"Classes de mais alta renda estão dizendo o seguinte: ‘Vamos reaver os recursos que vocês nos surrupiaram com a CF'", avalia Eduardo Fagnani. "Trata-se da manifestação da luta de classes no país"
por Eduardo Maretti, da RBA
REPRODUÇÃO/YOUTUBE
“A ideia deles é a seguinte: o Brasil tem ‘dono’, desde as capitanias hereditárias", afirma economista
São Paulo – O deputado federal Danilo Forte (PSB-CE) apresentou, na sexta-feira (29), seu parecer favorável à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241/16, em tramitação na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara. A polêmica proposta estabelece novo regime fiscal no país, acabando com as vinculações constitucionais de investimento em saúde e educação. Em seu voto, o relator nega que a PEC viole direitos. “Não há que se falar em afronta a direitos ou garantias individuais. A PEC altera, por prazo determinado, o sistema de vinculação de receitas a despesas com ações e serviços públicos de saúde e com manutenção e desenvolvimento de ensino”, justifica.
Mas o economista Eduardo Fagnani, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), pensa diferente. Para ele, a PEC 241 não afronta apenas o artigo 5°, que trata dos direitos e garantias fundamentais, o que já seria grave. “Ele está afrontando os artigos 5°, 194 e 195 (que tratam da Seguridade Social), os artigos que tratam do SUS, de seguro-desemprego e da assistência social”, diz. “Essa PEC simplesmente enterra a Constituição de 1988 no que diz respeito aos direitos sociais. É simples assim.”
Na alegações de seu voto, o relator diz também que o objetivo de se instituir um “regime fiscal excepcional” é enfrentar “a situação de deterioração das contas públicas em que nos encontramos”. A PEC veda a concessão de aumentos reais (acima da inflação) em áreas sociais, com destaque para saúde e educação, por 20 anos.
“A ideia deles é a seguinte: o Brasil tem ‘dono’, desde as capitanias hereditárias. Os ‘donos’ do Brasil estão dizendo que as demandas da democracia não são possíveis de ser atendidas. As alternativas que passam por cobrar os coronéis das capitanias não fazem parte da agenda. Então você vai fazer o ajuste em cima do trabalhador, dos pobres e dos miseráveis”, avalia Fagnani.
Diferentemente do argumento de que enfrentar “a deterioração das contas públicas” exige as medidas antissociais da PEC 241, Fagnani diz que, para enfrentar a questão do ajuste fiscal de maneira eficaz, algumas medidas seriam fundamentais. Primeiro, a economia precisa crescer. “Não tem ajuste fiscal possível com a economia em queda.”
Depois, o economista enumera algumas alternativas à alegada necessidade urgente de cortar gastos em saúde e educação, como propõe a PEC 14. A revisão da política de juros (que consomem R$ 500 bilhões por ano) e das isenções fiscais (R$ 300 bilhões) é uma delas. Além disso, estima-se que o país perde R$ 400 bilhões anuais com sonegação, que precisaria ser rigorosamente controlada. Só esses três fatores somam R$ 1,2 bilhão. Isso sem falar na questão tributária, lembra Fagnani.
O país necessita de uma reforma instituindo um sistema progressivo, mas não tem sequer tributo sobre herança e grandes fortunas, ou um imposto sobre dividendos, por exemplo. “O Brasil é o único país do mundo que não cobra esse tributo, deixando de arrecadar R$ 50 bilhões por ano”, diz o economista.
Fora do script
O que está por trás da PEC 241 é a implementação do Estado mínimo liberal no Brasil, resume. “Queriam fazer isso nos anos 1980. O Chile fez isso, a Argentina também. Vários países fizeram. Não conseguiram fazer aqui no Brasil nos anos 1980. Tentaram nos anos 1990, e avançaram bastante. Agora é o golpe final”, diz. “Trata-se da manifestação da luta de classes no país. É uma disputa pelo orçamento público. As classes de mais alta renda estão dizendo o seguinte: ‘Nós vamos reaver os recursos que vocês nos surrupiaram com a Constituição de 1988 e outras medidas sociais. Queremos de volta essa grana. Isso não estava no script’”.
Há duas semanas,
Danilo Forte disse à RBA que sua expectativa era de que a PEC fosse aprovada no começo de agosto. Na ocasião, declarou que o relatório já estava pronto. O parlamentar previu que a matéria poderia ir ao plenário em meados de setembro. “Mas com o processo eleitoral talvez isso fique para logo após o primeiro turno das eleições”, ponderou.
“A gente votando na Câmara em outubro, tem até dezembro para votar no Senado”, acrescentou o relator. Para entrar em vigor em 2017, a PEC precisa ser aprovada e sancionada ainda este ano. Após análise da CCJ, a emenda será encaminhada a uma comissão especial a ser criada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Ele já avisou que a proposta é uma das prioridades no semestre.