A Arábia Saudita anunciou neste domingo (3) o rompimento diplomático com o Irã depois da invasão da embaixada saudita em Teerã, de acordo com a agência Reuters. O ministro de relações exteriores Adel al-Jubeir, disse em entrevista coletiva que a missão diplomática do Irã e entidades relacionadas na Arábia Saudita teriam 48 horas para sair.
A execução do clérigo al-Nimr causou protestos entre os árabes xiitas e manifestantes invadiram a embaixada da Arábia Saudita em Teerã, onde 40 pessoas foram presas. O líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei, declarou que a Arábia Saudita sofrerá uma "divina vingança" pela execução.
Diplomatas já deixaram Irã Após a invasão da embaixada, diplomatas sauditas foram retirados do Irã e desembarcaram em Dubai no domingo, informou a rede de TV Al Arabiya, como parada para chegar à Arabia Saudita. Sua chegada coincidiu com um anúncio feito pela Arábia Saudita de cortar os laços com o Irã em protesto contra o ataque à sua embaixada.
40 presos Nas ruas, manifestantes invadiram a embaixada da Arábia Saudita em Teerã, no Irã, na noite de sábado em protesto contra a execução do clérigo xiita Nimr Baqir al-Nimr.
Segundo a agência de notícias AFP, os manifestantes quebraram móveis e colocaram fogo em alguns pontos da embaixada, mas a polícia conseguiu retirar os manifestantes do prédio após a invasão.
Neste domingo as autoridades declararam que 40 pessoas foram presas. "Até o momento, 40 pessoas que entraram na embaixada foram identificadas e detidas. A imvestigação segue em curso para identificar os demais responsáveis por este indicente", declarou o procurador-geral de Teerã, Abbas Jafari Dolatabadi.
Após ser invadido e vandalizado por manifestantes, prédio da embaixada da Arábia Saudita em Teerã, no Irã, é visto com fumaça saindo das janelas (Foto: Atta Kenare / AFP)
Neste domingo o presidente iraniano, Hassan Rohani, também condenou a execução do líder religioso, ao mesmo tempo que considerou "totalmente injustificáveis" os ataques no sábado à noite contra a embaixada da Arábia Saudita em Teerã e o consulado saudita em Mashhad (nordeste).
"A ação tomada por um grupo de extremistas na noite passada em Teerã e Mashhad (...) contra a embaixada e o consulado da Arábia Saudita, que devem estar legal e religiosamente sob a proteção da República Islâmica, é totalmente injustificável", afirmou à agência oficial de notícias Irna.
Clérigo xiita Nimr Baqir al-Nimr, uma importante figurado movimento de contestação contra o regime saudita, em foto de arquivo (Foto: Saudi Press Agency/ Reuters)
Reação O Irã, potência xiita cujas relações com a Arábia Saudita são tensas, imediatamente reagiu às execuções, prometendo que Riad pagará "um preço alto" pela morte do xeque Nimr al-Nimr, segundo a France Presse.
"O governo saudita apoia movimentos terroristas e extremistas, e ao mesmo tempo utiliza a linguagem da repressão e a pena de morte contra seus opositores internos (...) pagará um preço alto por essas políticas", declarou o porta-voz do ministério iraniano das Relações Exteriores, Jaber Ansari.
O país também convocou um diplomata saudita para protestar contra a morte do clérigo, de acordo com a Reuters.
O grupo xiita libanês Hezbollah condenou a execução em declarações citadas pela TV oficial do Hezbollah al-Manar e pela Al Mayadeen TV. A "verdadeira razão" para a execução foi "que o xeque Nimr exigiu os direitos dissipados de um povo oprimido", disse o grupo em um comunicado, aparentemente se referindo à minoria xiita da Arábia Saudita, de acordo com a Reuters.
O sobrinho do xeque, Ali al-Nimr, menor de idade no momento da sua detenção, não está entre os executados, que geralmente são decapitados com sabre.
Além do Irã, país muçulmano majoritariamente xiita e rival da Arábia Saudita sunita, xiitas também manifestaram no Bahreïn, no Iraque e na própria Arábia Saudita.
No fim de 2015, o Presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, anunciou nova legislação laboral e a impugnação dos resultados das legislativas JORGE DAN LOPEZ /REUTERS
Coligação que alcançou a maioria absoluta nas legislativas de Dezembro promete desrespeitar providência cautelar interposta pelo regime chavista
A dois dias da tomada de posse da nova Assembleia Nacional da Venezuela, ainda não há certezas sobre o número de deputados que vão compor a bancada maioritária do Parlamento – que pela primeira vez, em mais de 16 anos, será assegurada pela oposição ao Presidente Nicolás Maduro, vencedora das legislativas de 6 de Dezembro, com 64% dos votos.
A Mesa da Unidade Democrática (MUD), a grande coligação que reúne os partidos e movimentos que da esquerda à direita fazem oposição ao “oficialista” Partido Socialista Unido da Venezuela, garante que a 5 de Janeiro, os seus 112 deputados vão apresentar-se para assumir os mandatos, incluindo aqueles cuja posse está suspensa por uma providência cautelar decidida pelo Supremo Tribunal de Justiça na véspera de Ano Novo.
Numa manobra judicial que a oposição denunciou como “um golpe de Estado encoberto”, o Governo avançou para os tribunais para impugnar os resultados de uma série de circunscrições em pelo menos três estados, e assim travar – ou pelo menos atrasar – a entrada em funções de dez deputados da oposição. Esse seria o número suficiente para evitar que a maioria absoluta da MUD ascendesse a dois terços do Parlamento – a fasquia necessária para a aprovação de reformas constitucionais, para a convocação de referendos e para a censura de deputados.
Os recursos foram aceites pelo Supremo Tribunal de Justiça, cuja decisão, após a análise de cada caso individual, pode passar pela repetição da votação. Mas como esse processo pode demorar algum tempo, o Supremo deu deferimento, a título de medida cautelar, a um “pedido de suspensão da proclamação” de todos os deputados eleitos pelo estado do Amazonas: três membros da MUD e um membro do PSUV. É essa providência que a oposição promete desrespeitar.
Em comunicado, a MUD criticou a decisão do tribunal e sublinhou que os seus eleitos consideravam suficiente a “força da Constituição, a força da lei e a força do povo” para assumir o cargo. “Foi a burocracia derrotada pela legítima decisão do povo que se colocou à margem da lei, da Constituição e do sentido comum. Aqui não estamos em presença de nenhum confronto entre o poder judicial e o poder legislativo, mas de um conflito aberto com o poder do povo que usou o seu voto para decidir pela mudança.”
Apelos aos militares
Antecipando problemas na jornada inaugural da nova legislatura, a MUD foi pedir às Forças Armadas para intervir se necessário, para assegurar o respeito pelo processo democrático e a decisão popular expressa nas urnas. Entretanto, foram enviadas cartas às Nações Unidas, à Organização dos Estados Americanos, União Europeia, Unasur e Mercosul, alertando para as acções do Governo, “que se prepara para ignorar os resultados eleitorais que reiteradamente se comprometeu a respeitar” e “assim alterar a composição do novo Parlamento”.
Em artigo para o El País, Felipe González, ex-presidente do Governo espanhol,que ao lado de outros antigos líderes latino-americanos tem criticado o tratamento da oposição, classificou a impugnação selectiva dos resultados eleitorais como uma “manobra tosca para impedir que haja um poder legislativo que represente a vontade soberana dos venezuelanos”.
“Nada parece travar o afã destruidor da parelha Nicolás Maduro-Diosdado Cabello [o presidente da Assembleia Nacional que agora sai de funções]. Em lugar de reconhecer a vontade soberana do povo, põem acima do bem comum os seus interesses obscuros. Em vez de iniciar um diálogo com a maioria indiscutível da Assembleia, ameaçam aprofundar a via da sua fracassada revolução, com a manipulação da nomeação dos juízes do Supremo Tribunal a quem recorrem para impedir essa maioria, com a ameaça de veto da amnistia para presos políticos e exilados e com a constituição de uma Assembleia Comunal”, escreveu González, referindo-se ao novo organismo, uma espécie de parlamento paralelo, criado pelo Governo de Caracas no rescaldo das legislativas.
Com entrada em funções marcada já para amanhã, a Assembleia Comunal será integralmente ocupada por representantes de comunas chavistas, aliados de Nicolás Maduro – que lhes pediu para agir como “contrapeso” da nova “assembleia burguesa” dominada pela oposição.
A morte de Nimr al-Nimr mistura-se com a luta pela supremacia regional entre a Arábia Saudita (sunita) e o Irão (xiita). Houve protestos em vários países do Médio Oriente.
As execuções na Arábia Saudita, por decapitação ou fuzilamento, têm sido cada vez mais frequentes nos últimos meses, e na maior parte dos casos não passam de referências nos relatórios anuais sobre direitos humanos. Mas este sábado aconteceu algo que pode agravar ainda mais as profundas divisões no mundo islâmico entre sunitas e xiitas: entre as 47 pessoas que foram executadas estava Nimr al-Nimr, um líder religioso da minoria xiita cuja morte levou o Irão a dizer que a família real saudita "vai pagar bem caro".
A maioria das 47 pessoas que foram executadas no sábado em 12 cidades da Arábia Saudita foram condenadas à morte por atentados cometidos em meados da década passada, em nome da Al-Qaeda, mas todas elas foram acusadas de "terrorismo" – incluindo Nimr al-Nimr, que era visto como uma espinha atravessada na garganta das autoridades sauditas por criticar a forma como a minoria xiita é tratada na Arábia Saudita.
Nimr al-Nimr foi uma das vozes mais activas durante os protestos de 2011 e 2012 nas províncias do Leste na Arábia Saudita, no seguimento das revoluções da Primavera Árabe. Desde então, alcançou o estatuto de herói entre a comunidade xiita local, por reivindicar publicamente a igualdade de tratamento e a queda da casa de Saud – ainda assim, segundo os seus apoiantes, sem nunca ter apelado à violência.
Detido em Julho de 2012, durante uma operação policial em que ficou ferido numa perna, foi depois acusado de incitamento à violência, desobediência à monarquia e resistência armada às forças de segurança – as autoridades dizem que Nimr al-Nimr estava armado quando foi detido, mas ele negou sempre essa acusação.
A luta de séculos entre sunitas e xiitas pela preponderância no mundo islâmico mistura-se com a luta pela supremacia regional entre a Arábia Saudita (sunita) e o Irão (xiita).
Ao permitirem a execução de Nimr al-Nimr – um imã xiita nascido na região de Qatif, na zona Leste da Arábia Saudita, e que estudou no Irão e na Síria –, as autoridades de Riad provocaram a ira do Irão mas também do Iraque, onde o influente radical xiita Moqtada al-Sadr exigiu o encerramento da embaixada saudita em Bagdad, reaberta na semana passada, ao fim de 25 anos.
Numa declaração partilhada na Internet, Moqtada al-Sadr apelou à realização de manifestações tanto na Arábia Saudita como nos outros países do Golfo Pérsico contra a morte de Nimr al-Nimr: "Peço que os xiitas da Arábia Saudita respondam com coragem, nem que seja através de manifestações pacíficas, e peço o mesmo aos xiitas no Golfo, para que consigamos travar a injustiça e o terrorismo governamental no futuro", disse al-Sadr, referindo-se às autoridades sauditas.
O antigo primeiro-ministro iraquiano Nuri al-Maliki condenou as "práticas sectárias detestáveis" atribuídas à Arábia Saudita, e disse mesmo que a execução de Nimr al-Nimr vai "fazer tombar o regime saudita", comparando as consequências da morte do líder religioso às da execução do líder xiita iraquiano Mohammed Baqir al-Sadr às mãos de Saddam Hussein, em 1980.
Para sublinhar o impacto da execução de Nimr al-Nimr na Arábia Saudita, o supremo líder do Irão, o ayatollah Ali Khamenei, partilhou na rede social Twitter uma fotografia do "mártir xeque al-Nimr", com a frase "O despertar não pode ser reprimido".
Em comunicado, o Ministério dos Negócios Estrangeiros do Irão disse que "a execução de uma personalidade como o xeque Nimr, que não tinha outro meio que não fosse a palavra para cumprir os seus objectivos políticos e religiosos, apenas mostra a dimensão da imprudência e da irresponsabilidade" do regime saudita. O porta-voz do ministério, Hossein Jaber Ansari, acusou a Arábia Saudita de hipocrisia, por "apoiar terroristas e sunitas extremistas, enquando executa e reprime críticos no seu país", e disse que Riad "vai pagar bem caro por prosseguir esta política".
Também a liderança do movimento libanês Hezbollah condenou o "assassinato" do imã xiita, acusando a Arábia Saudita de ter condenado o líder religioso "sob um falso pretexto" – o de ter cometido actos terroristas, quando apenas "reivindicou direitos para um povo oprimido".
DUBAI (Reuters) - O líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei, disse neste domingo que os políticos da Arábia Saudita enfrentariam castigo divino pela execução do clérigo xiita Nimr al-Nimr no sábado.
"O sangue derramado injustamente deste mártir vai, sem dúvida, em breve mostrar seus efeitos e a divina vingança cairá sobre os políticos sauditas", disse Khamenei, segundo reportou a TV estatal iraniana.
A Arábia Saudita executou o clérigo e três outros xiitas juntamente com dezenas de membros da al Qaeda no sábado, sinalizando que não vai tolerar ataques nem de jihadistas sunitas ou de membros da minoria xiita.
Kerexu avisou: “vamos ter que nos preparar”. Não deu tempo. Três dias após a PEC 215 ser aprovadaem comissão especial no Congresso no final de outubro, a cacica Guarani foi ameaçada de morte. Trinta homens atacaram a aldeia Itaty, liderada por Kerexu, situada no Morro dos Cavalos, no município de Palhoça, a 30 quilômetros de Florianópolis, no sul do Brasil. As 39 famílias que vivem ali testemunharam a entrada de um caminhão, duas motos e 10 carros. Os estranhos dispararam para o alto com revólveres, soltaram rojões, disseram que iriam expulsar as famílias, invadiram uma casa e, se autointitulando donos do pedaço, fizeram churrasco, com direito a música alta.
Cacica Kerexu, ameaçada de morte com avanço da PEC 215 Para a cacica Kerexu, o recado foi curto. Ela está na mira. Os homens não foram identificados e apesar de quatro deles terem passado a noite na aldeia, a Polícia Federal não os prendeu e apenas os retirou por insistência da procuradora da República Analúcia Hartmann. O argumento dos invasores foi que se aPEC iria tirar os indígenas dali, eles poderiam antecipar o serviço.
Essa não foi a primeira ameaça do ano. Há dois meses, motoqueiros entraram em Itaty disparando. A aldeia é habitada principalmente por crianças e adolescentes, que representam 60% do grupo. O alvo foi a casa de Kerexu, onde vivem seus dois filhos Karaí, 9 anos, e Rayana, 14 anos. Também não foram poucos os telefonemas anônimos que a juraram de morte.
Itaty está situada no quilômetro 233 da BR-101, onde uma passarela conecta as 39 famílias, que sofrem o peso das manobras no Congresso para enfraquecer o direito a seu espaço. Uma Comissão Parlamentar de Inquérito, pautada pela bancada ruralista e autorizada pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha(PMDB-RJ) no dia 28 de outubro, foi instalada um dia após a aprovação da PEC-215, que propõe uma manobra à Constituição para delegar justamente aos deputados a competência de julgar a demarcação de terras indígenas, quilombolas e reservas ambientais brasileiras.
O foco da CPI é investigar as ações da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra), algo visto com enorme preocupação por colocar em risco uma legislação que reconhece o direito indígena, que avançou com muita dificuldade.
E os Guaranis, que por meio da dança, espantam os maus espíritos, sabem bem disso. Desde a fundação dos mitos, o espírito mais perverso entre eles se chama Anha, o demônio. Mas Anha perdeu seu posto recentemente para a PEC 215, também chamada pelos índios de "PEC da morte".
Deputados catarinenses e o Governo do Estado questionam a permanência dos Guarani nas terras de 1988 hectares entre a ponte do rio Massiambu e a ponte do rio do Brito. Ignoram 23 anos de processos vencidos em todas as instâncias jurídicas e o reconhecimento do Ministério da Justiça, publicado em abril de 2008.
Durante 30 anos, pesquisadores da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), a principal instituição científica do país, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e da Universidade de Brasília (UNB) publicaram estudos históricos, fundiários, cartográficos, ambientais e antropológicos sobre o Morro dos Cavalos. Há 978 artigos científicos nas bibliotecas virtuais desses centros de ensino sobre a existência legal e legítima da região indígena e suas raízes ancestrais ali. Mas, bastou um único laudo, escrito por um antropólogo contratado pelos latifundiários, para exibir como trunfo em meio à CPI. Um laudo que sugere que não são índios de verdade, mas trazidos do Paraguai.
Na ponta mais fraca, quem segura a pressão é a indígena baixinha de pele amorenada, longos cabelos pretos e olhos sestrosos. Kerexu Ixapyry, 35 anos, foi nomeada a primeira cacica do Morro dos Cavalos em fevereiro de 2012. Sua fala é mansa e pausada e apesar da aparente calma, não dobra a espinha. Se quase 70.000 homens lideram suas tribos no Brasil, ela é uma das 12 cacicas, gênero feminino do cacique.
Kerexu é conhecida por exibir seu alto cocar de penas vermelhas, amarelas e azuis nos grandes encontros em Brasília, reunida entre lideranças masculinas de outras etnias, dispostos todos a sair da invisibilidade em que vivem. Se antes ela não passava despercebida entre os seus, atualmente é conhecida como a primeira vítima das brutalidades que serão desencadeadas caso a PEC 215 vigore.
Os homens que invadiram a aldeia faziam tortura psicológica entre os seus. “Me falaram que fomos trazidos do Paraguai, que a CPI vai tirar nossas terras. Eu nunca tinha visto eles. Se alguém falasse alguma coisa teria morte, eles tinham ódio. Fiquei quieto, só ouvi. Não duvido que numa noite qualquer alguém entre atirando e mate todo mundo”, disse Verá Ixapyry, 22 anos, irmão da cacique, que mora ao lado da casa que foi invadida. Kerexu resiste, mas também fraqueja. “Às vezes me sinto na beira de um abismo, onde me propõem: pula ou te empurramos”, diz.
Na aldeia, ouve-se o barulho dos caminhões mais do que dos pássaros. A terra Guarani foi cortada ao meio pelos militares durante a construção da BR-101, a maior rodovia brasileira, que liga o Rio Grande do Sul ao Rio Grande do Norte em 4.542 km de extensão. Desde então, a estrada é vista como progresso. E os índios que vivem às suas margens têm a pecha de representarem o atraso.
Dos 21 deputados que votaram a favor da PEC 215, dois são catarinenses. Valdir Colatto (PMDB), uma das principais lideranças pela revogação do Estatuto do Desarmamento, foi financiado pela indústria armamentista e recebeu 36,9% do dinheiro de sua campanha do agronegócio, de acordo com dados do Instituto da Justiça Federal.
Jovem indígena com bebê no colo às margens da BR-101 / C.Weinman
Os índios Guarani da aldeia Itaty, no Morro dos Cavalos, vivem à margem da BR-101, desde que a estrada construída na época do Governo militar cortou suas terras ao meio.
Celso Maldaner recebeu 15%. Ele explicou o incentivo financeiro pela defesa que faz aos agricultores do Oeste catarinense. “Eles compraram terras na boa fé e agora tem que entregá-las aos índios, não é justo”, disse. Sobre os indígenas do Morro dos Cavalos, ele sugere que eles sejam paraguaios, trazidos por ONGs para faturar verbas da União.
Por fim, defende que a PEC seja benéfica aos indígenas. “Eles vão poder explorar a terra, os minérios, construir hidrelétricas ou arrendar o que têm. Afinal, precisam de dinheiro. Ninguém gosta de viver no miserê”. O Morro dos Cavalos faz parte da unidade de conservação Serra do Tabuleiro, onde há 2.292 nascentes e o mais diverso bioma do Estado.
Colatto não quis conversar com a reportagem. Em seu discurso, durante a votação, afirmou que os indígenas catarinenses eram favoráveis à PEC. Essa versão foi desmentida por meio de carta aberta divulgada pelas três etnias catarinenses, Guarani, Xokleng e Kaingang.
Apesar de viver com pouco, os Guarani não vestem a carapuça da pobreza que lhes empregam. “Nhanderú disse: ‘Vocês vão morar nessa terra e vão proteger ela’. Esse é o nosso destino. Não queremos terra para vender. Terra é de Nhanderú, não pode ser vendida. Ela está viva, todos os seres que a habitam são nossos parentes. Essa é nossa riqueza, não nos preocupamos com outros bens materiais”, disse Tupã Karaí, 60 anos, xamã da Itaty.
Tupã mora na casa mais alta do lado esquerdo da BR-101 com a mulher, as duas filhas, os genros, cinco netos e muitos cachorros. Sua pele morena é talhada pelo tempo, as mãos parecem cascas de árvores, ele só não sorri para tirar fotos, no mais, é pura gentileza.
Além das rezas, é responsável pela preservação das sementes crioulas do milho, repassadas de gerações em gerações há milênios. Tupã planta milho vermelho, preto, roxo, amarelo, com pintas. Entre agosto e setembro de cada ano colhe as sementes e as leva à opy (casa de reza) para serem consagradas por Nhanderú.
Celebra-se então o Ara Pyau, ano novo Guarani, novo ciclo de renovação da Mãe Terra. Os recém-nascidos são batizados, recebem seus nomes espirituais, soprados pelos ancestrais desencarnados através da fumaça do Petyngua (cachimbo sagrado). Esse rito chama-se Nhemongarai (consagração e batismo) e envolve as pessoas da comunidade e também de outras aldeias que trazem seus alimentos para somar ao plantio.
Aldeias próximas a Itaty plantam feijão preto, abóbora e erva mate. Paralelamente, ao Nhemongarai é praticado o Guatá, a caminhada que traz fertilidade a terra. O ritual permite que as aldeias se visitem e mantenham a sensação de unidade. Quando um índio chega com sementes é recebido com festa e decide se quer partir novamente para sua aldeia. Muitos ficam. Kerexu morou em 10 aldeias antes de liderar a Itaty.
Esse rito principal é o mais atacado. O deputado federal Alceu Moreira (PMDB – RS) crê que “esse ir e vir é só para aumentar terra para índio”. Nos seus depoimentos ele defende que os indígenas invadem fazendas e aos poucos se somam para tomá-las. A fraude seria orquestrada pelo CIMI, que segundo sua visão, estaria a serviço da inteligência norte-americana europeia para não permitir a expansão das fronteiras agrícolas do Brasil. Moreira foi um dos principais articuladores pela redução da proteção das matas com a flexibilização do Código Florestal em 2012. Votou a favor da PEC 215 e é presidente da CPI da Funai.
Ao seu lado está o coordenador da Frente Parlamentar de Agropecuária, deputado federal Luís Carlos Heinze (PP-RS), como vice-presidente da CPI. Ficou famoso em 2013 ao definir, durante uma reunião de uma Comissão, que “quilombolas, índios, gays e lésbicas... tudo que não presta estão aninhados [no gabinete de Gilberto Carvalho, então ministro da Secretaria Geral da Presidência, do primeiro mandato de Dilma] ”. Na mesma comissão, Moreira chamou a demarcação de índios e quilombolas de “vigarice” e disse que Carvalho estava no comando.
Image copyrightAFPImage captionExecução de Al-Nimr gerou condenação forte de autoridades xiitas
A execução pela Arábia Saudita do proeminente clérigo xiita Nimr al-Nimr causou revolta e protestos em comunidades xiitas pelo Oriente Médio.
Al-Nimr era conhecido por verbalizar o sentimento da minoria xiita na Arábia Saudita, que se sente marginalizada e discriminalizada, e foi crítico persistente da família real saudita. Acredita-se que tivesse um grande número de seguidores entre jovens xiitas sauditas.
Ele e outras 46 pessoas foram executadas no sábado, após serem condenadas por crimes de terrorismo.
Em represália à execução, manifestantes atacaram a embaixada saudita em Teerã na noite de sábado. Queimaram imagens do rei saudita, Salman, e chegaram a incendiar parte do edifício. A polícia dispersou o protesto e cerca de 40 pessoas foram detidas.
A família do clérigo disse que entre as condenações incluia a acusação de "interferência estrangeira" no reino, mas seus apoiadores dizem que ele apenas defendia demonstrações pacíficas e era contrário à oposição violenta ao governo.
Ele foi, inclusive, um grande apoiador dos protestos na região leste saudita, de maioria xiita, em 2011. No ano seguinte, sua prisão - na qual ele foi baleado - gerou dias de manifestações nesta área, que resultaram na morte de três pessoas.
O clérigo havia sido detido várias vezes nos últimos 10 anos e, em uma das ocasiões, disse ter apanhado de agentes da polícia secreta saudita.
Image copyrightReutersImage captionAl-Nimr era forte crítico da família real saudita e havia sido preso diversas vezes nos últimos 10 anos
Em 2008, se reuniu com autoridades dos Estados Unidos, segundo o site Wikileaks, numa tentativa de se afastar de posições antiamericanas e pró-Irã.
O grupo de direitos humanos Reprieve considerou as execuções "espantosas", e disse que ao menos quatro dos mortos, incluindo Al-Nimr, foram condenados à morte por crimes relacionados a protestos políticos.
'Alto preço'
O xiita Irã, principal rival regional da sunita Arábia Saudita, liderou a condenação oficial à execução. Sendo o poder xiita na região, o governo iraniano observa com grande interesse a questão de minorias xiitas no Oriente Médio.
A chancelaria iraniana disse que o reino saudita pagará um alto preço pela ação, e convocou o encarregado de negócios saudita em Teerã como protesto.
Image copyrightReutersImage captionProtestos contra execução foram realizados no Barein e em outros países
O site do líder supremo iraniano, aiatolá Khamenei, divulgou uma foto sugerindo que a execução era comparável às ações do grupo autodenominado Estado Islâmico.
Em mensagem no Twitter, Khamenei disse que políticos da Arábia Saudita enfrentarão "vingança divina" pela morte de El-Nimr, que descreveu como um "mártir" que agia pacificamente.
O líder supremo do Irã disse ainda que o clérigo foi morto apenas por sua oposição aos líderes sunitas da Arábia Saudita.
Autoridades sauditas negaram discriminar xiitas e acusam o Irã de alimentar o descontentamento.
O conselho xiita libanês chamou a execução de "grave erro" e o grupo militante xiita Hezbollah descreveu o ato como "assassinato".
Protestos contra a execução foram realizados na Província Leste saudita, no Barein e em outros países.
As execuções de sábado foram realizadas simultaneamente em 12 locais na Arábia Saudita. Entre os mortos está um cidadão do Chade e outro do Egito. Os demais eram sauditas.
A Arábia Saudita realizou mais de 150 execuções no ano passado, o maior número registrado por grupos de direitos humanos em 20 anos.
Image captionA maioria dos condenados à morte na Arábia Saudita são decapitados, e alguns são baleados por pelotões de fuzilamento
Pelo menos 175 pessoas foram executadas na Arábia Saudita no ano passado após serem submetidas a julgamentos injustos e sem chances mínimas de defesa, afirma a ONG de direitos humanos Anistia Internacional.
Um novo relatório da ONG diz que o reino do Golfo Pérsico possui um "sistema judicial falho que facilita execuções em massa".
Em muitos casos, acrescenta o relatório, o acesso dos réus a advogados é negado, e alguns são condenados a partir de "confissões" obtidas sob tortura.
A lista de executados inclui criminosos juvenis e pessoas com problemas mentais.
A Arábia Saudita vive sob uma rígida interpretação da lei islâmica (sharia) e aplica a pena de morte a uma série de crimes que não são considerados os "mais graves" por normas internacionais. Delitos relacionados a drogas, heresia e bruxaria são alguns exemplos.
'Decisões arbitrárias'
O relatório da Anistia afirma que ao menos 2.208 pessoas foram executadas na Arábia Saudita entre janeiro de 1985 e junho de 2015.
Quase metade dessas pessoas eram estrangeiras, e muitas delas não tiveram acesso a assistência de tradução, sendo obrigadas a assinar documentos - inclusive confissões - que não entendiam, aponta a ONG.
Nos primeiros seis meses de 2015 ao menos 102 pessoas foram executadas - ante 90 durante todo o ano de 2014 -, uma média de mais de uma morte a cada dois dias. A maioria foi decapitada, mas alguns foram mortos por pelotões de fuzilamento.
O relatório afirma que a justiça saudita baseada na sharia não possui um código criminal, deixando definições de crimes e punições vagas e abertas a interpretações.
Os juízes também possuem poder discricionário em seuas sentenças, o que leva a "enormes discrepâncias e, em alguns casos, decisões arbitrárias", acrescenta a ONG.
O texto da Anistia aponta que sentenças de morte são frequentemente impostas após "procedimentos sumários e injustos que algumas vezes são conduzidos em segredo".
Em um caso de agosto de 2014, irmãos de uma mesma família foram executados após serem condenados por receber grandes quantidades de haxixe.
A Anistia Internacional diz que os homens alegaram ter sido torturados durante interrogatórios, com espancamentos e privação de sono, para obtenção de falsas confissões.
"Sentenciar centenas de pessoas à morte após procedimentos legais amplamente falhos é vergonhoso", disse, em nota, Said Boumedouha, diretor do programa da Anistia para o Oriente Médio e o Norte da África.
"A pena de morte é horrenda sob todas as circunstâncias, e é particularmente deplorável quando aplicada arbitrariamente após gritantes julgamentos injustos."
A Arábia Saudita diz que as sentenças de morte seguem a sharia e contemplam os padrões de julgamento e garantias mais justos em vigor.