina, no Acordo Mercosul-Israel). O grande problema não é na região, é combinar com o outro lado: convencer os protecionistas europeus de que seus consumidores estarão melhor atendidos quando nossas excelentes carnes e frutas puderem entrar livremente em seus mercados.
Welber Barral é ex-secretário de Comércio Exterior (2007-2011) e sócio da Barral M Jorge Consultores.