Celso Rocha de Barros se define como sendo “meio esquerdoso, social-democrata não-tucano (nem anti-tucano)". Funcionário de carreira do Banco Central, doutor em sociologia pela Universidade de Oxford, na Inglaterra, é simpatizante do PT que defende a gestão ortodoxa como a de Antonio Palocci no Ministério da Fazenda sob Lula desde que acompanhada de políticas de distribuição de renda e de cobrança de imposto “com entusiasmo”. É deste ponto de vista que ele critica o modelo atual de ajuste fiscal proposto pelo Governo Dilma, em pauta na Câmara. “O ajuste é necessário, mas acho saudável que se reflita como dividir o peso do ajuste nos diferentes andares da sociedade.”
Na semana passada, o Governo conseguiu aprovar a primeira parte das medidas, elaborado peloministro da Fazenda, Joaquim Levy. A principal mudança proposta foi no tempo mínimo para o trabalhador requisitar o seguro desemprego caso seja demitido, que subirá de seis meses para doze. A medida, que valeu ao PT a acusação de "traição do PT aos interesses dos trabalhadores", foi homenageada pelos deputados da oposição com o samba "Vou Festejar", que ficou conhecido na voz de Beth Carvalho. "Eu tenho certeza de que a convicção dos deputados é de fazer este tipo de reforma (com cobrança progressiva de imposto), mas imagina o Congresso com oEduardo Cunha passando uma nova alíquota para o Imposto de Renda? Não parece provável. Não agora."
Pergunta. O ajuste fiscal como vem sendo implementado pelo Governo é a saída para a crise econômica?
Resposta. Um ajuste fiscal é sem dúvida necessário, é evidente que o Governo precisa melhorar sua situação fiscal. Mas também é inegável que houve erros na condução do ajuste. Acho saudável que se reflita como dividir o peso do ajuste em diferentes andares. O andar de cima precisa pagar também. Essa questão é um indicativo do que será a discussão da política econômica do país: um pouco de liberalismo e um pouco de redistribuição de renda, com impostos progressistas, etc. Essa é a fórmula que deu ao PT quatro mandatos na presidência.
P. O ajuste fiscal coloca em risco afórmula eleitoral do PT?
R. O risco é que, com o ajuste feito da maneira proposta, o PT perca a fórmula da distribuição de renda. O ajuste é necessário. Agora, o risco de crescer a desigualdade é real. E vai ser mais importante ter o foco na questão certa, que é a distribuição de renda.
P. Tendo em vista os recentesentreveros com o Congresso, o PT tem condições políticas de implementar medidas que aumentem impostos no andar de cima?
R. As forças políticas que poderiam impor essa medida para os mais ricos estão fracas. O PT está tomando baile do Congresso, e a direita ganha força nas ruas. O ideal seria distribuir o custo equitativamente, quem puder sacrificar mais deve sacrificar mais. Embora eu ache pertinente a discussão, e acredite que [o ajuste] deveria ser feito de maneira equitativa, acho difícil que o PT apresente uma proposta de taxação progressista e que isso passe no Congresso. A ultima vitória do Governo custou muito para sair, e foi um ajuste extremamente impopular.
P. Para onde caminha o PT?
O PSOL é outro exemplo: os caras discutem violência policial e corrupção com muita lucidez. Mas se você ler o programa econômico deles, é de chorar, coisa de movimento estudantil
R. É difícil saber. Vai depender muito do que a liderança vai fazer nos próximos anos. Achei um bom passo o anúncio feito pelo Rui Falcão [presidente da legenda] de que os condenados na Lava Jato serão expulsos. O partido precisa dar essa satisfação. Vários petistas roubaram, deram golpe no erário, e isso precisa ser discutido. Nada pode contornar esse fato, a postura não pode ser de: “Ah, não vou fazer isso”. Não, precisa admitir.
P. O programa do PT precisa passar por alterações?
R. O programa precisa ser atualizado, no sentido de abraçar o que deu certo, que foi uma política econômica moderada acompanhada de distribuição de renda. Foi isso que deu certo, isso que garantiu quatro mandatos ao partido. O PT interpreta muito mal os seus sucessos. Quando a legenda fez aniversário de 35 anos em fevereiro deste ano, distribuíram um panfleto que destaca que o partido derrubou o neoliberalismo. E não foi nada disso. Foi distribuição de renda. Há uma certa miopia ideológica de alguns quadros.
P. O discurso do partido por vezes contradiz as políticas propostas?
R. Uma coisa é discutir se o certo é privatizar tudo. Outra é falar que todo aumento de juros é ruim. Isso não faz sentido. Não resolve nada. Nada de concreto é feito porque você diz que enfrentou o neoliberalismo. Muitos dos documentos oficiais do partido acabam refletindo mais a identidade que alguns militantes fizeram de si mesmos do que a realidade.
P. Na propaganda institucional que foi ao ar na TV, o PT falou sobre algumas de suas bandeiras históricas, como a taxação de grandes fortunas. Mas não apresentou nenhuma lei concreta com relação ao assunto...
R. Eu tenho certeza de que não é mera retórica [abordar estes temas polêmicos]. Tenho certeza de que é o que eles gostariam de fazer. Eu tenho certeza de que a convicção dos deputados é de fazer este tipo de reforma, mas imagina o Congresso com o Eduardo Cunhapassando uma nova alíquota para o Imposto de Renda? Não parece provável. Não agora.
P. A crise no PT é boa para a esquerda no país?
R. Acho que pode ser. É uma senhora crise. Não é fácil superar, provocou um abalo na identidade do partido. Quando o Governo não passa nada no Congresso e só passa ajuste, a esquerda deve se questionar se vale a pena ser Governo. É preciso repensar como, no médio prazo, conseguir implementar um programa social democrata. É o que o PT é: um partido social democrata. O PT evoluiu para isso, independentemente do que os fundadores queriam no início.
É preciso repensar como, no médio prazo, conseguir implementar um programa social democrata. É o que o PT é: um partido social democrata"
P. Muitos especialistas apontam que o PT sofre por não conseguir lidar com as críticas...
R. Uma coisa é o cara denunciar uma cobertura parcial da imprensa, outra é criticar todas as denúncias. Falta um pouco de autocrítica e de respeito às criticas que vem do outro lado. O debate político exige que se ouça as críticas. A energia e a força política que o PT gastou defendendo os acusados do mensalão... Precisava gastar o capital político com isso? Vai ter como recuperar a imagem do partido depois que ele fica associado à corrupção?
P. Existe alguma corrente interna do PT que se destaca nos escândalos recentes?
R. Claramente a tendência dominante, a Construindo um Novo Brasil [CNB], tem mais gente envolvida. Mas isso é normal, já que é a corrente dirigente. Não quer dizer que com a oposição interna do partido teria sido diferente. A CNB é um grupo mais moderado, e é a tendência melhor aprendeu a jogar o jogo, que aprendeu a fazer alianças, etc. O Tarso Genro tentou fazer uma autocritica na época do mensalão, mas é difícil apoiá-lo, porque eu e outros apoiadores não queremos que o PT radicalize. E no campo econômico ele radicaliza o discurso. O combate à inflação precisa ser levado a sério. O PSOL é outro exemplo: os caras discutem violência policial e corrupção com muita lucidez. Mas, se você ler o programa econômico deles, é de chorar, coisa de movimento estudantil. A esquerda do PT é menos assim, mas não dá para entregar a Fazenda para os caras.
P. Que lição o partido pode tirar da eleição de 2014, na qual Dilma Rousseff foi eleita por uma margem mínima de votos?
R. A eleição do ano passado foi milagrosa: com crescimento econômico zero e escândalo da Lava Jato a Dilma é reeleita. Isso mostra que a população brasileira tem um desejo enorme pela distribuição de renda.