Em Portugal já tivemos bancos a sério, mas não temos banqueiros sérios. BPN, BPP, BCP e BES constituem exemplos sucessivos que mostram que a fraude e a burla legal com recurso a sociedades offshore são práticas comuns na gestão bancária, perpetuando a batota fiscal e a corrupção, ao mesmo tempo que lesam investidores, clientes e a generalidade dos contribuintes.
Nas últimas décadas, a banca transformou-se num cúmplice fiel do crime organizado. Entre 1970 e 2010, o tráfico ilícito de capitais proveniente de África, através da apropriação indevida de fundos, tornou-se num problema endémico da economia mundial, passando de 2,6 mil milhões para 1,7 milhões de milhões de dólares. Este valor excede largamente o montante global da dívida externa da região, que em 2013 ascendia a 293,8 mil milhões de dólares.
Os grandes bancos internacionais ajudaram a ocultar o pagamento de royalties e propriedade industrial, evasão fiscal e esquemas de corrupção, manipulação dos preços de transferência com recurso a veículos offshore, falências fraudulentas e muitas fortunas de elites corruptas que deixaram os seus concidadãos a morrer à fome e os países onde nasceram saqueados dos seus recursos naturais.
Por ironia do destino, foi uma transação bancária que acendeu o rastilho de uma investigação judicial que explodiu na imprensa e transformou José Sócrates no rosto visível do crime de colarinho branco. Quando um ex-primeiro ministro é preso por suspeitas de crimes de fraude fiscal, branqueamento de capitais e corrupção, depois de ter merecido a confiança de 2,6 milhões de eleitores, revela que a credibilidade dos políticos está ao nível de um calabouço. Por isso, não é de estranhar que nas próximas eleições mais eleitores troquem o seu precioso voto pela abstenção.
Sócrates foi diabolizado pela imprensa como se tratasse do Al Capone português a empunhar a forquilha da corrupção, ao mesmo tempo que uma larga falange de correligionários socialistas o consideram vítima de uma cabala política.
Prender um antigo governante pode ser um magnífico troféu para um juiz, mas não constitui um indicador de que ninguém está acima da lei. Aliás, é difícil compreender a prisão de Sócrates, sem se perceber a liberdade de Ricardo Salgado e dos seus comparsas da banca ou o branqueamento do caso dos submarinos. Um dia depois do arquivamento do processo, um administrador da ESCOM veio a terreiro afirmar que "Quisemos dificultar o acesso a essa informação e esperar por uma oportunidade para regularizarmos os impostos com melhores condições fiscais", provando factualmente que houve pagamento de luvas e um verdadeiro afundanço na justiça.
Afinal, quantos milhões valem as declarações do governador do Banco de Portugal, do atual primeiro-ministro e do próprio Presidente da República, quando acalmaram e iludiram os investidores dias antes do colapso oficial do BES? Para que servem as comissões de inquérito quando os próprios deputados não têm acesso a toda a informação relevante? Será que os nossos parlamentares vão perder tanto tempo com o BES como fizeram com o caso Camarate?
Em 2013, os portugueses escolherem a palavra "bombeiro" para expressar o carinho coletivo que sentimos por todos aqueles que arriscam a vida no combate aos incêndios. Em 2014 fomos assaltados por um banco e a palavra mais pronunciada foi "corrupção". Por isso, 2015 poderá ser um ano aliciante no combate aos crimes de colarinho branco.
Um povo que durante 48 anos combateu uma ditadura hedionda tem de sair da zona de conforto, arregaçar as mangas, e fazer da luta contra a fraude, a evasão fiscal e a corrupção um verdadeiro desígnio nacional. Não podemos ficar de braços cruzados à espera que os juízes se tornem justiceiros por conta própria e continuem a disparar pólvora seca, que faz eco, mas não atinge os poderosos. Nem permitir que o Estado continue a ser implacavelmente forte com os pequenos contribuintes e generosamente fraco com as grandes empresas e com os ricos e corruptos que capturaram a economia e o poder político e nos aparecem na televisão a dar lições de ética financeira.
Temos de exigir que os políticos que são eleitos com o nosso voto sejam agentes de mudança e subscrevam com os eleitores um contrato válido que altere as leis que foram elaboradas pelas principais sociedade de advogados e que propositadamente introduziram alçapões legais para que as elites corruptas possam escapar impunemente.
Quando depositamos o nosso dinheiro num banco ou investimos numa aplicação financeira, deveríamos ter uma garantia formal por parte da instituição bancária de que o capital que confiamos à sua guarda jamais será utilizado para financiamento de partidos políticos, operações em paraísos fiscais ou quaisquer atividades especulativas ou criminosas. A banca deveria estar confinada apenas à função para a qual foi criada, emprestando dinheiro para fomentar a economia, ao invés de uma miríade de atividades que extravasam a sua razão de ser, impossibilitando o rastreamento dos capitais dos investidores e clientes.
Enquanto isso não acontecer, o BES dificilmente será o último banco a surpreender-nos pela negativa. Há mais Al Capones que ainda não foram apanhados pela imprensa, nem investigados pela justiça.
Pior do que a morte é a ausência de vida em muitos setores da sociedade. Há um cheiro nauseabundo a putrefação em todos os processos que prescrevem e lesam o Estado e os contribuintes em milhões de euros. Mais importante do que fazer uma autópsia ao país, é preciso criar mecanismos preventivos que sejam inibidores do crime e da burla legal. Precisamos de apostar num sistema de educação que forme pessoas íntegras e profissionalmente idóneas e de criar bases sólidas para que o mérito e a verdade excluam naturalmente a mentira e o clientelismo.
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